Contra o fim do SUS, sanitaristas defendem de pacto social a desobediência civil

Por Cida de Oliveira.

A construção de uma aliança entre estudantes, indígenas, movimentos populares, centrais sindicais, partidos políticos de esquerda e frentes em defesa da democracia, como a Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo, é a estratégia defendida por sanitaristas para reverter os ataques ao SUS que podem se fatais com aprovação  da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela investimentos da União nas áreas sociais, e desobriga repasses a estados e municípios para a saúde e educação.

Durante o seminário Golpe no SUS, realizado na capital paulista, na noite de ontem (24), pelo Le Monde Diplomatique Brasil e Plataforma Política Social, a médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ligia Bahia fez uma reflexão nada animadora do momento pós-golpe. “Hoje temos a invasão do PP (Partido Progressista) que divide entre si o Ministério da Saúde e suas quatro secretarias. São como piratas que se apossam dos recursos públicos. E perdemos a base técnica, que foi construída ao longo de 30 anos. Uma perda fatal; já era. Estão todos fragilizados. Estamos perdendo o SUS”, disse.

Ligia lembrou que desde a Constituição de 1988, o SUS contabiliza perdas com o crescimento da saúde privada, que responde por 25% do atendimento à saúde e fica com R$ 85 bilhões dos recursos assistenciais, quatro vezes mais que o recebido pelo SUS, que responde por 75% do atendimento.

Outra perda é a falta de apoio dos sindicatos e centrais, que colocam em suas pautas de reivindicação planos privados de saúde. “Precisamos pensar como será daqui a seis meses. Eles pagam quem é do partido deles, bem na lógica dos piratas, de recompensa para os aliados e punição para quem não é. Será que como piratas vão brigar entre eles? E como vamos reconstruir nossa agenda depois que esse imenso raio cair nossa cabeça? Como desprivatizar? Temos de apresentar propostas. E mesmo que a viabilidade seja zero, politicamente teremos uma agenda. É preciso reunir a tropa e retomar nossa capacidade de brigar”.

Para uma “volta por cima”, Ligia defende a construção de uma agenda de pesquisas e ações. “Temos de reconhecer que somos minoria e retomar nossa capacidade de luta, vamos nos voltar para os estudantes que estão ocupando escolas em todos o país contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, a Medida Provisória (MP) 746, que fragmenta o ensino médio, e o projeto de Escola sem Partido. Vamos fazer aliança com o movimento indígena, sindical, centrais e de frentes, como a Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo. Precisamos de mais radicalidade”.

Médico sanitarista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jairnilson Paim destacou golpes e tentativas contra o SUS justamente numa conjuntura de crise, quando a busca por seus serviços tende a aumentar pelo desemprego e pela migração da saúde privada.

“Vivemos agora mais um golpe entre tantos que põem em risco o sistema, como a abertura da saúde ao capital estrangeiro, a PEC do Cunha, que obriga empresas a oferecerem planos privados aos trabalhadores, o PL da terceirização, que vai afetar os quadros do sistema, a volta da DRU e os chamados planos de saúde acessíveis. Paralelo a isso temos a bomba relógio da diabetes que vai estourar com essa garotada obesa, mais a epidemia de acidentes de moto que demandam reabilitação e síndromes causadas por epidemias de zika. Fora as taxas crescentes de câncer”, lembrou.

De acordo com Jairnilson, há ainda a crescente prevalência de transtornos depressivos, a duplicação do tamanho da população idosa até 2036 e a carga de doenças transmissíveis que não foram erradicadas, as crônicas não-transmissíveis e os acidentes. “É possível pensar no desmantelamento do que foi construído em 30 anos? Esses planos populares vão corroer ainda mais os insuficientes recursos do SUS.”

Atualmente, conforme lembrou, apenas 25% das crianças do Nordeste com cardiopatias congênitas são operadas. E políticas consagradas, como o Plano Nacional de Imunizações são está ameaçado com falta de vacinas, como a contra a raiva.

“Talvez os senhores congressistas que votam pela PEC não se lembrem que suas válvulas cardíacas são avaliadas pela Agência Nacional de Vigilância à Saúde, a Anvisa, que faz parte do SUS.”

O médico sanitarista professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner, lembrou que se os outros governos não eram muito a favor do SUS, o de Michel Temer é “totalmente contra”.

E o que o sistema, pelo fato de ir além da assistência, confrontando o neoliberalismo, é sempre muito criticado e golpeado. Mas mesmo assim, sendo apenas sombra do projeto do movimento sanitarista, está longe de ser “um pato manco”. “Em 20 anos de SUS, homens e mulheres com problemas cardíacos passaram a viver 10 anos a mais. O tratamento da diabetes no SUS tem uma abordagem que nenhum sistema privado tem igual. É uma tragédia política, ética e moral tirar essa capacidade de intervenção.”

Gastão defende a radicalização. “Temos de ampliar o bloco político de usuários e dizer que o SUS é a solução, de enfrentar esse tema com a população, brigar por carreira, pela base técnica, e o movimento sanitário deve priorizar junto às universidades a construção da ideia de que o ajuste fiscal faz mal à saúde. Temos de disputar esse discurso, combater o da meritocracia, e voltar para as bases. Cadê a esquerda nas periferias? Vamos começar também a luta institucional, a desobediência civil.”

Fonte: Rede Brasil Atual

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