Por Eduardo Maretti.
São Paulo – Profissionais de diversas áreas, professores universitários, juízes e ativistas de inúmeros movimentos sociais e organizações progressistas defendem o nome de Beatriz Vargas Ramos – professora de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) – para uma “anticandidatura” ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em manifesto e abaixo-assinado divulgado na internet, os apoiadores da anticandidata afirmam que, com ela, defendem o Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o pluralismo político, uma sociedade em que a propriedade seja subordinada à função social e vários outros princípios, alguns dos quais inscritos no artigo 5° da Constituição (que trata de direitos e garantias fundamentais).
O contexto da anticandidatura é a “situação em que a ilegitimidade do governo constituído (de Michel Temer) compromete todos os processos políticos regulares, esvaziados de sua sustentação democrática”. A indicação do ministro da Justiça afastado, Alexandre de Moraes, para a vaga de Teori Zavascki no STF, nesse cenário, é ilustrativa. “Entendemos que o governo Michel Temer não tem legitimidade para indicar nenhum nome ao Supremo”, diz Beatriz, em entrevista à RBA. “O nome de Moraes diminui o Supremo.”
Beatriz explica que sua anticandidatura à mais alta corte do país “não é uma candidatura para valer”, mas, com ela, pretende desenvolver uma “ação política de catalisação das discussões importantes que passam pela pauta do Supremo”.
Assim como outros representantes do campo progressista, caso do deputado Wadih Damous (PT-RJ), Beatriz Vargas critica as nomeações ao STF pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Eles nomearam nada menos do que 13 ministros ao Supremo, dos quais oito ainda estão no tribunal, e mesmo assim o PT sofreu duras derrotas na Ação Penal 470 (“mensalão”) e no processo de impeachment de Dilma. Cezar Peluso, Carlos Alberto Menezes Direito, Ayres Britto, Eros Grau e Joaquim Barbosa, todos nomeados por Lula, já não fazem parte da corte.
“Acho que subestimaram a importância do Supremo. Ou a importância de colocar no tribunal nomes de juízes que não representassem o pensamento conservador do campo jurídico”, diz a professora da UnB.
Qual o significado de sua anticandidatura?
A anticandidatura não é uma candidatura para valer. Não queremos meu nome no Supremo. Entendemos que o governo Michel Temer não tem legitimidade para indicar nenhum nome ao Supremo. É uma ação política de catalisação das discussões importantes que passam pela pauta do Supremo e uma fala de indignação com os nomes que representam o conservadorismo no campo do direito que estavam sendo apadrinhados e, agora, ainda mais, com a indicação do nome de Alexandre Moraes, que é contrário a tudo que defendemos na área da política criminal, da segurança pública, política penitenciária. O nome dele diminui o Supremo.
No entanto está colocado e deve ser ministro…
Há uma grande probabilidade de ser o Alexandre Moraes, porque esse processo fica na mão da Presidência da República, que já fez seu papel ao indicar, e divide isso com o Senado, na Comissão de Constituição e Justiça. Dificilmente, pela composição dessa comissão, o nome de Alexandre de Moraes seria barrado. Institucionalmente, não temos como interferir no processo. Estamos ocupando um espaço que não é institucional, para levantar que esse nome não passa no crivo dos direitos humanos, dos direitos sociais, e tentando colocar nossa voz, de pessoas da universidade ou de fora dela, dentro do Senado, que tem se mostrado bastante insensível a essas vozes.
Como avalia o papel do Supremo no processo de impeachment?
O Supremo não apenas poderia, mas deveria ter entrado de maneira mais profunda na discussão sobre a ilegalidade do processo. Não quiseram entrar no mérito. Okay, mas poderiam ter entrado no aspecto formal da chamada condição da ação. A condição para o impedimento é a existência do crime de responsabilidade, e o Supremo deveria ter entrado aí, e não entrou porque não quis. Isso para nós é omissão.
O ministro Marco Aurélio diz que não foi golpe, mas uma decisão das duas casas do Congresso.
Ou seja, foi uma decisão política sem nenhum controle jurídico. Foi a política nua e crua, sem delimitação. Não é o Supremo que deve julgar crime de responsabilidade em processo de impeachment. Nisso estamos de acordo. Mas antes de chegar no mérito, existem questões preliminares que deveriam ter sido analisadas pelo Supremo. A condição da ação condenatória passa pela análise jurídica sobre se os fatos imputados são ou não crime de responsabilidade. O Supremo não quis falar sobre isso.
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) critica os governos do PT dizendo que tiveram oportunidade de nomear muitos ministros do STF, e, segundo ele, “errou a não mais poder” nomeando os que nomeou. Qual sua opinião sobre isso?
Qual o fundamento, quais os argumentos que ele usa?
Teori Zavascki, por exemplo, com um perfil técnico e um bom nome, que aparentemente não se dobraria à opinião pública, nesse aspecto, segundo Damous, foi decepcionante, como no caso dos grampos contra Lula e Dilma.
Estou de acordo. Acho que a superexposição midiática do Supremo produziu uma espécie de acovardamento dos ministros no cumprimento do papel contramajoritário. Ficaram reféns da opinião pública, ou opinião publicada. TV demais auxilia ou não o trabalho do Supremo?
Eu também critico os governos do PT, por duas razões. O ex-presidente Lula e a presidenta Dilma erraram nas indicações. Primeiro porque nenhum dos dois tinha uma compreensão boa, exata ou perfeita do papel do Supremo no cenário político e jurídico brasileiro. Acho que subestimaram a importância do Supremo. Ou a importância de colocar no tribunal nomes de juízes que não representassem o pensamento conservador do campo jurídico. Há ministros menos conservadores, que são até do centro, como o (Luís Roberto) Barroso, o (Luiz) Fachin, mas no papel que desempenham no Supremo não estamos convencidos dessa centralidade deles. Outra coisa é que tanto Lula quanto Dilma ficaram meio que dependentes das cúpulas do Judiciário. Os nomes (indicados por eles) agradavam a cúpula do Judiciário.
- Isso aconteceu com a Procuradoria-Geral da República também?
Também, a mesma coisa. Pode até não serem todos os nomes, mas boa parte deles (ministros nomeados por Lula e Dilma) agradavam a cúpula do Judiciário, normalmente dos conservadores, do ponto de vista político. Todo juiz tem um entendimento político. O discurso da neutralidade do juiz não convence. Ninguém obriga um juiz a ser neutro, e nem pode, politicamente. O que não pode é transformar a ação jurídica numa resposta às suas ideias políticas. O referencial para o juiz no tribunal não é sua filiação ideológica, mas a lei. Como juiz ativista, o Supremo tem pelo menos um que se destaca muito, o ministro Gilmar Mendes. Chega de juiz ativista, nem de um lado nem de outro.
O PT no poder teria subestimado, mais do que o STF, o Direito como um todo, como já disse Bandeira de Mello?
Eu acho, também. Mas não é um problema só do PT. É um problema das esquerdas em geral. Elas têm a tendência de acreditar que o campo jurídico é sempre o da manutenção do status quo, e que ninguém vai mudar nada pelo Judiciário. A tendência de subestimar é por essa premissa.
Tenho dito que não precisamos, nem gostamos de juízes heróis. Precisamos de juízes que limitem seu poder decisório ao critério da lei, da Constituição. O juiz não pode ser insensível socialmente. Um juiz insensível para a questão social é um péssimo juiz. E são muitos. Estamos vendo um desfile deles. Onde eles estavam escondidos? Esse monte de juízes punitivistas, racistas, machistas, segregadores. Pensando até no papel das universidades, como estamos produzindo esse tipo de profissional? O debate do Judiciário não é fácil, mas nós precisamos fazer. A Suprema Corte é um órgão de extraordinária importância para o encaminhamento de qualquer grande questão de interesse público.
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Fonte: RBA.