Por
“Os compromissos político-ideológicos da mídia hegemônica impedem uma abordagem crítica à indústria da pena”, afirma o professor de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP) Dennis de Oliveira. Ele é coordenador da comissão política da Quilombação – Coletivo de Ativistas Antirracistas e colunista da Revista Fórum.
Como você tem avaliado a cobertura midiática acerca da crise carcerária? Ela tem colaborado com o debate público?
Como sempre, a mídia tem tratado o tema em três perspectivas. A primeira é a reivindicação pela segurança dos cidadãos livres e a cobrança das autoridades em “conter” as rebeliões. A segunda é denunciar o problema da superlotação dos presídios e a cobrança de uma melhoria na estrutura carcerária, inferindo que as rebeliões são produtos única e exclusivamente das condições precárias dos presídios. E, finalmente, a terceira perspectiva das coberturas é a guerra das facções do crime organizado.
“Policial decide quem é usuário e traficante a partir de cultura racista”
Em nenhum dos grandes veículos da mídia hegemônica foi abordado o problema da indústria da pena como uma questão central na crise carcerária. Por quê?
Esta é justamente a lacuna que se observa nas coberturas. O discurso da direita tem no recrudescimento da repressão um dos seus elementos centrais. O aumento do encarceramento é apresentado pelos políticos deste campo como uma maior eficiência da política de segurança pública. E foi justamente isto que alimentou a indústria da pena que possibilitou, inclusive, um novo “mercado” para empresas interessadas na privatização das prisões.
Isto atinge frontalmente a ideologia privatista dos neoliberais, campo do qual a mídia faz parte. Note-se que as críticas feitas à empresa que assumiu a administração do presídio em Manaus foram feitas de forma pontual – aquela empresa não é idônea, contribuiu com políticos ligados ao crime organizado, etc -, mas não contrária à proposta de privatização dos presídios.
Outro problema que interdita esta reflexão crítica da indústria da pena por parte da mídia hegemônica decorre da necessidade de fazer uma avaliação do Poder Judiciário. A indústria da pena tem na concepção elitista e no racismo institucional do Judiciário as suas principais âncoras. Ora, o Poder Judiciário tem sido o principal ator político, junto com a mídia, na consolidação do golpe parlamentar de agosto de 2016.
Estes compromissos político-ideológicos por parte da mídia hegemônica é que impedem uma abordagem crítica à indústria da pena.
Em meio a esse cenário, qual a importância da mídia contra-hegemônica, negra e fundamentada nos direitos humanos?
Por não estar vinculada a este campo conservador e também por estar vinculada à causa da população excluída do Brasil, a mídia contra-hegemônica tem um papel fundamental em analisar estes fatos sob a perspectiva da periferia.
Não se trata de abordar o assunto como se fosse uma guerra dos cidadãos de bem contra os criminosos, mas sim de discutir como a sociedade constrói mecanismos institucionais e estruturais de excluir determinados setores da população.
E isto é preciso ser feito tratando de temas interditados na grande mídia, como, por exemplo, o racismo implícito na política de guerra às drogas, a tendência do Judiciário em negar as penas alternativas embora elas estejam previstas, o elitismo e racismo no sistema judicial, o abandono dos detentos por parte do Poder Público, o que faz muitos deles buscarem apoio em estruturas do crime organizado (o PCC surgiu justamente disto), o fato de o sistema judicial punir mais os crimes contra o patrimônio que os contra a pessoa (por exemplo, quantos estão presos pelo crime de racismo?), entre outros.
Quais os reflexos dessa cobertura e da política de Estado de construir mais presídios para a população preta, pobre e periférica?
É cristalizar a ideia de que é necessário tratar o problema como uma questão de “guerra” – note a tendência a uma “militarização” do problema, com a convocação das Forças Armadas para conter o conflito – e, por isto, direcionar recursos para os sistemas repressivos que incluem a construção de mais presídios.
Fonte: Ponte Jornalismo.