MP sobre reforma agrária transforma Incra em “grande imobiliária”, critica MST

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A medida estipula a regularização com emissão de título de propriedade de lotes e a municipalização da seleção dos beneficiários das famílias que devem ser assentadas. Foto: Marcos Corrêa / PR.

Por Rafael Tatemoto.

Movimento aponta que o objetivo de conceder os títulos, na verdade, é “colocar terra no mercado”

O presidente não eleito Michel Temer (PMDB) editou, nesta quinta-feira (22), a Medida Provisória (MP) 759/2016, que altera as regras relacionadas à reforma agrária no país. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) considera que o conteúdo do texto traz retrocessos para o processo de distribuição e regularização de terras.

Como ato normativo do Executivo, a MP tem validade imediata, mas precisa ser votada pelo Congresso Nacional nos próximos 90 dias para ser convertida em lei.

A medida, entre outras questões, estipula a regularização com emissão de título de propriedade de lotes e a municipalização da seleção dos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária, ou seja, das famílias que devem ser assentadas. Além disso, aponta para a possibilidade de contratação de serviços terceirizados no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Municipalização

Para o deputado federal e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Patrus Ananias (PT-MG), a MP 759 deve ser entendida no cenário mais amplo do governo Temer em relação ao campo brasileiro.

“Temos que considerar no contexto mais amplo das ações que o governo golpista vem tomando. Começou com o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário, fragilizando políticas estratégicas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar [Pronaf] e o Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar”, diz.

Em relação à transferência para as gestões locais da seleção dos futuros beneficiários da reforma agrária, o parlamentar afirma que se trata de uma questão “delicada”.

“Em tese, parece algo razoável, no sentido de descentralizar, trabalhando com as prefeituras, que estariam mais próximas da realidade [local]. Entretanto, há dois problemas imediatos: a exclusão dos movimentos populares ligados ao campo desse processo e, conhecendo bem a realidade brasileira, é difícil levar política de desenvolvimento agrícola para os municípios por conta do peso – econômico e político – que quase sempre têm os grandes proprietários rurais. Há exceções é claro, mas os governos locais muitas vezes estão subordinados”, argumenta Ananias.

Alexandre Conceição, integrante da coordenação nacional do MST, diz que a municipalização significa “tirar a responsabilidade da União em relação a um tema que diz respeito ao território nacional”.

Para ele, o objetivo do governo é fazer as organizações do campo retrocederem em relação às ocupações. “Nem todas famílias que ocupam uma terra em um município, reivindicando a desapropriação, são daquela cidade. Muitos são de cidades vizinhas. Querem jogar o poder da seleção [dos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária] para o coronel local”, avalia Conceição.

Retrocesso

Comentando outras questões da MP 759, o dirigente afirma que o texto “retrocede inclusive em relação ao Estatuto da Terra, criado pelos militares”. Segundo ele, o principal ponto da medida é a regularização de lotes com concessão de títulos de propriedade, o que transformaria o Incra em “uma grande imobiliária agrária”.

“Agora, eles querem regularizar até a grilagem. O interesse é fazer negócios: vender os lotes”, critica Conceição.

Ananias tem avaliação semelhante, e afirma que a medida é para “colocar terra no mercado”. “O que parece um passo à frente, na verdade, não é. É facilitar venda para os grandes proprietários nacionais e estrangeiros”, afirma.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

Fonte: Brasil de Fato.

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