Por Fernando Guifer.*
Embora indispensável e de suma importância à sociedade, o jornalismo trabalha com o retrógrado e presunçoso vício do “posso tudo e, se não puder, grito logo que é censura” ou “não erro e vivo acima de qualquer humanidade, então, quem são vocês para dizer o que devo ou não fazer?”.
Amigo jornalista, você fica tão preocupado em escrever bem, em não deixar faltar aquela crase, em aplicar corretamente os ‘porques’ ou em corrigir a gramática/ortografia do coleguinha, que se esquece de fazer o trabalho conforme jurou na formatura.
“ATENÇÃO: IMAGENS FORTES”
É esse tipo de chamada que lemos sempre que um veículo publica algo impublicável, de utilidade pública ou relevância jornalística zero, mas que opta por não abortar o material por que necessita de likes para sobreviver.
Sim, caros leitores. Já há algum tempo existe uma prática abominável nos – grandes – veículos de comunicação que é a tal da ‘meta por clique’, e isso corrompe totalmente o conceito da profissão e, principalmente, daqueles que estudaram anos e, agora, para colocar comida na mesa, precisam se tornar vendedores ao invés de jornalistas confiáveis.
E é exatamente nesse ponto em que a credibilidade vai para o ralo e os bons pagam pelos maus, já que não se hesita upar títulos sensacionalistas, imagens de corpos dilacerados, vídeos de conteúdo agressivo e/ou textos sem a real preocupação em informar com qualidade.
Funciona (aparentemente) meio que assim ó: Não importa o conteúdo. Se o leitor clica e o anunciante paga, eu ganho. Então, objetivo atingido!
Desculpe, mas isso NUNCA foi e JAMAIS será jornalismo.
CHAPECOENSE
No caso específico e horrendo da Chapecoense, para exibir imagens do resgate e local do acidente, o que vemos é essa tal frase ‘Atenção: imagens fortes’, utilizada como espécie de álibi/desencargo de consciência do tipo: “eu avisei, caro leitor. Abriu porque quis”.
A questão principal é: se a imagem é forte, porquê mostrar? No que isso acrescentará de novo à informação ou à credibilidade da notícia? O leitor precisa ver corpos mutilados para acreditar que o avião caiu e com isso ficar sensibilizado?
Não. E isso é um grande absurdo, principalmente quando analisamos o histórico e chegamos à conclusão de que não se trata de erro, e sim, uma infeliz prática cultural desse “jornalismo” que respira com ajuda de aparelhos.
O acidente com a Chapecoense não é o primeiro a ser tratado como publicidade pelos jornais, e certamente não será o último. Desde as primeiras notícias da tragédia, na manhã do dia 29 de novembro, tem sido impossível ficar calado diante de uma cobertura tão absurda da maioria dos colegas de profissão.
Óbvio que não dá para ser injusto e generalizar, vendo que muitos bons (e humanos) jornalistas e veículos também buscaram honrar nossa relevante profissão. Mas, parte dos mal-intencionados ainda é maioria, e infelizmente dominam os grandes conglomerados de transmissão.
Além da divulgação de fotos desnecessárias, tudo o que se viu ao longo das últimas horas foi sequência de equívocos, como, por exemplo, o anúncio aleatório da lista de mortos (sem que oficialmente algo fosse liberado pelas autoridades colombianas).
Entre os casos mais graves, está o do goleiro Danilo, que morreu e ressuscitou diversas vezes pelos microfones da imprensa brasileira. Uma vergonha para os que prezam pela verdade e se preocupam com a família do ser humano que faleceu.
Inclusive… cadê a empatia, amigo jornalista? Poderia ser teu filho ou tua mãe ali. Todos querem dar o tal furo primeiro e, com isso, dane-se o jornalismo, dane-se as famílias, dane-se a população que clama em oração para que as notícias sejam boas.
Ah, e como se toda desgraça ainda fosse pouca, perdemos 20 colegas de profissão nesse acidente.
Então pergunto a quem estiver imerso nessa cobertura: Você tem feito um trabalho respeitoso com relação à memória de seu companheiro que se foi? Está satisfeito com a cobertura que você ou seu veículo tem realizado? Teus filhos e teus pais estão orgulhosos de você?
Antes de darmos “enter” para publicar qualquer coisa, devemos colocar a mão na consciência e refletir que poderia ser qualquer um de nós ou alguém que amamos profundamente. Não podemos nos esquecer dos valores que aprendemos na infância e, mais do que isso, lembrar sempre de que ESTAMOS jornalistas, mas SOMOS antes de tudo humanos.
Em suma: faça jornalismo, e só!
Apure e notifique somente depois de confirmada a tal informação;
Reporte com imparcialidade e pluralidade;
Erre e reconheça o erro – procurando evoluir na próxima;
Coloque-se na condição de servidor público e não de autoridade privada.
Jornalista (aprenda): você existe para servir.
E se isso não condiz com seu ego ou com aquilo que escolheu para sua vida, não tem problema, é uma escolha que será respeitada. Apenas faça um favor à sociedade largando esse trabalho, pois você ajudará indiretamente na reconstrução de uma credibilidade que tem se esvaído dia após dia por quem não está comprometido com a verdade.
Essa coisa da liberdade de imprensa tem é gerado mais libertinagem de imprensa, isso sim. Visto que mesmo após 31 anos, o brasileiro (e o jornalismo do país) ainda não aprendeu a lidar com a democracia – e desde sempre vem sentindo uma dificuldade imensa em acertar o tom dos discursos que dissertou durante esse período pós-ditadura.
Chega de levantar a bandeirinha de que se é o “quarto poder”. Bora trabalhar honestamente. Desde que esse tipo de termo foi criado, o que se presencia no jornalismo é uma espécie de abuso de autoridade por ele achar que deve estar imune às críticas, e com isso aproveita sua arma (microfone) para utilizar argumentos persuasivos e influenciar a sociedade para que esta aplauda qualquer lixo publicado – indo, vez ou outra, maciçamente contra fizer criticas.
Importante o jornalista e os que mandam na comunicação do país entenderem cada dia mais que a população se tornou grande cabeça pensante, que não engole mais qualquer produto ou notícia sem fazer seus adendos ou apontar o dedo questionador.
Então, não há nada oculto que não venha a ser revelado, e logo se descobre os eventuais desvios de conduta nas matérias, gerando julgamentos públicos que são compartilhados em uníssono.
Antigamente o leitor que desejava opinar sobre o jornal ou revista precisava enviar carta à redação para, no mês seguinte, tê-la publicada. No entanto, as cartas eram escolhidas a dedo, ou seja, publicava-se aquilo que convinha e não o que necessariamente deveria ser publicado (o que denotava claramente censura ao consumidor, esta que o jornalista prega tanto ser contra).
Ganhar dinheiro não é pecado e é mais do que necessário encontrar mecanismos que façam o negócio ser rentável. Mas o segmento noticioso é diferente e requer, acima de tudo, humanidade, para não ser conduzido de jeito amador ou como empresa que vende biscoitos.
MAS, OLHA. A REALIDADE É QUE…
O tempo passa e essa profissão regride na mesma velocidade em que a tecnologia avança, afinal, criou-se zona de conforto em torno do impresso, que impede o digital de se desenvolver com qualidade – mesmo que tenhamos nas mãos todas as ferramentas para alcançar um sucesso superior ao que o papel já nos proporcionou um dia.
Embora indiscutível, a inteligência dos profissionais que comandam os veículos de comunicação parece ainda não ter sido suficiente para que parte deles volte sua mente para 2016 ao invés de continuarem estagnados lá nas décadas de 80/90.
Aliás, 2016 não. O comunicador-empreendedor deve estar à frente de seu tempo, se preparando, inclusive, de forma sustentável, para buscar (quem sabe) a reinvenção da notícia no próprio papel e então concretizar esse meio como sendo tão imortal quanto o livro, por exemplo.
Mas diretores, gerentes e editores mal conseguem entender direito qual seu público-alvo, imagina prever, criar e inovar alguma coisa?
Realidade atual lamentavelmente utópica.
Em nome do jornalismo, desculpe!
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(*) Autor do livro “Diamante no acrílico: entre a vida e o melhor dela” – que conta a história de luta, superação e milagre de sua filha que nasceu prematura e passou 80 dias na UTI -, Fernando Guifer é papai coruja da Laís, aluno da vida e atua como jornalista desde 2005.
Fonte: Comunique-se.