Indícios de que o impeachment começou a ser combinado em 2013

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Deputados com faixas e cartazes contra o impeachment. Foto: Ananda Borges/Câmara dos Deputados.

Por Marcelo Fantaccini Brito.

Olhando apenas superficialmente para os fatos, é possível pensar que a história do impeachment da Dilma Rousseff foi esta: logo depois da reeleição em 2014, políticos de partidos da então oposição de direita (PSDB/DEM), junto com movimentos recém-criados, como o Vem pra Rua, o Revoltados Online e o Movimento Brasil Livre começaram a campanha pelo afastamento. Já no primeiro semestre de 2015, conseguiram organizar grandes mobilizações de rua. Mas ainda assim, parecia que as associações empresariais, as grandes empresas de mídia, e os partidos conservadores da então base aliada (PMDB/PP/PSD/outros) ainda não estavam completamente fechados a favor do afastamento da Dilma. Aí no segundo semestre, o agravamento da crise econômica, a recusa da Dilma em implantar 100% do programa sugerido por empresários e a tentativa de ressuscitar a CPMF fizeram as associações empresariais, as grandes empresas de mídia e os partidos conservadores da então base aliada fecharem a favor do impeachment. O pedido escrito por Miguel Reale Jr., Hélio Bicudo e Janaína Pascoal foi acolhido por Eduardo Cunha, como retaliação ao PT por ter votado contra ele no Conselho de Ética. No início, havia até alguma dúvida se os 2/3 seriam alcançados. Mas aí a Lava Jato fechou o cerco em Lula, Delcídio e João Santana, e Dilma fez a tentativa desastrosa de nomear Lula ministro. O pedido de impeachment não foi respaldado em corrupção, mas mesmo assim estes eventos animaram ainda mais os movimentos de rua pelo impeachment. Aí o plenário da Câmara acabou votando pela abertura do processo.

Mas se observarmos algumas sutilezas, é possível pensar que já em 2013 os partidos da então oposição de direita, os partidos da então base aliada conservadora, as associações empresariais e as grandes empresas de mídia já estavam fazendo conversas sobre a possibilidade de impeachment da Dilma e apoio a um governo tampão ultraconservador de Michel Temer. Um sinal de que isto já estava ocorrendo é que a campanha presidencial de Aécio Neves em 2014 foi muito ruim. Foi uma campanha que pregou apenas para os já convertidos. O único público alvo da propaganda foi quem já tinha certeza de que votaria nele. A campanha serviu para empolgar uma forte mobilização de grande parte da classe média para causas da direita, mas não serviu para ganhar eleição. As forças de direita investiram mais na eleição para o Legislativo. Nas três eleições anteriores, que o PT ganhou com folga no Executivo, duas com Lula e uma com Dilma, foi eleita uma maioria conservadora no Legislativo. Em 2014, Dilma ganhou apertado e a maioria conservadora no Legislativo foi ainda mais folgada, superando os dois terços.

O comportamento das grandes empresas de mídia durante a campanha eleitoral de 2014 também pareceu atípico. Durante as campanhas eleitorais de 2006 e 2010, as grandes empresas de mídia fizeram boca de urna para Alckmin e Serra respectivamente. Durante a campanha de 2014, houve uma surpreendente imparcialidade. Os aeroportos nas terras dos parentes de Aécio Neves tiveram destaque razoável. Na véspera do segundo turno, Dilma e Aécio estavam bem próximos segundo as pesquisas. Por causa disso, alguns petistas chegaram a pensar que o Jornal Nacional de sábado à noite tentaria uma última bala de prata contra a Dilma. Não aconteceu. Talvez porque a opção por Michel Temer em comparação com Aécio Neves/Aloysio Nunes já havia sido feita.

Outro indício de que uma mudança de governo por via não eleitoral já estava sendo pensada foi que o jornal O Globo publicou um editorial em 2013 dizendo que o apoio ao golpe de 1964 foi um erro. Antes tarde do que nunca. Mas por que só 39 anos depois? Por que justamente naquele momento? Bom, talvez porque o jornal já estava pensando em apoiar o afastamento da Dilma através de um processo de impeachment em um eventual segundo mandato. Alguns setores da sociedade certamente criticariam o processo, fazendo analogia com o que aconteceu em 1964. É certo que um impeachment é diferente de uma quartelada. Mas as analogias são inevitáveis. Tratam-se de uma transição de um governo cuja principal base de apoio está nos sindicatos e nos movimentos sociais para um governo cuja principal base de apoio está nas associações empresariais sem a realização de eleição. Talvez o jornal O Globo fez aquele editorial em 2013 para se proteger de possíveis críticas que utilizam a analogia.

A lei antiterrorismo foi outro indício que já estava sendo preparada uma guinada ultraconservadora no país e que este processo deveria ser protegido de manifestações populares. Foi a própria Dilma que preparou a lei antiterrorismo. Mas foi o senador Aloysio Nunes, líder do atual governo no Senado, que tornou a lei ainda mais dura. Nem o mais otimista entusiasta do afastamento da Dilma poderia imaginar que as manifestações contrárias a este processo seriam tão pequenas e inofensivas como realmente acabaram sendo. Pode ter ocorrido um preparativo maior para a repressão, esperando movimentos contestatórios bem mais fortes.

A tentativa da mídia de associar o Marcelo Freixo com os black bloc, falando que o irmão do cachorro do cunhado da sua tia tinha ligação com a Sininho. Um PT queimado seria uma oposição enfraquecida ao novo governo. Mas seria necessário ainda queimar outras possíveis forças de oposição.

Outra observação importante foi a mudança de posicionamento de formadores de opinião anti-PT sobre o PMDB, que ocorreu a partir de 2013. Até então, o discurso anti-PT vinha acompanhado de um discurso anti-PMDB, para parecer que se tratava de um discurso anticorrupção e não um discurso ideológico de direita. A partir de 2013, alguns formadores de opinião anti-PT já começaram a fazer discursos favoráveis ao PMDB. Talvez já preparando seus leitores a apoiar um futuro governo Temer. Algumas ressalvas, porém, são necessárias ser feitas sobre este indício. Talvez, formadores de opinião de direita podiam estar pensando também na necessidade de apoio do PMDB a um eventual governo Aécio. Questões locais também pesavam. Já estava evidente que o único candidato da direita para o governo do Rio de Janeiro seria o Pezão. Isto porque ou ganhava ele, ou ganhava os representantes do populismo evangélico (Crivella, Garotinho), ou os representantes da esquerda (Lindberg, Tarcísio). Em 2006 e 2010, Sérgio Cabral foi apoiado pelo lulismo e, Denise Frossard e Fernando Gabeira foram, respectivamente, os apoiados pela antiga oposição de direita. A grande aliança de partidos conservadores em torno do Pezão em 2014 foi quase idêntica à aliança de partidos do impeachment.

Mas por que as forças políticas de direita teriam feito uma opção de afastar a Dilma no meio de seu segundo mandato e apoiar o governo tampão de Michel Temer ao invés de investir na vitória de Aécio Neves em 2014? Resposta simples: por causa da curva em formato de J do aJuste. Explicando mais detalhadamente: em 2013, já era possível observar que inevitavelmente a economia brasileira teria que passar por um ajuste. A inflação já estava acima da meta e, além disso, estava reprimida, uma vez que preços de combustíveis, energia elétrica e dólar estavam represados. O superávit primário já estava se transformando em déficit primário. Mas até o final de 2014, os problemas da economia não tinham chegado às casas das pessoas comuns. O PIB estava estagnado, mas não estava em queda. O desemprego ainda estava em torno de 5%.

Qualquer governo que iniciasse em janeiro de 2015 iria fazer o ajuste, que teria início na liberação dos preços represados. Isto aumentaria a inflação, que já estava acima do centro da meta. Medidas recessivas, como o aumento da taxa de juros, seriam utilizadas para aumentar o desemprego, e, desta forma, reduzir a inflação. A redução do déficit primário seria a outra medida recessiva. Somente com a inflação na meta, a economia brasileira estaria pronta para retomar o crescimento. Ou seja, o ajuste tem um efeito na economia que lembra uma curva em formato de J: primeiro cai, para depois subir para uma situação acima da inicial.

Se o Aécio tivesse sido eleito, ele teria assumido com o PIB ainda antes da queda e com o desemprego ainda em torno dos 5%. Ou seja, ele teria assumido antes do início da descida no J. As pessoas sentiriam o desemprego e o declínio dos salários já no governo Aécio e lembrariam dos governos do PT como governos em que o emprego e a renda cresciam. A subida no J poderia ocorrer tarde demais, insuficiente para atingir a parte alta do J em 2018. Dessa forma, dificilmente Aécio seria reeleito ou elegeria um aliado. O eventual governo Aécio poderia se aproveitar do desenrolar da Lava Jato para acuar o PT, já na oposição. Por outro lado, o próprio Aécio foi citado por delatores, e isto poderia causar prejuízo a ele como presidente. O PMDB e o PP, também no epicentro da Lava Jato, seriam base aliada de Aécio e, portanto, a operação poderia causar alguma instabilidade.

Com Dilma ganhando, ela iria iniciaria o ajuste, como de fato iniciou, com Joaquim Levy e Nelson Barbosa. No curto segundo mandato da Dilma, os preços controlados foram liberados, a taxa de juros aumentou, a despesa federal foi reduzida. Como consequência, o PIB mergulhou e o desemprego aumentou bruscamente. O timing do impeachment seria o ponto mais baixo do J. Por causa do declínio até este ponto mais baixo, as pessoas sentiriam na pele a recessão, e, assim, pouquíssimas pessoas se esforçariam para salvar o governo Dilma. Aí o governo Michel Temer poderia pegar apenas a parte ascendente do J. Seus aliados nos meios de comunicação atribuiriam a subida no J exclusivamente às ações de seu governo. Seria fácil criar a seguinte narrativa: “o petê quebrou o Brasil, aí o governo PMDB/PSDB/DEM/mídia/empresários recuperou”. Esta narrativa impulsionaria uma longa hegemonia da direita na política brasileira.

Por que as forças de direita, que incluem os líderes dos partidos, as associações empresariais, os grandes grupos de mídia e os economistas da PUC-RJ e FGV-RJ querem dois anos e meio de governo Temer, e não a realização de uma eleição direta para decidir quem governa até dezembro de 2018? Muito provavelmente, se fosse realizada uma eleição presidencial direta em outubro de 2016, junto com as eleições municipais, um candidato não esquerdista seria eleito. Mas ainda assim, com o simples fato de haver disputa, o programa “Ponte para o Futuro” se tornaria inviável de ser implementado em sua totalidade. Mesmo em um segundo turno entre dois candidatos não esquerdistas como Geraldo Alckmin e Marina Silva, os dois desejariam ser um pouco mais populares na disputa. Se verifica, desta forma, as motivações antidemocráticas dos grupos que se mobilizaram pelo impeachment.

Como foi dito anteriormente, um ajuste era inevitável para qualquer governo. Mas o que o governo Temer está fazendo no momento não é ajuste, e sim uma redução de longo prazo do Estado Social, por motivação ideológica das forças que apoiam seu governo. Aproveita-se a temor justificado do aumento da dívida pública, da continuidade da crise econômica, como uma janela de oportunidade para impor um arrocho permanente, como é a PEC do teto da despesa federal por 20 anos. Nenhuma necessidade de ajuste do orçamento federal em 2016 justifica escrever na Constituição o quanto o governo gastar em 2030. Se as forças que apoiavam a derrubada de Dilma e a posse de Temer realmente estivessem preocupadas em combater o déficit orçamentário, apoiariam a retomada, ao menos temporária da CPFM, e de outros impostos, e não fariam oposição feroz a essas medidas.

O que deu errado em toda esta estratégia? Até hoje não chegamos ao ponto mais baixo do J.

Eu estou querendo defender que tenho certeza de que todo o script do impeachment já estava combinado passo a passo desde 2013? Não. Estou fazendo suposições baseadas em fatos. É perfeitamente possível que eventos de 2015 tenham acelerado o impeachment, mas que a possibilidade do impeachment tenha sido conversada já a partir de 2013.

Aliás, a possibilidade do impeachment pode ter sido pensada já em 2009, quando o PMDB definiu que só aceitaria entrar na coligação da Dilma na eleição de 2010 se o vice na chapa fosse o Michel Temer, o peemedebista mais próximo do PSDB. O PT não tinha entusiasmo por este nome, mas engoliu porque queria o tempo de televisão do PMDB. O cientista político Luís Felipe de Alencastro discutiu este risco em uma coluna escrita para a Folha ainda em 2009. Ele não mencionou explicitamente a palavra impeachment, mas deu a entender que estava falando disso.

Para concluir, é importante lembrar que 2013 foi um ano de muitas manifestações. As forças de esquerda, incluindo não apenas aquelas que faziam parte do governo Dilma, poderiam ter percebido que a água já estava batendo na bunda. Houve muitas manifestações organizadas por grupos de esquerda, mas as manifestações mais numerosas foram aquelas mobilizadas por grupos de direita. O governo Dilma e o PT já estavam sob muita contestação, e as críticas que mais mobilizavam não eram aquelas feitas por partidos ainda mais à esquerda, como o PSOL e o PSTU.

Fonte: Trincheiras.

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