Por José Roberto Castro.
O governo Michel Temer completa 100 dias em 20 de agosto. A interinidade pode acabar em breve, assim que o Senado concluir o julgamento do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff.
A petista deixou temporariamente o Palácio do Planalto sob acusação de ter cometido crime de responsabilidade ao autorizar gastos sem o aval do Congresso Nacional. Mas a análise técnica tem sido apenas uma das faces do embate entre defesa e acusação.
Como o processo é em boa parte político, não é só Dilma que será julgada. A aceitação dos parlamentares a Temer é essencial para que ele seja efetivado no cargo que vem ocupando iterinamente desde 12 de maio.
Em 100 dias, Temer já anunciou medidas econômicas duras, mas ainda não as colocou em prática. Em vez disso, fez concessões importantes a setores como o funcionalismo, com forte impacto nos gastos federais. Houve ainda recuos, como corte de ministérios e sua posterior recriação, além de casos suspeitos envolvendo seu nome e o de ministros na Lava Jato, maior operação contra a corrupção já realizada no país.
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‘Não fale em crise, trabalhe’
Temer assumiu a Presidência em cerimônia no Palácio do Planalto em 12 de maio, horas após o afastamento de Dilma Rousseff. Ao lado de seus 23 ministros, nove a menos do que o governo anterior, disse que tinha “respeito institucional” por Dilma e defendeu que a economia brasileira precisava de confiança para voltar a crescer.
Como incentivo à população, usou uma frase que viu pregada em um posto de gasolina: “Não fale em crise, trabalhe”, disse o interino.
Rombo de R$ 170 bilhões
A equipe econômica de Temer, chefiada por Henrique Meirelles, assumiu prometendo transparência nas informações oficiais e o primeiro trabalho foi refazer as contas do governo. A previsão de déficit primário, que com Dilma era de R$ 96 bilhões, foi elevada para um prejuízo de R$ 170 bilhões em 20 de maio.
Membros do governo Temer disseram que o número projetado por Dilma era irreal. Os críticos de Temer rebateram argumentando que ele supervalorizou o rombo para poder gastar mais livremente no governo.
A volta da Cultura
O primeiro recuo do governo interino ocorreu apenas nove dias após a posse. Por pressão da classe artística e de opositores, que ocuparam prédios em vários pontos do país, Michel Temer voltou atrás na decisão de extinguir o Ministério da Cultura no dia 21 de maio. Entre a posse e a recriação, nomes convidados para assumir a Secretaria de Cultura, que ficaria ligada ao Ministério da Educação, recusaram.
“As pessoas se acostumaram a quem está no governo dizer que não pode voltar atrás. Não temos compromisso com o equívoco”. Temer negou que o recuo fosse sinal de fragilidade e, em seguida, deu um soco na mesa ao lembrar que, como secretário de Segurança em São Paulo, já havia lidado com bandidos. Em agosto, o governo anunciou a recriação de outro ministério, o do Desenvolvimento Agrário, para depois da votação do impeachment.
O ‘pacto’ contra a Lava Jato e a demissão de ministros
Uma gravação feita pelo ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado em março veio a público em maio e mostrou Romero Jucá, já ministro do Planejamento, propondo um “pacto” para “estancacar a sangria” da Lava Jato, numa sugestão de que era preciso retirar Dilma da Presidência para acabar com a operação.
Com a divulgação do áudio, Jucá chegou a dar uma entrevista coletiva tentando se justificar, mas anunciou seu afastamento do governo no mesmo dia. Temer perdeu ali o primeiro ministro. Nas semanas seguintes, Fabiano Silveira (Transparência) e Henrique Eduardo Alves (Turismo) também deixariam o governo em razão da Lava Jato.
Teto de gastos e promessa de reformas
A principal medida econômica do governo Temer até aqui foi anunciada quase duas semanas após a posse, em 24 de maio. Seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, explicou que o governo pretendia congelar o crescimento real do gasto público, permitindo aumento apenas de acordo com a inflação do ano anterior.
Um projeto de implantação do teto por 20 anos já foi enviado ao Congresso Nacional, mas ainda não foi apreciado. Para depois da votação do impeachment, há a intenção de apresentar propostas de reforma na Previdência e mudanças na legislação trabalhista.
Reajuste de servidores
Em meio a uma grave crise fiscal, apontada como uma das prioridades por Temer, o presidente interino deu aval para aprovação de reajustes para servidores públicos. O acordo feito na Câmara custará ao governo R$ 68 bilhões até 2019. Temer se defendeu dizendo que apenas cumpriu o que o governo anterior tinha acordado.
O presidente fechou também um acordo de socorro a Estados endividados que custará R$ 50 bilhões aos cofres da União.
Citações de seu nome na Lava Jato
A íntegra da delação premiada de Sérgio Machado, que já havia derrubado Jucá, foi divulgada em 15 de junho e citava o presidente interino. Segundo Machado, Temer teria pedido R$ 1,5 milhão em doações ilegais para a campanha do peemedebista Gabriel Chalita para a Prefeitura de São Paulo em 2012. A doação teria sido feita pela empreiteira Queiroz Galvão, integrante do cartel da Lava Jato.
Temer também foi citado nas entrevistas preliminares da delação de executivos da construtora Odebrecht. Em jantar no Palácio do Jaburu, Temer teria acertado com o presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, o pagamento de R$ 10 milhões ao PMDB. Seu ministro das Relações Exteriores, José Serra, também teria sido citado. Temer disse que as doações feitas ao PMDB foram legais. Serra também negou irregularidades e disse que a responsabilidade de arrecadação em sua campanha era do PSDB.
Vitória na eleição na Câmara
O Planalto evitou escolher publicamente entre Rodrigo Maia e Rogério Rosso, aliado de Eduardo Cunha e candidato do “centrão”, mas ganhou com a derrota do peemedebista Marcelo de Castro, ex-ministro de Dilma que tinha apoio do PT.
Com a eleição de Rodrigo Maia, em 14 de julho, Temer passou a ter um presidente da Câmara aliado, algo que fez muita falta a Dilma no segundo mandato. A base de apoio do governo na Câmara é sustentada por partidos que faziam oposição a Dilma e que perderam a eleição para a chapa de Temer em 2014. Além do DEM, de Rodrigo Maia, o PSDB tem papel importante no apoio ao presidente interino no Congresso.
Vaiado mesmo sem ser anunciado
Com uma popularidade quase tão baixa quanto a da presidente afastada Dilma Rousseff, Temer foi ao Maracanã para a cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio em 5 de agosto. Sua presença na tribuna de honra do estádio não foi anunciada, como é comum no evento. Mesmo assim, durante sua breve fala para declarar a abertura do evento, o presidente interino foi vaiado pelo público nas arquibancadas.
Nos primeiros dias de jogos, torcedores que se manifestaram pela saída de Michel Temer da Presidência foram retirados dos estádios, o que foi proibido pela justiça em seguida. A aprovação ao governo Temer, segundo o Datafolha, é de 14%. Na última pesquisa antes do afastamento, Dilma tinha 13%.
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Fonte: Nexo.