Por Raquel Wandelli.
Três anos passados hoje do Levante do Bosque, um silêncio covarde e constrangedor paira no aniversário de um dos maiores atos de resistência da história recente do país…
Silêncio do oligopólio de mídia, que apoiou a selvageria policial contra a comunidade universitária desarmada. Silêncio delator da mesma mídia que dedica todos os anos generoso espaço para cultuar a Novembrada, como se fosse um evento neutro ou um fóssil congelado na história. Como se a Novembrada não continuasse a reacontecer todos os dias nas estrondosas manifestações de rua contra os projetos antipopulares que os grandes veículos ignoram.
Silêncio, obviamente, das elites e da opinião pública média que também foram cúmplices covardes dessa selvageria contra a juventude universitária e dessa inversão de todos os princípios de justiça em nome de um discurso moralista hipócrita. Essa inversão transformou agressores criminosos em vítimas e inocentes agredidos em réus de um processo por incitação à violência que tramita até hoje, apesar das provas contundentes contra a ação desmedida, irresponsável e desastrosa protagonizada por um delegado doente para se exibir por trás de operações espetaculosas e fanáticas.
Por último, silêncio também da esquerda menos coerente ou menos firme, pra não ser ofensiva, à frente da reitoria e do governo na época, em quem o Levante do Bosque dói nos calos e na consciência. Três anos depois, esse afrontamento à democracia nunca antes visto em Santa Catarina, nem na ditadura militar, é uma medida amarga do estado policialesco que já se armava embaixo das saias de um governo garboso de dar autonomia à Polícia Federal. Denuncia a ilusão de um governo que se orgulhava de ser amigo do peão e do delegado como modelo de relacionamento político e de superação da luta de classes.
Mas constrangedor também para quem estava no poder e nunca teve uma atitude de questionamento à ação criminosa da polícia, nem deu apoio aos professores e diretores de Centro que tentaram proteger a vida desses estudantes, evitando que o confronto desvantajoso acabasse em mortes. Também nunca ofereceu apoio às vítimas da truculência, na grande maioria jovens e adolescentes, feridos por estilhaços de bomba fora do prazo de validade, balas de borracha, gás de pimenta e porradas de cassetete. Foi assim que esse processo inacreditável ganhou curso e caiu no colo do governo golpista, louco para enfiar suas garras na juventude rebelde e agradar as estrelas do fascismo evangélico.
O Levante do Bosque tornou-se um fato político incômodo para muita gente, porque oferece um balão de ensaio do golpe de Estado que já estava lá gestado e que não cessa de se repetir… Mas ele não é um cadáver guardado dentro do armário: é preciso que a gente tenha coragem de apontar todas as covardias, de rever nele a tragédia em que o país se afundou e também de repensar nossas ações políticas através das lições de futuro que essa insurgência esperançosa nos trouxe. É preciso fazer o Levante do Bosque falar!