Por João Filho.
No último fim de semana, foi anunciada uma maior participação do PSDB no governo provisório de Michel Temer. O anúncio soou como piada, já que este é um governo essencialmente tucano, que só chegou ao poder graças ao apoio tucano, conta com vários ministros tucanos e já está em estágio avançado na implementação do plano de governo tucano – aquele que foi derrotado nas urnas.
Uma participação maior que essa, só se Temer entregar a faixa presidencial para Aécio e voltar a decorar algum canto do Planalto como vice-presidente.Bastaria dar um driblezinho a mais na Constituição, contratar Janaína Paschoal para oferecer aquele parecer jurídico camarada e aguardar as manchetes favoráveis. Temer já está com a mão na massa, acabou de adquirir o know-how necessário, não seria tão trabalhoso.
Depois de se amarem loucamente nos anos 90, PMDB e PSDB romperam por mais de uma década e voltaram recentemente em grande estilo, quando iniciaram um processo de desestabilização do governo Dilma – um governo que, por ruindade própria, já andava desestabilizado. Agora, que os pombinhos tomaram o poder e estão num relacionamento estável, surgem as primeiras briguinhas e ameaças de rompimento. Mas é puro charme. Estão no auge da paixão, e nada vai lhes separar tão cedo. Há muita estatal pela frente pra vender, baby.
No Congresso, comandados por Eduardo Cunha, as duas bancadas boicotaram todas as tentativas de ajuste fiscal de Dilma através de pautas-bomba, além de tumultuarem e adiarem votações com o objetivo claro de atrasar a saída para a crise e enfraquecer o governo.
O velho novo casal também inflamou as ruas financiando grupos de militantes a favor do impeachment – aqueles que se dizem apartidários, mas que recebem dinheiro de um lado e só batem panela contra o outro.
Na prática, grosso modo, Temer está substituindo o programa da chapa pelo qual foi eleito pelo da chapa derrotada nas eleições. Sem mais nem menos. Se Dilma foi merecidamente acusada de praticar estelionato eleitoral, Temer está indo além ao instalar o projeto tucano – um neoliberalismo-ostentação rejeitado por quatro eleições seguidas. O povo brasileiro assiste atônito a este estelionato com duplo twist carpado e sem a chancela das urnas.
Vejamos como Temer vem cumprindo com louvor o programa de governo tucano:
Composição dos ministérios
Logo de cara, Temer nomeou três tucanos de alta plumagem para ministérios estratégicos: Justiça, Relações Exteriores e Cidades. Dos 24 ministros nomeados, apenas 6 apoiaram a candidatura de Temer. Quase todos os outros apoiaram Aécio, com destaque para os mais habitués do ninho tucano: Jungmann (PPS), Mendonça Filho (DEM), Geddel (PMDB), Osmar Terra (PMDB) e Picciani (PMDB).
Corte drástico de ministérios
Uma promessa da campanha do PSDB. E qual foi a primeira coisa que o interino fez ao sentar no trono? Mandou cortar diversos ministérios! Pastas caras à chapa pela qual ele foi eleito foram ceifadas sem nenhum pudor. Extinguiu o Ministério das Mulheres, da Cultura, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, a Controladoria Geral da União, entre outros. Fosse eleito, não sei se Aécio demonstraria tamanha competência na execução do plano de governo tucano.
Mudança na regra da partilha do pré-sal
José Serra, flagrado pelo WikiLeaks em conversas bastante amistosas com uma concorrente da Petrobrás, a Chevron, há tempos vem demonstrando enorme interesse em vender o pré-sal para empresas estrangeiras. O interino não pensou duas vezes e o colocou justamente nas Relações Exteriores. Além disso, permitiu que Cunha influenciasse decisivamente a Comissão Especial da Petrobras e Exploração do Pré-Sal, que concretizou o sonho tucano ao abrir as porteiras para o feirão do petróleo. Essa revisão do regime de partilha era uma das promessas do candidato Aécio. As petroleiras estrangeiras agradecem a graça alcançada.
Intensificação das privatizações
Outro sonho dourado tucano prestes a se realizar no interinato-machocratade Temer. E ele tem pressa. Em reunião com ministros, mandou um recado claro: “Senhores, tudo que puder ser transferido à iniciativa privada, façam. Não temos preconceitos!”. A ordem expressa deve ter surpreendido o PSDB, que sempre preferiu disfarçar essa sua tara nas campanhas por conhecer a rejeição popular.
O impeachment de Dilma ainda não foi decretado, ainda há chances de ela voltar para o cumprimento integral do seu mandato. Remotas, mas existem. Se por um milagre isso acontecer, o país ficará ainda mais tempo paralisado, já que o copiloto que assumiu o comando resolveu mudar o destino do voo sem consultar os passageiros.
Além de imoral e antidemocrático, há juristas que afirmam que essas ações do interino são ilegais, porque ferem a Constituição. Tecnicamente, Dilma continua sendo a presidenta da República até o fim do julgamento e, portanto, Temer não possui legitimidade pra formar um novo governo durante a sua suspensão.
A coisa é tão surreal que até Pedro Simon, companheiro de partido de Temer, se disse “chocado” com o comportamento de quem deveria respeitar a transitoriedade do cargo.
Esta era uma questão importantíssima para se debater durante o processo de impeachment, mas em nenhum momento virou pauta na imprensa. A cobertura do noticiário narrou todos esses acontecimentos acriticamente, com certa naturalidade, como se fosse normal um presidente interino alterar tão profundamente as estruturas do governo de uma presidenta afastada de maneira provisória.
Parece óbvio, mas não custa lembrar que, numa democracia, o que confere legitimidade aos governantes ainda é o sufrágio universal, não as pesquisas do DataFolha e os editoriais do O Globo. Não se constrói pontes para o futuro sem sustentação democrática. Ao que parece, a tão falada Ponte (de volta) para o Futuro do PMDB deu uma passadinha em 64 e estacionou nos anos 90, em Higienópolis, não é mesmo?
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Fonte: The Intercept.