Por Guilherme de Jesus France.
Foi uma aniversário sem pompa ou circunstância. A Lei Antiterrorismo completou um ano de vigência, sancionada no dia 16 de março de 2016 pela presidente Dilma Rousseff. A discrição da efeméride é bastante diferente do polêmico e tumultuado processo legislativo que a gerou, cuja compreensão é fundamental para que se entenda sua redação e, principalmente, sua aplicação.
Juntamente com a Lei nº 13.170, que regula a ação de bloqueio de bens em decorrência de sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança da ONU, a Lei Antiterrorismo foi apresentada com objetivo de satisfazer o Grupo de Ação Financeira (GAFI). Responsável por combater o financiamento de grupos terroristas, o GAFI vinha pressionando o governo brasileiro a tomar medidas nesse sentido desde 2010. O ápice dessa pressão, foi sem dúvida, a vinda à Brasília de missão diplomática de alto nível com objetivo de sinalizar quais seriam as graves consequências da contínua omissão do governo.
Naquele momento, em meados de 2015, quando ainda se ensaiavam esforços para prevenir o agravamento da crise econômica, assustava a possibilidade, claramente sinalizada pelo GAFI, de que o país viesse a ser incluído em uma das listas de sanção e, consequentemente, perdesse o tão prezado ‘grau de investimento’, conferido pelas agências de rating internacionais.
Iniciado o processo legislativo, atores diversos, com interesses desconexos ao GAFI, avançaram para ver demandas históricas atendidas. A adoção de legislação sobre terrorismo vinha eludindo as forças de segurança e investigação criminal – Forças Armadas, Gabinete de Segurança Institucional, Polícia Federal e Ministério Público – desde o começo dos anos 2000 e esta representava uma oportunidade única.
Em função desse avanço, uma simples emenda à Lei de Organizações Criminosas se transformou na Lei Antiterrorismo. Tipificar o terrorismo não foi, entretanto, a única demanda apresentada, embora tenha sido, possivelmente, a que recebeu mais atenção. Dentre as prioridades desses órgãos, destacava-se a criminalização dos atos preparatórios do terrorismo.
E, agora, com a conclusão da Operação Hashtag[1], fica fácil entender porque. Foi com base nos dispositivos relacionados a atos preparatórios que a maioria das ações realizadas pela PF foram autorizadas (26 mandados de busca e apreensão, 40 de prisões temporárias e oito de conduções coercitivas) e que a denúncia do MPF foi apresentada.
Do outro lado de debate político, organizações relacionadas aos Direitos Humanos e movimentos sociais empreenderam intensos esforços para impedir a aprovação dessa legislação. Derrotados nesse aspecto, foram capazes, todavia, de podá-la e garantir, por exemplo, uma definição limitada para terrorismo e uma cláusula excludente de ilicitude em favor dos movimentos sociais e reivindicatórios. Preocupavam-se, afinal, que essa legislação se transformasse em mais um instrumento para a criminalização de protestantes e movimentos de reivindicação.
Quanto aos atos preparatórios também se insurgiram, mas não prevaleceram. O temor era que autoridades policiais e judiciárias se excedessem, agindo em casos de mera manifestação de opinião, por exemplo, como se esta fosse de fato uma etapa preparatória para a realização de atentados terroristas.
A conclusão da Operação Hashtag também serviu para justificar esses temores. A denúncia apresentada pelo MPF baseia-se quase que exclusivamente em conversas e publicações em redes sociais. Continham manifestações de homofobia e de ódio contra diversas delegações que viriam para os Jogos Olímpicos, que são certamente condenáveis. Parecem, todavia, se aproximar mais de meras conjecturas e expressões de opinião do que efetivo planejamento.
O próprio ex-Ministro da Justiça Alexandre de Morais reconheceu se tratar de célula extremamente amadora e que “não vamos esperar um milímetro de ato preparatório para agir, por mais insignificante, vai ter operação rápida e dura”. Fica difícil, assim, determinar o que (não) será considerado ato preparatório.
Aplicada em apenas uma operação, a Lei Antiterrorismo não escapou, ainda assim, de críticas e polêmicas. Se seu aniversário passou despercebido, que assim o seja também nos próximos anos. Talvez, mais do que qualquer outra legislação, destiná-la ao esquecimento é o melhor que podemos esperar para a Lei Antiterrorismo.
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[1] Investigação realizada pela Polícia Federal contra um grupo, supostamente associado ao Estado Islâmico, acusado de planejamento de atentados terroristas às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Guilherme de Jesus France – Mestre em Direito Internacional pela UERJ e mestrando em História, Política e Bens Culturais pela FGV. Conduziu pesquisa sobre as origens da Lei Antiterrorismo. Atualmente, é pesquisador do Centro Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio.
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Fonte: Jota.