Por Paulo Cannabrava.*
“Nós ficamos aqui conversando e eles lá fazendo as leis, fazendo o que bem entendem, como lhes dá na gana, sem que nada aconteça. Se a gente protesta, vem repressão. Aliás, nem precisa protestar, basta divergir, basta sair para a rua para reivindicar alguma coisa que vem cacetada em cima”.
É, de fato, essa situação desacorçoa, desanima, inibe qualquer reação, o que deixa mais ainda à vontade os que se apropriaram do poder e estão desmontando o Estado brasileiro.
As palavras em aspas e cursiva eu ouvi de um trabalhador, aluno de quarto ano do curso noturno de Educação de Jovens e Adultos em uma escola pública, em Riacho Fundo, periferia de Brasília. Ele resumia o pensamento quase que unânime daquele coletivo.
Penso que resume também o pensar de uma boa parcela da população hoje, senão da maioria.
Fazer um diagnóstico da crise para essas pessoas soaria mais como uma chata redundância, pois eles têm as cicatrizes da crise na pele, o desânimo estampado na face. O que eles desejam ardentemente são prognósticos, os remédios para sua situação de marginalizados.
Aí é que entra a causa do desânimo. Quem vai dar as receitas? Já não confiam nos políticos nem nos partidos, nem nos sindicatos. Sabem que deles só podem esperar o reforço do mesmo, nenhuma mudança voltada para favorecer os de baixo, mas todas as mudanças necessárias para favorecer ainda mais os de cima. Pois não é isso o que está acontecendo?
Como diziam os revolucionários espanhóis na Guerra Civil de 1936, é necessário que “la tortilla se vuelva”, ou seja, é preciso virar a omelete, se não virar, queima. No nosso caso, isso é o mesmo que dizer que há que começar tudo de novo, desde os de baixo. Se não conseguirmos aumentará a brecha entre a riqueza e a pobreza e corremos o risco de ficar sem país.
Eles estão entregando tudo: terras, o que está em baixo da terra (minérios); água, ensino, saúde, seguridade social, segurança nacional, soberania. A expansão das fronteiras agrícolas sem planejamento e sem controle está liquidando com as florestas, matando os mananciais, secando os rios e ameaçando até os lençóis freáticos e os aquíferos. Pior, continua o genocídio dos povos indígenas, dos negros, dos jovens, das mulheres. Nada os detêm. Indignar-se e protestar já não resolve. O sistema é cego, mudo e surdo. Insensível, uma máquina infernal destruidora, implacável.
Já não basta indignar-se, é preciso rebelar-se. Não basta rebelar-se, é preciso organizar-se.
As escolas jogam um papel fundamental no movimento necessário para reconquista do país pelos seus habitantes.
O sistema quer acabar com a escola pública e impor o pensamento único nas escolas privadas, transformar o ensino em outra commodity, ou seja, em mercadoria, em objeto de lucro. Não se pode aceitar isso.
É aí que deve começar a rebelião. Rebelião no bom sentido. A rebeldia pela recuperação do pensamento crítico para enfrentar e derrotar o pensamento único tem que começar nas escolas. Os professores têm a obrigação de assumir o protagonismo dessa rebeldia, mas se os alunos não tirarem a bunda da cadeira, para defender a escola pública e os professores rebeldes, nada acontecerá.
Devolver à escola o pensamento libertário de Paulo Freire e envolver nessa dinâmica toda a comunidade do entorno. É um bom começo como atestam os clubes de mães, as comunidades eclesiais, os agrupamentos contra a carestia, movimentos que no passado se transformaram no tsunami da luta pela anistia e pelas eleições diretas e liquidaram com a ditadura militar.
Só que a ditadura não era só militar. Na época, o Estado foi capturado pelo capital transnacional. Com a democratização e eleições, o Estado e a Nação foram capturados pelo pensamento único imposto pela ditadura do capital financeiro.
Essa é a questão fundamental: derrotar o pensamento único impondo o pensamento crítico e criativo. Derrotar a hegemonia do capital financeiro e impor um projeto nacional de desenvolvimento integral. Para isso é preciso libertar-se da alienação, libertar-se da servidão intelectual. Ser livres! Eis aí o grande desafio para nas novas gerações.
Nem os políticos nem os partidos vão fazer esse projeto nacional. Então é preciso desencadear esse movimento nas escolas, nos bairros, em cada família, para defender a escola pública de qualidade e colocar a escola, as associações, as universidades para pensar o país.
Formar a partir das bases da sociedade uma ampla frente de salvação nacional. Pois disso se trata. Estão entregando a soberania do país e para que isso se efetive estão anulando pensamento livre e crítico. Só a rebeldia da juventude salva o país e garante o futuro para as novas gerações.
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*Jornalista editor de Diálogos do Sul.
Fonte: Diálogos do Sul.