Entrevista com Karl Marx sobre a I Internacional e a Comuna de Paris

 

Por Karl Marx, via Fundação Dinarco Reis*

Karl Marx (1818-1883) iniciou sua carreira como editor de um jornal da cidade de Colônia, na Alemanha, em 1840. Quando a publicação foi fechada pelo governo por razões políticas, Marx transferiu-se para Paris. Ali, seu destino como jornalista não foi muito diferente – o diário em que ele trabalhava também foi cassado. O filósofo e cientista político mudou-se então para Londres, onde escreveria sua grande obra, O Capital, editada pela pri­meira vez em 1867. O correspondente do jornal The Worldem Londres, R. Landor, realizou a entrevista em um momento crucial da história europeia – apenas dois meses depois de sua publicação, a Comuna de Paris, na qual Marx esteve envolvido seria violenta e sanguinariamente reprimida. A conversa entre Marx e Landor, segundo relatos da época, teve uma testemunha privilegiada: Friedrich Engels, o coautor do Manifesto Comunista, texto divisor de águas na história dos movimentos sociais.

Pediram-me para descobrir algo sobre a Associação Internacional dos Trabalhadores, e eu tentei. No momento, a tarefa é difícil. Londres é, sem dúvida, a sede da Associação, mas os ingleses estão assustados e sentem o cheiro da Internacional em tudo, assim como o rei James sentia cheiro de pólvora após a famosa conspiração. A cautela da Associação aumentou com a suspeita do público, e os seus líderes são pessoas que sabem guardar um segredo quando necessário. Visitei dois dirigentes, conversei com um deles livremente, e aqui está o resultado dessa conversa. Convenci-me de que a Associação é uma autêntica agremiação de trabalhadores, mas esses trabalhadores são liderados por teóricos políticos e sociais de outra classe. Um dos homens que encontrei, um líder do Conselho, estava sentado em sua bancada de trabalho durante a nossa entrevista e parava de falar comigo de vez em quando para receber uma reclamação, feita de maneira pouco cortês, de um dos muitos patrões que o empregavam. Vi aquele mesmo homem fazer discursos eloquentes e totalmente inspirados pelo ódio às classes dos que se denominavam seus governantes. Compreendi os discursos depois de entrar em contato com a vida pessoal do orador. Ele devia perceber que era inteligente o bastante para organizar um governo trabalhista e, mesmo assim, ali estava ele, obrigado a dedicar a vida à tarefa revoltante que é uma profissão mecânica. Era orgulhoso e sensível e, ainda assim, tinha que retribuir um resmungo com uma inclinação da cabeça ou com um sorriso, uma ordem, que, em uma escala de civilidade, encontrava-se no mesmo nível de um chamado que o caçador dirige ao próprio cão. Esse homem ajudou-me a entrar em contato com um dos lados da natureza da Internacional, a revolta do trabalho contra o capital, do trabalhador que produz contra o intermediário que usufrui. Nesta minha entrevista com o doutor Karl Marx, vi os punhos que atacariam quando necessário e também a mente que planeja.

O doutor Karl Marx é um alemão doutorado em filosofia com um amplo conhecimento derivado tanto da observação do mundo quanto dos livros. Devo concluir que ele nunca foi um trabalhador no sentido comum da palavra. Seu ambiente e aparência são os de um próspero homem de classe média. A sala de visitas, para a qual fui conduzido na noite da minha entrevista, poderia ser parte da casa confortável de um corretor de valores bem-sucedido que estivesse começando a enriquecer. Era o apartamento de um homem de bom gosto e de posses, mas sem nenhuma característica particular do seu dono. Um fino álbum com paisagens do Reno sobre a mesa, entretanto, era uma pista para a sua nacionalidade. Olhei com cautela dentro de um vaso sobre uma mesinha de canto, procuran­do por uma bomba. Esperava sentir cheiro de gasolina, mas o cheiro era de rosas. Voltei em silêncio para o meu lugar e, melancólico, esperei pelo pior.

Ele entrou, cumprimentou-me com cordialidade, e nós nos sentamos frente a frente. Sim, estou tête-à-tête com a encarnação da revolução, com o verdadeiro fundador e líder da Associação Internacional, com o autor do discurso no qual dizia que, se o capital lutava contra o trabalho, deveria estar preparado para ter sua própria casa queimada – em resumo, com o apologista da Comuna de Paris. Lembram-se do busto de Sócrates, o homem que preferiu morrer a dizer que acreditava nos deuses de sua época – o homem de perfil fino, cuja fronte terminava em um pequeno traço arrebitado, parecendo-se com um gancho dividido ao meio, que formava o nariz? Fixem-se nesse busto, mudem a cor da barba para o preto com alguns tufos grisalhos; coloquem essa cabeça sobre um tipo corpulen­to de estatura mediana e terão a imagem do doutor à minha frente. Coloque uma mantilha sobre a parte superior do rosto e poderá estar na companhia de um membro nato de um conselho paroquial. Descubra o traço essencial, as imensas sobran­celhas, e saberá imediatamente que o senhor está lidando com a mais formidável de todas as forças compostas – um sonhador que pensa e um pensador que sonha.

Um outro senhor acompanhava o doutor Marx, acho que também era um alemão, embora não pudesse afirmar com certeza devido a sua familiaridade com a nossa língua. Será que era uma testemunha a favor do doutor? Acho que sim. O “Conselho”, ao ouvir falar da entrevista, talvez o visitasse e pedisse explicações sobre a entrevista, pois a Revolução está acima de todas as atitudes suspeitas de seus agentes. Aquele outro senhor talvez fosse a testemunha de defesa.

Fui direto ao assunto. O mundo, disse eu, parecia não entender a Internaci­onal, odiando-a, mas incapaz de dizer com clareza do que sentia ódio. Alguns declararam ter visto nela uma cabeça de Jano com o sorriso honesto e franco de um trabalhador em um de seus rostos e, no outro, uma carranca assassina e cons­piradora. Ele poderia esclarecer o mistério em que estava imersa a teoria?

O professor riu, acho que divertiu-se um pouco ao pensar que sentíamos tanto medo dele. “Não há mistério nenhum para solucionar, caro senhor,” começou ele, em uma forma muito educada do dialeto de Hans Breitmann, “exceto, talvez, o mistério da ignorância humana naqueles que não sabem que nossa Associação é pública e tem os relatórios completos de seus procedimentos publicados para todos aqueles que estiverem interessados em lê-los. O senhor pode comprar o nosso estatuto por uma ninharia e, se gastar o mesmo em panfletos, saberá quase tanto sobre nós quanto nós mesmos sabemos.”

  1. Landor:Quase – é, talvez sim, mas o mais importante não seria justamente aquilo que permanecerá reservado, escondido? Para ser bastante franco e colocar o caso como ele se apresenta a um observador de fora, essa manifestação geral de desprezo pelos senhores deve significar mais do que o menosprezo ignorante da multidão.

E acho apropriado perguntar, mesmo depois do que o senhor me disse, o que é a Associação Internacional dos Trabalhadores?

Karl Marx: O senhor só precisa olhar para os indivíduos que fazem parte dela – os trabalhadores.

RL: É verdade, mas o soldado não precisa ser nenhum expoente da política que o coloca em ação. Conheço alguns dos membros da Associação e acredito que eles não sejam do tipo conspiratório. Além disso, um segredo compartilhado por milhões de homens não é um segredo. Mas e se eles fossem só instrumentos nas mãos de um grupo corajoso e, espero que o senhor me perdoe por acrescentar, pouco escrupuloso?

KM: Não há nada que prove isso.

RL: A última revolta de Paris?

KM: Primeiro, exijo provas de que houve uma conspiração – de que algum acontecimento não tenha sido efeito legítimo das circunstâncias do momento, ou, caso a conspiração seja admitida, exijo provas da participação da Associação Internacional.

RL: A presença na Comuna de tantos membros da Associação.

KM: Sendo assim, ela também foi uma conspiração dos maçons, já que a participação individual deles não foi pequena. Não ficaria nem um pouco sur­preso se o papa os culpasse por toda a revolta. Mas tente outra explicação. A revolta de Paris foi feita pelos trabalhadores parisienses. Os trabalhadores mais capazes devem ter sido os líderes e administradores, mas, por acaso, os trabalha­dores mais capazes também são membros da Associação Internacional. No entanto a Associação não pode de jeito nenhum ser responsabilizada pela ação desses membros.

RL: A opinião pública pensa o contrário. As pessoas falam em instruções secretas de Londres e até em doações em dinheiro. Pode-se afirmar que a alegada transparência das atas da Associação exclui todas as comunicações secretas?

KM: Que associação formada até então levou adiante seu trabalho sem atividades públicas e particulares? Mas falar em instruções secretas de Londres, bem como de decretos relativos à fé e à moral de algum centro de conspiração e dominação papal, só serve para a formação de um conceito errôneo da natureza da Internacional. Isso implicaria uma forma centralizada de governo da Internacional, quando a forma real é intencionalmente aquela que deixa a ação a cargo da independência e da energia locais. Na verdade, a Internacional não é propriamente um governo para as classes trabalhadoras. Ela é um elo de união, não uma força controladora.

RL: E que propósitos tem essa união?

KM: A emancipação econômica da classe trabalhadora pela conquista do poder político. O uso desse poder político para fins sociais. Assim, é necessário que nossas metas sejam abrangentes para que incluam todas as formas de atividades exercidas pela classe trabalhadora. Restringi-las seria adaptá-las às necessidades de apenas um grupo – apenas uma nação de trabalhadores. Mas como pedir que todos os homens se unam para atingir os objetivos de uns poucos? Se assim o fizesse, a Associação perderia seu título de Internacional. A Associação não determina a forma dos movimentos políticos; só exige uma garantia no que diz respeito aos objetivos desses movimentos. Ela é uma rede de sociedades afiliadas, espalhadas por todo o mundo trabalhista. Em cada parte do mundo, surge um aspecto particular do problema, e os trabalhadores locais tratam desse aspecto à maneira deles. As associações de trabalhadores não podem ser idênticas em Newcastle e em Barcelona, em Londres e em Berlim. Na Inglaterra, por exemplo, a maneira de demonstrar poder político é óbvia para a classe trabalhadora. A rebelião seria uma loucura enquanto a agitação pacífica seria uma solução rápida e certa para o problema. Na França, uma centena de leis de repressão e um antagonismo moral entre as classes parece precisar de uma solução violenta para a luta social. A escolha dessa solução é um assunto das classes trabalhadoras daquele país. A Internacional não pretende aconselhar ou tomar decisões a respeito do assunto. Mas, para cada movimento, ela concede auxílio e solidariedade dentro dos limites designados por suas próprias leis.

RL: E qual é a natureza desse auxílio?

KM: Para dar-lhe um exemplo, uma das formas mais comuns de movimento pela emancipação são as greves. Antes, quando havia uma greve em um país, ela era derrotada pela importação de trabalhadores estrangeiros. A Internacional quase conseguiu fazer com que isso parasse. Ela recebe informações antecipadas da greve, difunde essas informações entre seus membros que, imediatamente, decidem não tomar parte naquele movimento. Assim os patrões sozinhos têm que ajustar contas com os seus homens. Em muitos casos, esses homens não necessitam de nenhum outro auxílio. As suas próprias contribuições para as socie­dades a que estão diretamente afiliados fornecem os fundos necessários, mas se a pressão sobre eles tomar-se muito grande e a Associação aprovar a greve, as ne­cessidades serão supridas pelos fundos comuns. Com esses métodos, outro dia, uma greve dos trabalhadores da indústria de charutos de Barcelona foi vitoriosa. Mas a sociedade não tem interesse em greves, embora as apoie sob certas condições. Ela não ganha nada com essas greves do ponto de vista pecuniário, mas pode perder com facilidade. Vamos resumir tudo em poucas palavras. As classes trabalhadoras permanecem pobres em meio ao aumento da riqueza e do luxo. As privações materiais que sofrem diminuem tanto o ânimo quanto a estatura física desses trabalhadores. Eles não podem depender de mais ninguém. Assim, resolver seu próprio problema tomou-se para eles uma necessidade imperativa. Eles têm que rever as relações que têm com os capitalistas e os proprietários de terras, e isso quer dizer que eles precisam transformar a sociedade. Esse é o objetivo geral de qualquer organização de trabalhadores conhecida; ligas trabalhistas e rurais, sociedades comerciais e recreativas, produção e venda cooperativa não são nada mais do que meios de atingir tal objetivo. Estabelecer uma solidariedade perfeita entre essas organizações é o trabalho da Associação Internacional. Sua influência começa a ser sentida em toda parte. Dois jornais difundem seus pontos de vista na Espanha, três na Alemanha, três na Áustria e na Holanda, seis na Bélgica e seis na Suíça. Agora que expliquei-lhe o que é a Internacional, talvez o senhor esteja preparado para formar a sua própria opinião a respeito das nossas supos­tas conspirações.

RL: Eu não entendi muito bem o senhor.

KM: O senhor não entende que a velha sociedade, em busca de força para enfrentar a Internacional e com as armas do debate e da associação características desta, é obrigada a recorrer à fraude de uma acusação de conspiração?

RL: Mas a polícia francesa declarou estar em condições de provar a cumplicidade da Associação nos últimos acontecimentos, para não falar naqueles que os precederam.

KM: Vamos dizer-lhe uma coisa sobre aqueles atentados, se o senhor nos permitir, porque ela servirá para melhor atestar a gravidade de todas as acusa­ções de conspiração levantadas contra a Internacional. O senhor lembra-se da penúltima “conspiração”. Havia sido anunciado um plebiscito. Muitos eleitores estavam hesitantes. Eles já não tinham mais um forte senso do valor do governo imperial, passando a não mais acreditar naqueles perigos ameaçadores da socie­dade dos quais tal governo os tinha salvo. Era necessário um novo bicho-papão. A polícia encarregou-se de encontrar um. Como todas as associações de trabalhadores odiavam a polícia, eles naturalmente queriam desforrar-se da Internacional. Então tiveram uma ideia. E se eles escolhessem a Internacional como bicho-papão e assim desacreditassem a associação e agradassem a causa imperial? Daquela ideia surgiu a ridícula “conspiração” contra a vida do imperador – como se nós quiséssemos matar o pobre velho. Eles prenderam os líderes da Internacional. Fabricaram provas. Prepararam o caso para levar ao tribunal e, nesse meio tempo, fizeram o plebiscito. Mas era óbvio que a comédia encenada não passava de uma farsa grosseira. Os europeus inteligentes, que assistiram ao espetáculo, não foram enganados nem por um minuto; só os eleitores camponeses franceses foram feitos de tolos. Os seus jornais ingleses noticiaram o início do infeliz incidente; esqueceram de noticiar o fim. Os juízes franceses, admitindo a existência da conspi­ração por cortesia oficial, foram obrigados a declarar que nada provava a cumplicidade da Internacional. Acredite-me, a segunda conspiração é igual à primeira. Os burocratas do governo francês estão em ação mais uma vez. Foram chamados a prestar contas pelo maior movimento civil que o mundo já viu. Uma centena de sinais dos tempos deveria apontar para a explicação certa – a conscientização crescente dos trabalhadores, o aumento do luxo e da incompetência dos seus governantes, o processo histórico, que acontece no momento, de transferência de poder de uma classe para o povo, a aparente conveniência da hora, do lugar e das circunstâncias para o grande movimento de emancipação. Mas para ver isso o burocrata precisa ser um filósofo, e ele é apenas um mouchard. Devido à sua natureza, portanto, ele foi obrigado a recorrer à explicação de um mouchard uma “conspiração”. A sua velha pasta de documentos forjados fornecerá as provas, e, desta vez, a Europa, com seus medos, acreditará na estória.

RL: Será difícil para a Europa evitar essa impressão, vendo todos os jornais franceses espalharem a notícia.

KM: Todos os jornais franceses! Veja, aqui está um deles (pegando um exemplar do La Situation) e julgue o senhor mesmo o valor das evidências. (Lê) “O doutor Karl Marx, da Internacional, foi preso na Bélgica, tentando abrir caminho para a França. A polícia de Londres já vem observando a associação a que ele está ligado e, no momento, está tomando providências para acabar com ela.” Duas frases e duas mentiras. O senhor pode comprovar as evidências com os seus próprios olhos. Como vê, ao invés de estar preso na Bélgica, estou em casa na Inglaterra. O senhor também deve saber que a polícia da Inglaterra não tem poderes para interferir na Associação Internacional, assim como a Associação não pode interferir na polícia. Ainda assim, o pior nisso tudo é que a notícia continuará a se espalhar através da imprensa do continente sem um desmentido, e não mudaria mesmo que, de onde estou, eu avisasse a todos os jornais da Europa.

RL: O senhor tentou contradizer muitas dessas falsas notícias?

KM: Tentei até me cansar. Para mostrar-lhe o quanto eles são descuidados com o que tramam, posso mencionar que vi, em um desses jornais, Félix Pyat ser considerado um membro da Internacional.

RL: E ele não é?

KM: A Associação não teria espaço para um homem tão louco. Certa vez, ele foi atrevido a ponto de publicar uma declaração ousada em nosso nome, mas ela foi desmentida imediatamente, embora, como era de se esperar, a imprensa, é claro, tenha ignorado o desmentido.

RL: E Mazzini, ele é membro da associação?

KM: (Rindo) Não. Não teríamos feito muitos progressos se não tivéssemos ido além de suas ideias.

RL: Fico surpreso. Pensei que ele fosse representante das ideias mais avançadas.

KM: Ele não representa nada além das velhas ideias de uma república de classe média. Não buscamos uma associação com a classe média. Ele está tão atrasado em relação ao movimento moderno quanto os mestres alemães que, no entanto, ainda são considerados os apóstolos do democratismo, culto do futuro na Europa. Eles já o foram no passado – antes de 1848, talvez, quando a classe média alemã, no sentido inglês da expressão, ainda estava longe de atingir o desenvolvimento apropriado. Mas agora eles passaram em massa para o lado da reação, e o proletariado não os reconhece mais.

RL: Algumas pessoas dizem ter visto sinais de um elemento positi­vista na sua organização.

KM: Não é verdade. Há positivistas entre nós, e há outros que não pertencem à organização mas também trabalham. Mas isso não se deve à filosofia deles que não tem nenhuma relação com os governos populares, como nós os entendemos, e que busca apenas uma nova hierarquia para substituir a antiga.

RL: Parece que os líderes do novo movimento internacional tiveram que criar não apenas uma associação mas também uma filosofia.

KM: Exato. Seria bastante improvável, por exemplo, que nós esperássemos ganhar essa guerra contra o capital se baseássemos nossas táticas, digamos, na economia política de Mill. Ele traçou um tipo de relação entre o trabalho e o capital. Esperamos demonstrar que é possível estabelecer uma outra relação.

RL: E no que diz respeito à religião?

KM: Nesse assunto, eu não posso falar em nome da Associação. Eu pessoalmente sou ateu. É, sem dúvida, chocante ouvir uma confissão dessas na Inglaterra, mas é um consolo saber que ela não precisa ser sussurrada na Alemanha ou na França.

RL: E mesmo assim o senhor estabeleceu seu quartel-general neste país?

KM: Por razões óbvias; aqui, o direito a associação é algo estabelecido. Na verdade, ele existe na Alemanha, mas é cerceado por inúmeras dificuldades; na França, ele não existe há muitos anos.

RL: E nos Estados Unidos?

KM: Os mais importantes centros das nossas atividades atualmente es­tão entre as velhas sociedades da Europa. Muitas circunstâncias têm, até então, evitado que o problema trabalhista assuma grande importância nos Estados Uni­dos. Mas elas estão desaparecendo com rapidez, e o problema está vindo à tona com o crescimento, como na Europa, de uma classe trabalhadora diferente do resto da comunidade e divorciada do capital.

RL: Parece que, neste país, a solução tão esperada, seja ela qual for, será obtida sem que se recorra à revolução. O sistema inglês de agitação através dos comícios e da imprensa, até que as minorias se transformem em maiorias, é um bom sinal.

KM: Não sou tão otimista quanto o senhor nesse ponto. A classe média inglesa tem se mostrado inclinada a aceitar o veredito da maioria desde que conquistou o monopólio do poder de voto. Mas preste atenção, assim que ela perder uma votação em um assunto que considerar vital, nós veremos aqui uma nova guerra de proprietários de escravos.

RL: Relato aqui da melhor maneira possível os assuntos que foram aborda­dos durante a minha conversa com esse homem extraordinário. Deixo para que os senhores tirem suas próprias conclusões. Seja lá o que for dito a favor ou contra a probabilidade de sua cumplicidade com o movimento da Comuna, podemos ter certeza de que, no centro da Associação Internacional, o mundo civilizado tem um novo poder com o qual ele terá, em breve, que ajustar con­tas, para o bem ou para o mal.

* ALTMAN, Fábio (org.). A arte da entrevista: uma antologia de 1823 aos nossos dias. São Paulo: Scritta, 1995.

 

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