Por Luiz Felipe Albuquerque.*
Era 6 de janeiro de 2003 quando a camponesa Petrona Talavera, moradora da cidade de Lira, no estado de Itapúa, no Paraguai, pediu para seu filho Silvino ir comprar carne no mercado mais próximo para completar a mistura do almoço da família.
Ao retornar à casa, Silvino teve a infelicidade de cruzar com um trator que despejava quilos e quilos de agrotóxicos na plantação de soja que cerca os 5 hectares de terra de Petrona. Uma brisa forte levou uma enxurrada do veneno agrícola para cima de Silvino.
Ao chegar em casa com a carne, Petrona preparou o almoço, dando de comer aos 10 filhos. Bastou apenas meia hora para que todos começassem a sentir náuseas, fortes dores de cabeça e irritações pelo corpo. Silvino morreu no dia seguinte, em detrimento da intoxicação com o veneno agrícola.
Não bastasse a desgraça com sua família, Petrona ainda perdeu muitos animais que tinha na pequena propriedade e os mais de 200 peixes no tanque. Sua produção de alimentos, produzida de forma orgânica, também ficou contaminada com o avanço do veneno pelo ar.
“Não tínhamos muita coisa na época, mas não necessitávamos de nada, tínhamos tudo que precisávamos com nossa produção”, conta Petrona. Agora, a cada seis meses, Petrona e seus nove filhos precisam tomar um remédio “caríssimo” na veia para evitarem manifestações de doenças relacionadas à ingestão do veneno. Alguns de seus filhos, inclusive, estão com câncer.
“Quando minha filha tinha 15 anos (à época do episódio) ela tinha veneno em seu sangue. Aos 18 teve um filho com hidrocefalia que morreu nos dias seguintes. Meus filhos não podem ter mais suas famílias porque seus filhos terão sequelas, e isso me entristece muito”, desabafa.
Relatos comuns
A desgraça pela qual passou a família de Petrona não foi um fato isolado e tampouco se restringe ao Paraguai. É um fenômeno presente em praticamente todos os países do continente americano. No Brasil, por exemplo, foram registrados 34.147 casos de intoxicação por agrotóxicos entre os anos de 2007 e 2014, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
No país mais rico do continente, os Estados Unidos, essa realidade na atividade agrícola não se distingue tanto dos outros, já que a cada ano, entre 10 mil a 20 mil pessoas são envenenadas por produtos agroquímicos, levando o trabalho agrícola ao posto de terceiro ocupação mais perigosa do país, segundo o Departamento de Saúde da Flórida.
De acordo com Antônio Tovar, do Centro de Prevenção da Universidade da Flórida, “há poucas leis que protegem o trabalhador, e tem um sistema produtivo com muito uso de agrotóxicos. Isso é um risco muito significativo para a saúde dos trabalhadores”.
Mais de 80% da mão de obra agrícola nos EUA é composta por imigrantes, sobretudo mexicanos e a população da América Central. No entanto, 51% deles não tem documento legal para permanecerem nos EUA, o que “torna as condições de trabalho ainda mais difíceis, sendo comum receberem menos de um salário mínimo e ter crianças de 12 anos fazendo o serviço”, conta Tovar. Segundo ele, essas condições tornam as pessoas que trabalham neste setor 20 vezes mais suscetível a morte do que um trabalhador na indústria.
O fato da sindicalização do trabalhador agrícola nos EUA ser proibida – já que o setor é considerado um assunto de segurança nacional – deixa esta parcela da população ainda mais vulnerável. “Esse sistema é imposto com um argumento de segurança nacional, mas é voltado realmente à população afro americana, os caribenhos, latino americanos que são quem fazem o trabalho agrícola. Isso realmente é uma estratégia do próprio agronegócio que acaba tendo uma massa trabalhadora sem direitos”, comenta Tovar.
Uma cidade contaminada
No outro extremo do continente, o primeiro país latino americano a aprovar o cultivo de sementes transgênicas observa, 20 anos depois, um aumento dos problemas de saúde de sua população em decorrência do alto uso de agrotóxicos na lavoura.
Tal opção fez a Argentina dar um salto no consumo de agrotóxicos. Se pegarmos apenas o glifosato – o agroquímico mais consumido no país -, saltou dos 30 milhões de litros consumido por ano em 1996 – quando foi autorizado o uso dos transgênicos – para 400 milhões em 2016, segundo estudos da Universidade Nacional da Plata.
Uma recente pesquisa na cidade de Pergaminõ, Província de Buenos Aires, coletou amostras de sangue de 140 pessoas que trabalhavam em diferentes locais, fosse no campo ou na cidade. Em todas as amostras foram encontradas presença de agroquímicos no sangue.
“Pergamiõ é uma cidade tremendamente atravessada pela agroindústria; é o centro da produção de soja do país”, explica Fagundo, do Instituto de Saúde Socioambiental da Faculdade de Ciências Médicas de Rosário.
Outra pesquisa realizada no rio Paraná, na própria Argentina, evidenciou que 70% das amostras coletadas em diferentes localidades do rio continham a presença do glifosato. “Isso coloca em evidência a tremenda falácia da Monsanto – produtora do agroquímico – quando dizia que o princípio ativo do glifosato era biodegradável”, contrapões Fagundo.
Segundo o especialista, esses casos evidenciam as consequências socioambientais do modelo de produção do agronegócio, em que se utiliza grandes quantidades de agrotóxicos nas lavouras.
“Na Argentina, a segunda morbidade – taxa de portadores de determinada doença em relação à população total estudada – é o hipotiroidismo, uma doença endócrino metabólica que acredito que esteja relacionada com este modelo de produção”, observa.
Para ele, se não há um ambiente saudável que garanta uma produção de alimentos livre de agroquímicos, “não se pode falar de saúde pública com tranquilidade”. Para Fagundo, é inaceitável que se tenham “interesses corporativos que justifiquem o silêncio quando se trata de saúde pública”.
*do Brasil de Fato.
Edição: José Eduardo Bernardes
Fonte: MPA.