Por Almir Albuquerque.
Estou muito longe de ser especialista em Economia mas vou me atrever a fazer alguns questionamentos baseados na minha observação de como anda funcionando o mercado capitalista, no caso específico dos alimentos saudáveis. Alguns deles exigem um processamento industrial menos elaborado (e mais barato, portanto) mas tem um preço maior. Vamos ver qual é a lógica disso. Produtos de maior processamento industrial deveriam refletir um preço mais caro, correto? Não na lógica mercadológica capitalista. Pelo menos quando falamos de alimentos.
Tomemos dois exemplos: o pão e o arroz.
No processo de industrialização do arroz branco, são removidos a casca, o pericarpo e o gérmen, sua porção mais externa. As partes mais ricas em nutrientes são jogadas fora, e o que sai da fábrica é o miolo branco rico em amido (que vira açúcar no organismo). No processamento do arroz integral, por sua vez, é retirada somente a casca, mantendo-se o pericarpo e o gérmen, altamente nutritivos.
O processamento do pão integral é mais ou menos análogo. A farinha de trigo do pão integral contém pedaços de grãos e gérmens do trigo, que são retiradas no processo de moagem da farinha branca, utilizada no pão branco. Apesar de demandar maior tratamento industrial, o pão branco é mais barato. Qual é a lógica do mercado?
A conclusão que nos é legítima chegar é que o preço não é determinado pela lógica capitalista nua e crua de mercado, de custos de produção, taxa de lucros, oferta e procura, etc. Há algo de muito subjetivo nessa suposta ciência exata do capitalismo.
De acordo com o site “Guia do Marketing”, o preço do produto também deve ser definido a partir do nível de renda dos consumidores, além do quanto estes estão dispostos a (e podem, também!) pagar pelo produto/serviço. Este conceito é parte da orientação para o mercado, e a organização deve sim, considerar seus custos para produção, distribuição e divulgação do produto, mas o que determinará um preço competitivo será um que equilibra o valor percebido pelo cliente, com o preço que é cobrado. O custo passa a não ser um determinante, mas apenas mais um componente da formação do preço final do produto ao consumidor.
A partir daí podemos aferir que os produtos mais nutritivos são destinados a uma camada da sociedade que pode pagar pelo quesito “saúde” embutido no preço, não obstante o produto exija um processamento mais simples (e tenha portanto, um custo menor). Por outro lado, os produtos pobres em nutrientes, mas que exigiram maior processamento (maior custo de produção) são destinados a uma parcela da sociedade que não pode se dar ao luxo de pagar o preço da mera sugestão mercadológica de “produto saudável”.
A mesma lógica se aplica no caso do alimento orgânico. A desculpa para estes alimentos serem até 40 por cento mais caros é que eles são produzidos em pequena escala, entrando assim na questão da lei da oferta (baixa) e da procura (alta). Mas a verdade é que bastava acabar com o lobby das indústrias de agrotóxicos e mudar o sistema agrícola no Brasil através de uma Reforma Agrária que incentivasse os pequenos produtores em vez dos grande latifundiários, para que a oferta de produtos orgânicos (livres de agrotóxicos cancerígenos) fosse a regra, não a exceção.
Existe uma indústria gigantesca de agrotóxicos — entre as quais a Monsanto, que produziu o famigerado “Agente Laranja” na Guerra do Vietnã, a Syngenta, a Basf, a Bayer, a Dow e a Dupont, que juntas dominam 68% deste mercado — ligadas aos grande produtores rurais, que envenena nossa comida, enquanto que a solução óbvia era que existissem milhares de pequenas agriculturas familiares, livres deste tipo de produto tóxico.
Mais uma vez a lógica estranha do mercado: milhões de reais são gastos na aquisição destes agrotóxicos (uma média de 5,2 litros de agrotóxico por habitante no Brasil) para pulverizar as imensas lavouras dos grandes produtores. Uma pequena parcela da população compra alimento orgânico, livre destes produtos industrializados, pagando quase o dobro por isso, enquanto a esmagadora maioria da população se vê sem opção a não ser comprar produtos envenenados industrialmente, porquanto mais baratos. Acredito que nenhuma ciência econômica possa explicar esse fenômeno por um viés racional, lógico e objetivo. Apenas — como foi dito no Guia do Marketing — pela ideia subjetiva de que “preço do produto também deve ser definido a partir do nível de renda dos consumidores, além do quanto estes estão dispostos a (e podem, também!) pagar pelo produto/serviço”.
Uma alimentação saudável deveria estar a disposição de todos no seu preço justo de mercado e não determinada para esta ou aquela faixa de consumo. Mas esta é apenas uma das irracionalidades abomináveis do suposto “capitalismo racional” defendido por aqueles que veem seu sistema econômico desmoronar nas sucessivas crises econômicas que eles mesmos não sabem controlar.
Fonte: Panorâmica Social.