Por Renato Santana.
Os Pataxó vivem sob uma ofensiva de reintegrações de posse articulada pelo mercado imobiliário, no litoral baiano. Menos de um mês depois do despejo de 30 famílias da aldeia Aratikum, a Justiça Federal de Eunápolis determinou o uso de força policial para retirar 500 famílias das aldeias Morapé 1 e 2, Nova Coroa, Tapororoca, Txica Mayruá e Novos. A decisão é de 25 de outubro, mas a Fundação Nacional do Índio (Funai) só foi comunicada na última terça-feira.
Assista: Despejo da aldeia Aratikum (Desinformémonos)
As seis aldeias ocupam 3 mil hectares dos 5 mil reivindicados pelo povo Pataxó como parte da revisão de limites da Terra Indígena Coroa Vermelha, entre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro. Com uma população de 1.546 indígenas, conforme censo do povo, vivendo em 1.493 hectares, a demarcação deixou de fora a demanda territorial que aguarda a publicação do relatório circunstanciado pelo Ministério da Justiça.
Na última semana, os Pataxó realizaram manifestações em Cabrália e Porto Seguro, além de trancar alguns trechos da BR-367, que liga os dois municípios. Em Brasília e Salvador, lideranças do povo estiveram com representantes dos governos federal e estadual. As pressões surtiram efeito e o despejo marcado para o dia 11 não ocorreu. Na sexta-feira, 18, uma mesa de diálogo com os autores do pedido de despejo deverá acontecer.
“Fomos surpreendidos porque essa mesa de diálogo, mediada pela Justiça Federal, foi marcada antes da decisão de reintegração. O juiz titular da comarca de Eunápolis saiu de férias, e ele estava acompanhado a situação, e o juiz substituto deu o despejo”, explica o presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, cacique Aruã Pataxó.
Tal como na reintegração imposta aos Pataxó da aldeia Aratikum, os autores do pedido de despejo são ligados ao setor imobiliário. A empresa Gois Cohabita alega ser proprietária da área ocupada pelas seis aldeias da Terra Indígena Coroa Vermelha. Depois da passagem da seleção da Alemanha pela região na Copa do Mundo de 2014, o mercado imobiliário foi insuflado visando a construção de grandes empreendimentos turísticos.
“O que pedimos à Funai e ao Ministério da Justiça é que publiquem o relatório de demarcação porque a morosidade traz insegurança jurídica e permite todas essas reintegrações. São famílias que vivem de forma plena em terras tradicionais, e que de repente estão com a polícia em suas portas mandando que elas saiam. A Funai nos informou que até o relatório fundiário já está pronto”, diz cacique Aruã.
Conforme o Banco de Terras do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), atualizado semanalmente, na Bahia existem 34 terras indígenas: dez encontram-se com o procedimento demarcatório inconcluso, parado em alguma etapa, e sete estão sem nenhuma providência administrativa de demarcação. Outras dez estão registradas, última etapa do processo, seis reservadas (adquiridas pelo governo) e uma dominial.
Vida plena
A aldeia Nova Coroa possui escola, água encanada, atendimento de saúde e recebe recursos assistenciais diversos do governo federal. O que possibilitou, ao lado das práticas tradicionais do povo, como a agricultura e a pesca, uma vida plena durante os dez anos em que os Pataxó retomaram a área. Assim ocorre com as outras cinco aldeias, estabelecidas também durante a última década.
Cacique Aruã Pataxó ressalta que os 5 mil hectares reivindicados na revisão sempre foram compreendidos pelos indígenas como tradicional. “Está no relato de nossos antigos, faz parte da gente”. Para a liderança, se deseja retirar 500 famílias de uma condição digna e tradicional de vida para lançá-las no confinamento da porção registrada da Terra Indígena Coroa Vermelha ou para as margens da BR-367.
“Vemos um país totalmente dominado pela elite. As bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia atuam no Congresso Nacional diretamente para desfazer direitos fundamentais. Aliado a isso temos o sucateamento da Funai, que vai piorar ainda mais com a PEC 241 (agora 55 no Senado Federal) de congelamento dos gastos primários. Temos um cenário de perigo aos direitos constitucionais dos povos indígenas”, analisa cacique Aruã.
Fonte: CIMI.