Arpeggio – coluna política diária
Por Miguel do Rosário.
O Nassif publicou hoje uma análise sombria sobre o recente ataque da Folha aos blogs, em reportagem de página inteira publicada ontem. Eu gostaria de complementar o texto de Nassif com algumas observações. Talvez eu repita pontos já levantados por Nassif, mas é que eu gostaria de ressaltar umas coisas.
Em primeiro lugar, destaquemos a bizarrice de uma matéria sobre um não-fato. Não há notícia. A reportagem não informa ao leitor para onde o dinheiro de seus impostos está sendo destinado. Ele sabe que não há mais um centavo indo para os 13 blogs pesquisados. Ok. Mas então para onde está indo o dinheiro? Quanto foi gasto em publicidade federal de maio até agora? Para quais veículos foram destinadas as verbas públicas, de maio até hoje?
Não interessa! Seria cômico, não fosse trágico. É um jornalismo às avessas.
O Cafezinho, que a grande mídia e o governo, no afã de censurá-lo, chamam de “blog pró-PT”, traz a informação sonegada pela Folha. Fizemos que o jornal, que recebe milhões em verbas públicas, não fez: informar ao leitor para onde está indo o suado dinheiro de seus impostos.
Não é tão difícil. Fomos ao site do Secom e o consultamos. Exportei todos os contratos pagos de maio até agosto deste ano para uma tabela excel, indexei pela coluna de valor e a publico abaixo.
E abaixo, uma tabelinha editada, mostrando os maiores recebedores de verbas publicitárias federais de maio até agosto deste ano.
Esses dados são inéditos e exclusivos do Cafezinho, e se me permitem a deselegância de fazer autopromoção, nos ajudam também a enterrar o argumento usado pelo governo Temer para cortar qualquer publicidade federal aos blogs, o de que não produziríamos “conteúdo de interesse público” (o que é, evidentemente, uma asserção profundamente autoritária, porque omite que é impossível, numa democracia, definir o que seja “conteúdo de interesse público, e por isso, e só por isso, é que a liberdade de expressão é tão importante).
Como sempre, é uma realidade grotesca. A Globo, sozinha, amealha cinco vezes mais do que seu principal concorrente. É o Estado brasileiro colaborando para o monopólio da mídia. O PT, sempre é bom lembrar, não fez nada para mudar essa realidade. Em 2015,reportagens na própria grande mídia informavam que apenas a TV Globo, sob governos do PT, havia recebido R$ 6,2 bilhões. Se somássemos o que outros veículos da Globo (jornais, portal, editora, rádio) ganharam no período, esse valor poderia chegar perto de R$ 9 bilhões de verba pública, ou seja, meu, seu, nosso dinheiro.
Importante frisar que esses números não incluem as estatais, onde estão importantes contratos de publicidade. Mas eles nos dão um sinal bastante claro sobre a orientação do governo.
Outro ponto que devemos ter em mente é que o governo golpista apenas conseguiu se tornar efetivo há poucas semanas. Ainda não tiveram tempo hábil para pagar à mídia pelos serviços prestados.
Entretanto, por mais que seja necessário criticar o PT por não ter feito nada para combater o monopólio da mídia, também é justo admitir que o partido agiu assim não apenas por covardia. Ele também tinha o justificado e louvável receio de não parecer democrático, caso implementasse alguma medida que prejudicasse órgãos de mídia identificados com a oposição. O PT sempre prezou muito a sua imagem de “moderado”, e faturou politicamente, aqui e lá fora, com essa postura. Mas o preço, como agora se constata, foi alto.
O governo Temer e seus apoiadores na mídia não parecem ter um pingo do mesmo escrúpulo. O próprio título da reportagem na Folha já é uma denúncia em si de censura política.
Nem vou comentar a calhordice de chamar contratos de publicidade de “repasse”. Repare, todavia, que, ao chamar os blogs em questão de “pró-PT”, a reportagem endossa a acusação de que o governo Temer promoveu uma censura política. Sim, porque o governo Dilma, por exemplo, jamais pensou em cortar verbas publicitárias da Folha ou Globo, mesmo sendo uma unanimidade de que esses veículos sempre foram profundamente “anti-PT” e “pró-PSDB”.
Por trás dessa bizarra reportagem da Folha, e de sua não-notícia, há uma teoria bastante original de democracia, na qual os cidadãos de esquerda não têm mais seus direitos políticos garantidos. Sendo assim, os blogs e sites que este setor da sociedade gosta de ler não tem nenhum direito às verbas publicitárias federais.
O governo Temer suspendeu a já mísera publicidade federal para os blogs assim que assumiu o poder, ainda interinamente, em maio. A grande imprensa noticiou a decisão com estardalhaço. Foi a primeira iniciativa política do governo Temer. E ele o fez, sabidamente, para ganhar aplausos da grande mídia. E ganhou os aplausos. A imprensa corporativa passou semanas requentando os números fornecidos pelo governo para atacar os blogs, em reportagens e editoriais.
A grande mídia, no entanto, deve ter ficado decepcionada com a mediocridade dos valores publicitários pagos aos blogs. Observe esse trecho da reportagem da Folha publicada ontem:
Agradeço a Folha pela publicidade gratuita no jornal de maior circulação no país, mas os valores mostrados ali provam a tese contrária vendida pela mídia. Os governos do PT, em especial o de Dilma Rousseff, não deram nenhum favorecimento aos blogs. Os valores, em termos de publicidade, são irrisórios. E olha que, segundo a reportagem, esses foram os “mais bem pagos”!
A Folha parece ter se esquecido de uma reportagem feita por ela mesma. Ou melhor, duas reportagens. Uma delas informava que, num intervalo parecido de tempo ao apurado na reportagem contra os blogs, mas entre 2014 e 2015, o governo paulista pagou R$ 1,5 milhão a revistas de João Dória, candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo.
Somente um contrato de publicidade, a revista Caviar Lifestyle recebeu R$ 501.200! Isso não parece ter incomodado ninguém. Quem foi atacado em editorial por Estadão, Folha, Veja e Globo, além do imenso conjunto de sites e blogs subalternos à mídia, foi o… Cafezinho e os blogs sujos.
A segunda reportagem, também da Folha, informa que o mesmo governo Alckmin pagava R$ 70 mil ao mês a um “blogueiro antipetista”.
Essas matérias, naturalmente, não receberam destaque nenhum. E, sobretudo, não se repetiram. A razão de ser delas me parece óbvia: briga por dinheiro. A Folha sentiu-se traída por ver o governo Alckmin destinar a verba pública de São Paulo a outros grupos que não ela mesma.
Tem sido bizarro ver gigantes da mídia, grupos jornalísticos estabelecidos no país desde priscas eras, conectados às maiores fortunas do país, e que já receberam, nas últimas décadas, centenas de bilhões de reais em recursos públicos, atacando com tanta violência um punhado de blogueiros.
Lembro que me senti até lisonjeado com um editorial do Estadão no qual o Cafezinho é citado com ódio. Um editorial só para atacar o Cafezinho, num dos maiores jornais do país! “Meu Deus, que sucesso! Nunca pensei que chegaria tão longe!”, eu me dizia, tentando ser sarcástico comigo mesmo.
Mas vamos ao que interessa: a tese do Nassif, com a qual eu concordo, de que a reportagem da Folha foi um ensaio para violências maiores contra a liberdade de expressão no país.
Assim como em 1964, os grupos de mídia estiveram no centro da articulação do golpe que o Brasil sofreu em 2016. Agora eles precisam sustentá-lo até o fim. Para isso, é preciso silenciar as vozes críticas. Como não dá para calar as redes sociais (embora Michel Temer tenha dito que pretende “combatê-las”), a estratégia é centrar fogo num grupo estrito de blogueiros mais influentes.
A gente não sabe ainda, em detalhes, o grau de organização do consórcio golpista. Sabe-se que há um alto grau de coordenação orgânica, espontânea, como sói acontecer em todos os golpes. Mas é claro que há uma organização própria, da qual participam os principais agentes do golpe, basicamente articulados em três frentes: o aparato jurídico-policial, o aparato midiático, e o aparato político. Desses três grupos, a aliança entre os dois primeiros, a casta burocrática e a mídia, é a mais orgânica.
Essa organização vem caçando os blogueiros desde que as conspirações golpistas se intensificaram. O fundador do Brasil 247, Leonardo Attuch, e o editor do Opera Mundi, Breno Altman, já foram intimados pela Lava Jato, como sempre envolvidos em tramoias inventivas – e sem provas – criadas pelos procuradores.
Sergio Moro chegou a dizer, em despacho imediatamente publicizado pelo Globo, que “o 247 recebeu propina a pedido de Vaccari”. Não há prova nenhuma, mas sobram, como sempre, convicções.
Altman, que só não foi conduzido coercitivamente porque não estava em São Paulo, foi intimado a depor na Lava Jato, diante de Sergio Moro, porque emprestou dinheiro a um amigo.
No relatório da PF contra José Dirceu, na Lava Jato, o delegado faz referências constantes às estratégias de comunicação do ex-ministro, que teria contratado uma “esquadra de jornalistas”. É uma mentira, como sempre. Dirceu não pagava jornalista nenhum, nem tinha recursos para tal. Dirceu tinha um blog, com um ou dois editores/redatores, e só.
No mundinho paranoico e golpista dos meganhas da Lava Jato, Dirceu deixa de ser um militante político e se torna apenas um criminoso comum tentando “polir sua imagem”. Apaga-se da história que Dirceu, independentemente das acusações que a polícia faz a ele, sempre foi um quadro político importante. Sem respeito nenhum pela privacidade do ex-ministro, o relatório da PF publiciza mensagens privadas de Dirceu a seus amigos, interpretadas sempre de maneira a criminalizá-las. Mencionando uma mensagem de celular ou email, em que Dirceu pede para um conhecido enviar determinado artigo para ele, Dirceu, publicar em seu blog, o delegado diz que isso era a prova de que “Dirceu ainda possui grande poder de articulação política e de influência, inclusive através dos meios de comunicação de massa”. Não chamo de palhaçada para não ofender os palhaços.
Segundo o Nassif, a reportagem na Folha sinaliza que o golpe decidiu se voltar, de maneira mais organizada, contra a liberdade de expressão no país, vista como uma ameaça a seus planos. Eu concordo e acrescento alguns elementos não listados na análise do Nassif:
1 – O governo Temer contratou, publicamente, o MBL para cuidar de suas redes sociais. O MBL é uma das organizações que articularam, nas redes sociais e, em seguida, nas ruas, a construção do discurso golpista. É uma organização extremamente agressiva contra a esquerda. Seu perfil apartidário era apenas uma conversa para enganar coxinhas inocentes, porque o movimento entrou de cabeça nas eleições desse ano, associando-se a vários partidos da direita.
2 – Uma semana após Temer contratar o MBL, aparece essa matéria requentada da Folha, feita para alimentar justamente as redes sociais antipetistas, desviando o debate público das medidas tomadas ou defendidos pelo governo para os… blogs. A matéria da Folha, apesar de requentada, e não trazer nenhuma novidade, imediatamente se tornou post napágina do MBL, no blog do Reinaldo Azevedo, na página do PSDB e em toda vasta rede de blogs de direita que, sim, sempre existiram no país. Os blogs de direita nunca ganharam muita notoriedade porque o público de direita já se dá por satisfeito com a leitura dos grandes jornais.
3 – Em mais um sinal de que o ataque aos blogs foi coordenado, o Antagonista, um dos porta-vozes mais estridentes do golpe, também atacou os blogs no dia de ontem (29/09), num post engraçado, em que diz que os blogs “petistas” sempre foram “ridiculamente nanicos”, e que agora teriam caído no ranking do Alexa. É de se perguntar a razão de blogs tão “nanicos” receberem tantos ataques, de maneira tão coordenada e organizada.
4 – Há uma semana, o blog Implicante, que integra a rede golpista, e cujo autor recebe no mínimo R$ 70 mil por mês do governo Alckmin (e sem transparência nenhuma, sem precisar sequer veicular publicidade do governo), publicou um post um pouco mais agressivo do que o habitual, dizendo que governo Temer precisa enfrentar a “narrativa petista”. Quer dizer, é pior, o post encerra dizendo que “Ou o Brasil enfrenta as narrativas petistas, ou não sairá do lugar”, numa associação bem sinistra e totalitária entre o governo Temer e o “Brasil”.
5 – Também há uma semana, a Folha publicou outra estranha reportagem, na qual se autoelogiava dizendo que o jornal “fazia cobertura crítica do governo Temer”. Ora, se realmente faz cobertura crítica, para que dizer isso? Na verdade, a Folha deve ter identificado, entre seus próprios leitores, o incômodo com o súbito chapa-branquismo do jornal, e considerado que isso é um perigo para os planos de receber vultosas verbas federais. Possivelmente, a Secom promoverá uma forte concentração das verbas publicitárias nos veículos tradicionais, como se dava na era tucana e, portanto, é preciso vender à opinião pública que o jornal é “crítico” ao governo. O medo da mídia tradicional é que os blogs herdem, como já estão herdando, aquele sentimento antigoverno que é sempre forte em qualquer regime liberal.
A guerra aos blogs é um passo natural na escalada do arbítrio que temos assistido. A narrativa golpista tem enfrentado enormes dificuldades para construir o consenso social de que todo regime ilegítimo sente tanta necessidade, porque a ilegitimidade gera insegurança. Essas dificuldades existem justamente por causa dos blogs, que fazem um contraponto diário, sistemático, combativo, à grande mídia. Nada mais natural que os blogs entrem na lista negra dos que devem ser eliminados, silenciados, constrangidos.
Quem diria, há cinco anos trás, que viveríamos uma situação tão sinistra?
No entanto, é importante que os internautas não se deixem intimidar. Todas essas agressões às liberdades, mesmo que aparentemente bem sucedidas, constituem na verdade vergonhosas derrotas para os golpistas. Afinal, o que eles pretendem? Transformar o Brasil numa Coreia do Norte de direita, onde as informações são controladas por três corporações de mídia: Globo, Abril e Folha?
Não conseguirão. Serão derrotados uma hora ou outra, e eles sabem disso. Sua pressa, seu desespero, é para vender o país o mais rápido possível, obtendo as gordas comissões de praxe. Quando forem derrotados, pensam eles, já terão suas contas bancárias asseguradas, de preferência em bancos no exterior.
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Fonte: O Cafezinho.