“O Capitalismo é uma grande tragédia. Faz com que algumas perdas sejam mais importantes que as outras”

Por Claudia Weinman, para Desacato. info. 

É triste você chegar em qualquer local em uma das cidades do Oeste e do Extremo-oeste Catarinense neste dia 29 de novembro de 2016, marcado pela morte de tantas pessoas em um único instante. O time da Chapecoense, mais divulgado pela imprensa, decolou com 48 pessoas para Medellín (Colômbia), no avião que caiu e resultou na tragédia. O time disputaria a primeira partida da final da Copa Sul-Americana, contra o Atlético Nacional, na quarta-feira, dia 30. Morreram jornalistas de diversos veículos de comunicação, também trabalhadores e trabalhadoras da empresa de avião. Perderam a vida nessa tragédia 76 pessoas. Ao todo, eram 81 pessoas no voo.

Dói. Certamente. Desde cedo, o Portal Desacato quando soube da tragédia, procurou averiguar as notícias, fomos informando aos poucos, tomando todo cuidado para não expor as vítimas por meio de imagens desnecessárias e poupando as famílias de qualquer absurdo que costumeiramente a mídia se propõe a fazer, como prática de seu espetáculo.

O dia demorou a passar hoje. Foram muitas homenagens e serão outras tantas até que o coração de quem sofreu a perda sinta-se mais acalentado. Agora pela noite, com mais sofrimento, sem dúvida, pois as notícias muitas vezes não nos deixam respirar e nem mesmo pensar por nós mesmos sobre a realidade, vamos sentindo a necessidade de fazer uma análise mais profunda disso tudo, dolorida talvez, mas importante.

Conhecemos bem a dor da perda. Ela destrói a gente por dentro e por fora quando não temos um abrigo. Perdemos muitos/as irmãos/as nessa vida. Hoje mesmo, a família do menino Eduardo de Jesus Ferreira, morto de forma brutal por policiais no Complexo do Alemão pediu Justiça mais uma vez, publicamente. Ele certamente é um de nós.

No sábado pela manhã, o indígena Tupinambá Luiz Viana Lima, de 54 anos de idade, conhecido como “Luizão Tupinambá”, foi assassinado no Sul da Bahia, com pelo menos sete tiros. Ele é certamente um de nós. Faz parte dos incontáveis indígenas, negros/as, caboclos/as que tiveram a vida dilacerada quando o poderoso ‘homem branco’ resolveu que esse território todo seria dele a qualquer custo. Imagine quanta mulher perdeu o marido, quando marido perdeu a companheira de vida, quanta criança ficou sem amparo, quantos irmãos/as foram separados/as, quanto sofrimento isso ocasiona até hoje.

Fiquei imaginando como seria se Chapecó/SC, localizado no Sul brasileiro, tivesse se tornado parte de um país sozinho, se o Sul fosse um país separado do Brasil, envolto em uma ilha, totalmente isolada. A dor certamente seria maior”.

O que nos protegeu neste dia de tempestade, diante da tragédia com a equipe Chapecoense, foi saber que na Colômbia, que no Brasil e na América Latina inteira, muita gente enviou solidariedade. Cheguei a pensar como seria se Chapecó/SC, localizado no Sul brasileiro, tivesse se tornado parte de um país sozinho, se o Sul fosse um país separado do Brasil, envolto em uma ilha, totalmente isolada. A dor certamente seria maior. Assim, temos a oportunidade de receber o carinho de cada povo que demonstra solidariedade com o sofrimento das diferenças.

Com esse sofrimento todo que sentimos, principalmente porque essas pessoas que faleceram eram conhecidas próximas da gente, vemos uma cidade de Chapecó silenciosa por fora, gritante por dentro, buscando respostas para tudo isso. Me faz lembrar, do menino Vitor Kaingang. Ele tinha dois anos quando lhe foi tirada a vida em uma rodoviária no final do ano passado. Os pais, moram na aldeia Toldo Chimbangue, em Chapecó/SC. Sempre trabalhando muito, sonhavam com aquele final de ano em que Vitor teria mais condições de ser feliz, porque venderiam mais seus produtos/artesanatos e conseguiriam comer melhor, vestir Vitor da maneira que lhes fosse agradável, mas infelizmente, o sonho foi interrompido. Certamente, Vitor é um de nós. A família sofre até hoje. Ocuparam as ruas, fizeram caminhada pedindo Justiça, mas enfim, a maior parte da sociedade se omitiu diante da tragédia e não quis saber do luto. Nem mesmo as autoridades se pronunciaram. Nem uma palavra de Justiça veio de “cima”. Não era do interesse.

“O sonho acabou”?

A gente começa a pensar mais detalhadamente quando essas tragédias acontecem e levam fisicamente as pessoas que amamos. Vejo colegas Jornalistas nominados como vítimas dessa tragédia na Colômbia. Também eram trabalhadores em função, seres humanos, muitos dos quais, explorados por suas empresas e quando tiveram a oportunidade de participar de um momento tão importante para o Esporte do Estado, perderam a vida. Dói muito saber disso não é mesmo. Entendemos essa dor. Também já perdemos muitos/as periodistas que foram vítimas de balas perdidas enquanto registravam denúncias, outros que foram ameaçados e mortos como ‘queima de arquivo’. Sabemos bem como é isso, quando você combate com as palavras e alguém te derrota com uma bala no peito. Injusto, sem dúvidas.

Mas hoje, quando ouvi uma frase postada em uma rede social, dizendo que o “Sonho acabou”, e entregando tudo para “Deus”, precisei pensar mais a fundo. Não se abandona a vida e o sofrimento para alguém ou algo como queiram crer, desacreditando em tudo que precisamos construir ainda, mesmo diante de tamanha dor. Também vi fotos do “Desbravador” da cidade de Chapecó/SC, um dos maiores exploradores da história do interior do estado catarinense, onde pedia-se que protegesse a cidade e as famílias.

Entendemos a dor. Já perdemos muitos e muitas e cada dia o sofrimento não cessa, porque todo dia vem uma notícia dizendo que mais um negro/a, mais um indígena foi morto, mais um branco foi ameaçado, mais uma mulher foi agredida, mais um quilombola foi expulso da sua terra, mais uma barragem foi construída para gerar riqueza aos donos do Capital deixando milhares de Sem Terras.

Somos Socialistas, sentimos, respiramos, vivemos, amamos, sofremos. Não desejamos a morte de ninguém, não consideramos que uma morte deva ser mais divulgada que a outra e por isso, consideramos o sistema Capitalista uma verdadeira Tragédia.

Uma catástrofe que provoca dor, que faz a sociedade acreditar que uma pessoa é melhor que a outra, que uma perda é mais importante que a outra. Na mesma madrugada que o interior do Estado perde esses meninos sonhadores, famílias inteiras de Medellín foram arrasadas pela enxurrada. O mesmo Brasil que registra em seus canais de televisão o dia de hoje, não retratou o luto das famílias no crime ocasionado pela empresa Samarco em Mariana (MG), nesse caso, foram muitas mortes também registradas, de pessoas, de rios, da natureza, da vida como um todo. O mesmo país que recebeu solidariedade da América Latina inteira e fora dela também, ‘esqueceu-se’ de falar nas suas redes sobre seus irmãos/as Latinoamericanos e seus sofrimentos, não falou sobre as crianças, famílias palestinas mortas todos os dias, nos conflitos gerados por essa sociedade do dinheiro.

O Capitalismo é a grande tragédia na nossa vida. Perdemos quem amamos por conta do seu sistema de ganância, temos que ver nossos irmãos/as passando fome e não conseguimos alimentar todos/as, conhecemos milhares de meninos e meninas que sonhavam com outra vida mas tiveram que fazer a ‘opção’ de submeter-se a outros trabalhos porque alimentar a família era urgente.

O Capitalismo é essa tragédia sim. O interior do estado está em profunda comoção com a morte de tanta gente em um único voo. Pessoas que deixam família, que não vão poder ver seus filhos e filhas crescendo. Dói, certamente, assim como dói ver e sentir que a Justiça não está sendo feita para tantos/as irmãos/as, como se ninguém mais no mundo sofresse a perda de alguém especial, querido. O Capitalismo precisa ser derrotado e essa continuará sendo a nossa luta todos os dias. Ele provoca dor, guerras, separa os povos, idolatra heróis e ignora o sofrimento de milhares de povos no mundo inteiro.

Na recente votação da PEC 55/2016, Capitalistas serão responsáveis por ceifar muitas vidas, já provaram isso, quando colocaram a Polícia Militar para reprimir jovens, meninas e meninos que lutam pela dignidade coletiva nesse mesmo dia 29 de novembro. Um verdadeiro absurdo. Uma tragédia ocasionada por essa sociedade Capitalista. Por isso também, nosso coração aqui no interior está em dor sim, agora mais ainda.

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