Por Francieli Borges, de Porto Alegre, para Desacato.info.
A autocrítica da esquerda, nas eleições, funciona para todo mundo, menos para a esquerda
Autocrítica é a palavra do dia. Mas a melhor esquerda possível ganharia? Não é um dado. Simplesmente porque a esquerda não é a protagonista nessa história. A postura da depuração é a estratégia mais tradicional, mas duvido que funcione a curto prazo, pensando nas eleições de 2018. Dá efeito, mas enquanto isso, vira um morde-assopra que estende o prazo para sabe-se lá.
É comum escutar que seja bom que os partidos combativos estejam na oposição e não no poder. Assim, dizem, eles podem se reinventar. Francamente, considero essa postura de uma ingenuidade angélica. Quase se agradece por ter perdido, o que funciona como uma compensação moral. Ora, o que se pode fazer no poder é muito maior do que se pode fazer na oposição. É como se a esquerda brasileira quisesse o poder e ao mesmo tempo não quisesse – o que tem a ver com a visão que presidir, nesse país, é algo necessariamente corrupto. Argumento semelhante existe na direita, os escancarados “apolíticos”. Nenhum deles convence.
Enquanto isso, nos partidos conservadores, algumas pessoas têm entendido política de um jeito criminoso. Paga-se para que circulem boatos falsos. Os boatos funcionam. Não existe autocrítica da esquerda que possa competir. O que resta é fazer troça, se esmerar em deboches na Internet, culpar o leitor por ter lido. Nunca chovem processos por difamação a revistas e jornais mentirosos, por exemplo. Morre o assunto. Passa para próximo.
Contudo, milhões de votos não foram suficientes para conter um boato. Quer dizer, se alguém de esquerda – ou vá lá, mais progressista – colocar uma legenda que afronte a ordem em seu Instagram particular, pode responder, diante da Lei, com medidas muito desproporcionais. Fascistas ricos não têm esse mesmo peso e medida. Tenho minhas dúvidas se ser legalista é a solução, por motivos óbvios, mas a esquerda resvala em se instrumentalizar para recorrer, também ela, judicialmente. Com essa falta de cuidado, a direita mais raivosa gargareja o que quer, sem consequências. Têm armas que estão aí e que só um lado usa. Se as pessoas querem fazer o jogo eleitoral, precisam ser pragmáticas.
Tenho dificuldade em lidar com esse formato combativo de partidarismo que só perde para ele mesmo porque por pouco não foi bom o bastante ou porque as pessoas que não o escolhem são embrutecidas. A esquerda legitima a própria derrota em um sistema no qual ela é fiadora. Quer dizer, ela garante a continuidade de um projeto que não é seu e, ainda, não consegue ganhar ou ter posição de protagonismo sem que traia sua origem.
Entendo que as eleições sejam uma parte da luta democrática. A menor delas, arrisco dizer, embora importante. As Instituições funcionam, para o bem e para o mal, porque impactam seriamente a vida das pessoas. Ainda assim, principalmente, a esquerda não é una e é nisso que consiste a sua qualidade – esse dado já deveria ter se tornado um ponto pacífico. Quero que esquerda ganhe as eleições, mas não gostaria que outra vez ficasse reduzida a isso.
*Esse texto tem a contribuição de Pedro Telles da Silveira, integrante da comissão responsável da resolução que institui as Ações Afirmativas no PPG em História da UFRGS, um facilitador para que eu refletisse na urgência de pensar as Instituições.