Por que a transposição do São Francisco demora tanto para ficar pronta

Por Bruno Lupion. 

Em 2002, o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, durante a campanha, que uma das prioridades de seu governo seria realizar a transposição do rio São Francisco para levar água a regiões do semiárido nordestino. A proposta, feita por um político nascido no interior de Pernambuco, de onde migrou fugindo da seca quando criança, tinha apelo especial entre os eleitores do Nordeste.

Hoje, quase quinze anos depois, a transposição do rio São Francisco ainda não está em pleno funcionamento. A água flui apenas em 85 km dos 477 km do projeto, 18% do total. Transposição significa tirar água de uma bacia hidrográfica, composta por um conjunto de rios, e levá-la para outra, por meio de bombeamento artificial e canais.

O projeto do governo federal consiste em dois eixos que retiram água do rio São Francisco, na divisa entre a Bahia e Pernambuco. O Eixo Leste vai até a Paraíba e o Norte, até o Ceará e o Rio Grande do Norte. Ambos atravessam o interior de Pernambuco e o sertão nordestino. Seu objetivo é garantir água para consumo humano e criação de animais e estimular a agricultura e as indústrias na região. Este é o mapa da transposição:

Lula e Dilma quiseram inaugurar, Temer planeja o mesmo

A história da obra é marcada por atrasos, erros de projeto e estouro de orçamento. Ela começou a sair do papel em 2007, quando Lula anunciou que pretendia inaugurar ao menos o Eixo Leste ao final de seu governo, em 2010. Não foi possível. Nesse período, o ministro da Integração Nacional, responsável pela obra, era Geddel Vieira Lima, exonerado da Secretaria de Governo da gestão Michel Temer em novembro de 2016 e citado na Operação Lava Jato. Lula não inaugurou a transposição, mas fez dela uma vitrine para sua candidata a presidente na campanha de 2010, Dilma Rousseff. A obra integrava o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do qual a petista era apresentada por Lula como “mãe”. Dilma foi eleita, reeleita, e também queria inaugurar a obra, mas não conseguiu.

Agora, o governo do presidente Michel Temer tenta, enfim, entregar a transposição do São Francisco. Na quarta-feira (18), o ministro da Integração Nacional, Hélder Barbalho, foi à cidade de Floresta, no sertão pernambucano, para acionar uma máquina de bombeamento que fará as águas avançarem no Eixo Leste. Barbalho pretende colocar todo o Eixo Leste em funcionamento até o último dia de fevereiro deste ano. No mesmo mês, a pasta deve assinar um contrato com uma nova empreiteira para terminar o Eixo Norte, que o governo quer entregar até dezembro. Em 2007, a transposição era orçada em R$ 4,8 bilhões, em valores da época (R$ 8,5 bilhões em valor atual, corrigido pela inflação). Hoje, o governo estima que o custo total da obra será de R$ 9,6 bilhões.

Os motivos do atraso

Em 2012, o então ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, resumiu em audiência no Senado alguns motivos para as obras de transposição terem atrasado e estourado o orçamento diversas vezes. Estas são algumas da causas citadas:

ERROS DE PROJETO

O projeto da transposição elaborado no primeiro governo Lula, que serviu de base para a licitação e o início da obra, em 2007, continha diversas falhas. A mais comum era falta de detalhamento do solo. Às vezes, ele era mais arenoso e instável do que o previsto. Em outros locais, havia rochas inesperadas. Por exemplo: um túnel para transportar a água por dentro de um morro foi construído no Ceará, no Eixo Norte, e chegou a ser visitado por Lula em dezembro de 2010. Quatro meses depois a estrutura desabou, porque o solo era arenoso demais. Esses descompassos entre o projeto e a realidade dos canteiros de obra provocaram atrasos e a necessidade de o governo pagar valores extras às empreiteiras, na forma de aditivos.

PROBLEMAS COM EMPREITEIRAS

A execução dos contratos da transposição foi interrompida por diversas desistências de empreiteiras que haviam se comprometido a construir trechos da obra. Entre os motivos do abandono estão falta de capacidade técnica ou financeira ou discordância sobre os valores pagos pelo governo. O projeto chegou a envolver a contratação de 90 empreiteiras diferentes

Em 2012, a construtora Delta, então a quinta maior do Brasil, do empresário Fernando Cavendish, entrou em recuperação judicial após um escândalo de desvio de verbas que envolvia o bicheiro Carlinhos Cachoeira, e desacelerou as obras do Eixo Norte.

Também houve casos de corrupção relacionados diretamente à transposição. Em 2015, a Polícia Federal prendeu executivos das empreiteiras Galvão Engenharia, OAS, Coesa e Barbosa Mello suspeitos de envolvimento no superfaturamento e desvio de R$ 200 milhões em dois lotes do projeto.

FALTA DE FISCALIZAÇÃO

Órgãos de controle, como TCU (Tribunal de Contas da União), vinculado ao Congresso, e a Controladoria-Geral da União, subordinada ao governo, apontaram em diversos relatórios falhas na fiscalização das obras. Em um dos casos, o TCU identificou, por exemplo, o pagamento de areia extraída de jazida como se fosse areia comercial, mais cara.

DESAPROPRIAÇÃO DE TERRENOS

Entre os motivos apontados pelo governo pelo atraso, também está a burocracia para desapropriar áreas por onde seriam construídos os canais e dúvidas jurídicas sobre quem seriam os titulares das terras em parte do sertão nordestino.

As idas e vindas da obra

2004: Elaboração do projeto

No primeiro ano do governo Lula, sua equipe se debruça sobre como deveria ser o projeto da transposição. No início de 2005, na mensagem presidencial enviada ao Congresso, ele afirma que sua gestão havia redesenhado os eixos da obra com o objetivo de desenvolver o Nordeste.

2005: Greve de fome de bispo

O governo esperava começar a construir a obra neste ano, o que não ocorreu. Uma greve de fome realizada pelo bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio, chama a atenção para críticas a supostos riscos ambientais envolvidos no projeto.

2007: Começam as obras

Em março, o Ibama expede a licença ambiental para o início das obras. Para reduzir os impactos negativos da empreitada, o governo se compromete a contratar mão-de-obra local, apoiar comunidades indígenas afetadas, reassentar populações e elaborar programas de proteção ambiental. Em agosto, as obras são iniciadas, divididas em 14 lotes. Surgem as primeiras contestações judiciais às licitações.

2009: Paralisações

Alguns lotes das obras começam a ser paralisados por desacordos entre empreiteiras e governo e falta de capacidade técnica e financeira das empresas.

2010: Apesar dos problemas, vitrine para Dilma

Problemas nas obras da transposição ficam mais frequentes. O TCU anula uma licitação para construir trecho do Eixo Norte por falhas no projeto elaborado pelo governo, e novo edital é publicado somente em 2011.

Lula não consegue inaugurar o Eixo Leste em sua gestão, como pretendia, mas usa as imagens da obra na campanha de Dilma. Em 2010, durante uma visita a um canteiro de obras da transposição, Lula afirma: “Estou percebendo que a obra vai ser inaugurada, definitivamente, em 2012, a não ser que aconteça um dilúvio”.

2011: Abandono

As obras de transposição são abandonadas em diversos trechos. Em dezembro, o governo informa que 6 dos 14 lotes estavam paralisados, e em um deles ainda faltava realizar a licitação.

Fernando Bezerra, então ministro da Integração Nacional, afirma que havia problemas nos projetos elaborados no governo Lula e que seria necessário licitar novamente partes da obra. Em alguns casos, os aditivos alcançavam 25% do valor do contrato, no limite da lei.

2012: Novo modelo e licitações

O governo muda a organização da obra. A divisão em 14 lotes, adotada em 2007, é substituída por uma nova, em seis trechos, e são realizadas novas licitações.

Em dezembro, em audiência no Senado, o então ministro Bezerra Filho diz que a expectativa era inaugurar as obras em 2015.

2016: Empreiteira devolve trecho

A construtora Mendes Júnior, responsável por parte do Eixo Norte, entra em recuperação judicial, diz que não terá condições de cumprir o contrato e devolve um canteiro de obras de cerca de 70 quilômetros ao governo.

A licitação ainda está em aberto, e o governo pretende avaliar as propostas e assinar o contrato em fevereiro de 2017.

Fonte: Nexo. 

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