Por Letícia Lanz.
Não são poucas as mulheres trans que ficam uma fera quando uma terf qualquer (trans exclusionary radical feminist) define a identidade de gênero delas, de forma absolutamente provocativa e grosseira, dizendo que elas não passam de “homens vestidos de mulher”.
A questão é que muitas dessas transmulheres que se consideram profundamente ofendidas ao serem chamadas de “homens vestidos de mulher” não pensam duas vezes em usar essa mesma expressão, de forma identicamente malcriada, para definir a identidade de gênero de pessoas transgêneras que elas consideram fora dos padrões de passabilidade que elas próprias definem e elas próprias defendem.
Assim como a grande maioria das pessoas transgêneras se lamenta profundamente da classificação que receberam ao nascer – de homem ou de mulher – em razão dos genitais de macho ou de fêmea que traziam entre as pernas.
Para completar esse quadro desolador e sinistro de “nomeações indevidas”, a psicologia, assim como a sociologia e até certos setores da conservadora medicina sustentam a ideia de que identidade de gênero é um atributo pessoal que só pode ser definido pela própria pessoa, uma vez que resulta única e tão somente da percepção de cada indivíduo quanto ao seu pertencimento a essa ou àquela categoria de gênero, cisgênera (homem e mulher) ou transgênera (travesti, transexual, crossdresser, dragqueen, andrógino, homem feminino, mulher masculina, não-binário, o escambau, etc., etc., etc.).
Ou seja, quem diz o que a pessoa é ou deixa de ser é a própria pessoa; ninguém mais. E é claro, como todo critério relativo aos seres humanos, não pode ser arbitrariamente válido para algumas pessoas, em algumas situações e, ao mesmo tempo, inválido para outras, em situações distintas. Ou o critério é válido pra todo mundo ou não vale para ninguém.
Não se pode querer matar as terfs que chamam mulheres trans de “homens vestidos de mulher” quando essas próprias mulheres trans chamam descaradamente outras pessoas transgêneras de “homens vestidos de mulher”, aliás, com o mesmo e execrável propósito de diminui-las e desqualificá-las. Se cabe à pessoa e somente a ela dizer quem ela é, é preciso respeitar inteiramente o que ela diz que é, ainda que sua imagem pessoal não confira com os estereótipos de gênero que existem por aí.
Caso contrário, vamos perpetuar não só o mecanismo esdrúxulo e arbitrário da sociedade em determinar o gênero de uma pessoa em função dos seus genitais mas também o execrável sistema de estereótipos de gênero, fonte de aflição e sofrimento para a maior parte das pessoas, condenadas a “ter um corpo que se adeque à roupa social”, em vez de terem os seus corpos respeitados e dignificados pela sociedade.
Por falar nisso, já leu o meu livro “O Corpo da Roupa” (www.transgente.com.br)?
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Fonte: Letícia Lanz.