Marco temporal não se estende à TI Tupinambá de Olivença, diz STJ em votação de mérito

Por Renato Santana.
 O pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) votou, em Brasília (DF), pela impossibilidade de estender as condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com destaque ao marco temporal, para a Terra Indígena Tupinambá de Olivença. A decisão unânime dos ministros é parte do julgamento do mérito que derrubou em definitivo um mandado de segurança que impedia o Ministério da Justiça de publicar o relatório circunstanciado de demarcação do território Tupinambá, no sul da Bahia. Conforme os advogados dos indígenas, o prazo processual se esgotou e não cabe mais recurso.

No último mês de setembro, o mandado de segurança havia sido suspenso pelo ministro-relator Napoleão Nunes Maia Filho. Todavia, o mérito da ação não foi julgado. Impetrado em 2013 pela Associação de Pequenos Agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema (ASPAIUB), empresários destes municípios e alguns moradores, com liminar favorável publicada em abril deste ano, o mandado de segurança tinha como um dos principais argumentos o marco temporal – presente nas condicionantes de Raposa Serra do Sol.

Contrários à demarcação, fazendeiros usaram a ASPAIUB para no STJ defender a tese de que os Tupinambá não ocupavam o território que reivindicam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal – base do marco temporal. O pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), porém, possui farta jurisprudência contrariando o marco temporal. Fato considerado pelo ministro-relator Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do mérito do mandado de segurança contra a demarcação Tupinambá.

“Cabe deixar claro que anotar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a PET 3.388/RR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, caso que ficou conhecido como Raposa Serra do Sol, em referência ao nome da comunidade indígena local, firmou um precedente que deve ser analisado cautelosamente, porquanto não é generalizável (SIC)”, afirmou em seu voto o ministro-relator. A tese do marco temporal tem cada vez mais perdido força nos tribunais superiores, sendo uma opinião isolada do ministro Gilmar Mendes na 2ª turma do STF.

Em outras situações envolvendo mandados de segurança contra demarcações, os ministros do STF também negaram o marco temporal – e a vinculação das condicionantes de Raposa às demais terras indígenas. Os casos mais recentes ocorreram com a Terra Indígena Morro dos Cavalos, do povo Guarani, em Santa Catarina, com voto do ministro Dias Toffoli, além de outras três terras indígenas no Mato Grosso do Sul, com destaque para Yvy Katu, do povo Guarani e Kaiowá, com voto do ministro Ricardo Lewandowski.

Pessoas jurídicas ilegítimas

A Terra Indígena Mato Preto, do povo Guarani Xeripá, teve a demarcação suspensa por força de ação do Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, Rodinei Candeia. Em novembro de 2015, através de requerimento do deputado federal ruralista Luiz Carlos Heinze (PP/RS), Candeia passou a ser um colaborador eventual da bancada ruralista na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a Funai e o Incra – encerrada sem ao menos apresentar um relatório dos trabalhos realizados.

O que este caso tem a ver com a decisão do STJ no julgamento do mérito do mandado de segurança contra a demarcação do território Tupinambá?

“A decisão do STJ aponta que a ASPAIUB e os demais impetrantes do mandado de segurança não são pessoas jurídicas legítimas para tratar da demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Casos assim ocorrem no Brasil inteiro, com estados, municípios e pessoas jurídicas ilegítimas tentando criar impedimentos às demarcações”, pontua o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e advogado dos Tupinambá, Rafael Modesto dos Santos.

Um episódio apreciado pelo ministro-relator demonstra o quanto a ASPAIUB foi manipulada na ação do mandado de segurança contra a demarcação Tupinambá. Durante uma audiência de conciliação entre os indígenas e pequenos agricultores, o magistrado que conduziu os trabalhos frisou na ata que os grupos demonstraram amizade  e relações de compadrio. Os pequenos agricultores disseram ainda que nunca foram incomodados pelos Tupinambá.

“De outra forma, declararam (os pequenos agricultores) que estavam ali porque a “a advogada nos chamou aqui”. Porque em uma reunião dos pequenos produtores para tratar dos conflitos existentes na região informaram ainda que pediram e “nós assinamos um documento para ela”, diz trecho da ata da audiência. O magistrado aponta ainda que não percebeu nenhum rancor contra a comunidade indígena, e que ali estavam apenas para resguardar direitos sobre imóveis – não a terra.

Mandado de segurança x demarcações 

O ministro-relator Napoleão Nunes Maia Filho reforçou alguns argumentos na ocasião da suspensão do impedimento à demarcação Tupinambá, em setembro. No voto apresentado no julgamento do mérito, o ministro afirma que mandado de segurança não pode ser usado para questões complexas, caso de uma demarcação de terra indígena. Seguiu e citou jurisprudências do STF, onde os ministros derrubaram mandados de segurança sob tal argumento.

Em seu voto, o ministro-relator cita ainda a argumentação da própria comunidade Tupinambá: ”Apenas o Laudo Antropológico é constituído de quase 800 páginas, enquanto o presente MS, até o momento, possui pouco mais de 700 folhas. No DESPACHO SEPRO/DAGES/FUNAI, de 18 de dezembro de 2012 da FUNAI (doe. 5), informa que o processo administrativo no. 08620.001523/2008-43 e seus apensos, enviados ao Ministério da Justiça, totalizam 48 volumes, ou seja, o processo integral é constituído de milhares de páginas que inadvertidamente não foram juntados ao processo judicial. Isso significa dizer que muitos elementos não foram trazidos à Sua apreciação, o que garante a derrocada do presente”.

Sobre desrespeitos ao Decreto 1775/96 no procedimento demarcatório em curso da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, conforme o mandado de segurança, o ministro-relator afirma que comprovadamente tudo ocorreu como determina a lei. Além disso, em seu voto não quis discorrer sobre parte do mandado de segurança que questiona e nega a identidade indígena Tupinambá; o ministro frisou que um mandado de segurança não pode tratar de tema complexo, rechaçando qualquer possibilidade de levar em consideração a argumentação racista de pessoas jurídicas ilegítimas.

Fonte: CIMI.

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