Por Marcelo Auler.
Alguns mistérios rondam a vida da hoje psicóloga Erika Santos. Ela, em 2000, denunciou a caixinha existente na administração do porto de Santos que, segundo disse em juízo, abastecia o então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. Foi quando brigou com seu ex-companheiro, Marcelo de Azeredo, apadrinhado de Temer que presidiu a Companhia de Docas do Estado de São Paulo – CODESP e, como tal, também beneficiário das propinas.
Para provar o que dizia, juntou documentos na Ação de Reconhecimento e Dissolução Estável, Cumulada com Partilha e Pedido de Alimentos ajuizada na 3ª Vara de Família, Órfãos e Sucessão, de São Paulo. Eles, segundo disse, foram retirados do computador do ex-companheiro. Por esta contabilidade, Temer, só naquele período teria embolsado da caixinha das empresas que operavam no porto R$ 2.726.750,00.
Como já mostramos em A PGR omitiu-se na denúncia da caixinha do Porto de Santos para Michel Temer, o vice presidente atualmente no exercício da Presidência por conta do golpe do impeachment, jamais foi investigado por isso. Contou com a benevolência de dois procuradores-gerais da República: Geraldo Brindeiro (2001) e Roberto Gurgel (2011).
Mas, na última reportagem publicada nesta série sobre a influência de Temer no porto de Santos, – Autuação da Receita confirma denúncias das propinas em Santos. Temer foi poupado – que oDiário do Centro do Mundo e o Blog Marcelo Auler estão editando em conjunto, mostrou-se que a Receita Federal confirmou as denúncias. Uma investigação fiscal demonstrou um aumento patrimonial a descoberto (sem origem declarada) de Marcelo e sua irmã, Carla de Azeredo.
O que aconteceria se Temer também fosse investigado?
Michel Temer, em 2007, não quis esclarecer à Polícia Federal, quando convidado, sobre sua relação com Marcelo de Azeredo e as acusações feitas por Érika, como revelamos. Em 2001, da tribuna da Câmara, negou ter recebido propinas e falou que a então estudante de psicologia negara tudo o que estava escrito na ação, da qual ela desistiu, fato também narrado em:Temer e o porto de Santos: defendendo o indefensável.
Surge daí o mistério.
Érika, através de um novo advogado, José Manuel Paredes, desistiu da ação. Ninguém sabe ao certo, nem mesmo Paredes, os motivos que a levaram a tal gesto. Acredita-se que, após ameaçar cobrar judicialmente uma partilha de bens e uma pensão mensal do ex-companheiro, tenha conseguido um bom acordo. Financeiramente falando.
Não é impossível supor que, diante das denúncias que tiveram repercussão imediata com uma reportagem da revista Veja, o próprio deputado Temer tenha pressionado seu afilhado político para resolver a questão longe do tribunal e da opinião pública.
Érika, como expôs na ação, queria manter o status quo adquirido na convivência à qual dedicou três anos de sua vida. Aparentemente conseguiu, mas dados levantados recentemente mostram que não deve ter sido tão fácil assim.
Desde então ela nunca mais falou sobre o caso e ainda hoje não o comenta, como deixou claro no dia 19 de julho ao ser procurada, por telefone. Gentil e educada, na única ligação atendida das várias tentativas, não aceitou falar:
“Eu não falo nem por telefone, nem pessoalmente sobre isso, tá? Esse assunto para mim já não converso mais a respeito. Tudo o que foi feito está registrado, então você pesquisa, por favor, tá? Agradeço seu contato, mas eu não posso falar agora”.
Conto de Fada – Ao pesquisar, seguindo sua recomendação, descobre-se que, ao conhecer Marcelo, em 1997, em Brasília, com ainda 20 anos, provavelmente morava em Sobradinho, cidade satélite da capital, onde ainda hoje reside sua mãe, com 67 anos. Na época, se preparava para o vestibular de psicologia. A partir do encontro, viveu uma espécie de “conto de fada”.
“Como sói acontecer em filmes e livros, apaixonaram-se à primeira vista”, relataram os advogados Martinico Izidoro Livovschi e seu filho Sérgio, na inicial da ação na Vara de Família, que antes de ser ajuizada foi lida, remendada e aprovada pela própria autora.
Este detalhe – a leitura do documento antes de ser protocolado -, desmente-a quando, segundo Temer, disse que a apresentação dos documentos com a contabilidade da caixinha da CODESP foi iniciativa de seus advogados, sem o seu consentimento.
A peça judicial dá um breve relato do “conto de fadas”. Ainda em 97, “foram passar uma verdadeira “lua de mel” em Nova Iorque, passando por Boston”. O vestibular acabou sendo feito em São Paulo para atender ao desejo dele: “um verdadeiro pedido de casamento informal”. Foi nas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU que ela cursou psicologia – estava no terceiro ano em 2000.
Virou pesadelo – Além da mesada de R$ 5 mil para os gastos, possuía um cartão de crédito dependente do companheiro. Juntos conheceram a Itália (Roma, Florença e Veneza), com direito a caríssimos presentes das grifes “Louis Viton” e “Chanel” e jantares nos mais sofisticados restaurantes. Estiveram nos Estados Unidos (Miami e Nova Iorque), México (Cancun), França (Paris) e nas Ilhas Gregas. O dia dos namorados em 2000 foi em Buenos Aires.
O sonho da fada, porém, ruiu quando o exagero na bebida levou Marcelo a agredi-la com violência. Não houve registro na polícia. Mas, o pedido judicial narra três agressões, embora diga que tenham sido mais. A última, em julho de 2000, a fez decidir sair da casa, sem mesada, nem cartão de crédito. Os pertences que ficaram só lhes foram devolvidos depois, quando retirados do apartamento por um amigo em comum, aos poucos, em sacos de lixo.
Acostumada a todo este luxo e conhecedora do esquema de propina que proporcionava os ganhos dissimulados do companheiro, na Vara de Família ela cobrava uma mesada de R$ 10 mil e a partilha de alguns dos bens. Eram imóveis e carros de luxos adquiridos enquanto os dois estavam juntos. Mas, como alertou, alguns deles foram colocados em nome de parentes de Marcelo. Foi mais um detalhe da denúncia que a Receita Federal constatou, pelo menos com relação a uma Mercedes Benz e um Porsche.
Dezesseis anos depois, Érika é “psicóloga por formação, com especialização em Tendências e Comportamento de Consumo”, como descreve seu blog.
Desde maio de 2007, possui a agência Erika Santos Publicidade – ME, também conhecida como É10 Publicidade. Se autointitula com “ampla experiência no mercado de moda e expertise em diversas áreas relacionadas, tais como posicionamento de marca, branding , marketing, operações de varejo, abertura de franquias, visual merchandising, pesquisa e desenvolvimento de produtos e compras”
Para chegar aonde chegou, porém, ela teve que correr atrás. Apesar do acordo financeiro que se suspeita ter sido negociado em 2000 com o ex-marido/agressor, em dezembro de 2002 ela passou a trabalhar como vendedora de loja.Daí surge o mistério do por que da necessidade de trabalho se ela tinha fechado um acordo com o ex-marido? Teoricamente, significa necessidade de sobrevivência. Ou terá sido busca de experiência?
A primeira, em dezembro de 2002, foi na empresa T.F. Indústria e Comércio de Modas Ltda., uma cadeia com 120 lojas, segundo descreveu um dos seus proprietários, Tufi Duek. Por isso, ele não guarda ideia de quem seja Érika, que deixou a empresa nove meses depois.
O mesmo já não ocorre com Neusa Maria Sabino, a Nega, antiga proprietária da Nere Modas Ltda., onde Erika ficou apenas seis meses, entre setembro de 2003 e março de 2004. Com alguma dificuldade, Nega lembrou-se das ex- funcionária. “Ela trabalhou na minha loja no shopping Iguatemi. Encontrei com ela há uns três meses e ouvi: “Nega, tudo bem? Você não lembra de mim? Trabalhei na sua loja do Iguatemi”, relembra Neusa acrescentando que, embora fosse muito bonita, a vendedora não lhe chamava muito a atenção.
Logo em seguida, no mesmo Iguatemi, ela trabalhou na Tríduo Modas Feminina Ltda., onde ficou de maio de 2004 a junho de 2005 e se destacou como a melhor da loja. É o que recorda a sua ex-proprietária Marly Ribeiro de Carvalho: “Era uma super vendedora. Nunca mais tive contato. Mas era uma super profissional. Não lembro se ela estudava, mas sei que era a melhor vendedora. Foi rápido, infelizmente. Para nós foi uma perda, ela era a melhor”.
Ela ainda foi vendedora por três meses na RFP Importação Exportação e Comércio do Vestuário Ltda., cuja loja fica na Rua Bela Cintra, na Consolação, em São Paulo, e por dois meses na Natan Joias.
Em nenhum destes empregos, porém, comentou qualquer coisa sobre seu antigo relacionamento ou mesmo sobre as denúncias que fez contra o então deputado federal Temer.
Também é mistério se Érika foi ouvida em alguma investigação policial sobre as denúncias que fez. É certo que graças à Procuradoria Geral da República, como dito acima, o atual vice-presidente, Temer, não poderia mais ser investigado.
Mas, quando o Supremo decidiu isso, devolveu o inquérito policial para São Paulo, pois deveria prosseguir com relação a Marcelo de Azeredo e outros diretores da Companhia Docas do Estado de São Paulo. Possivelmente, se a investigação prosseguisse poderiam surgir os “indícios” que tanto Brindeiro como Gusmão alegaram inexistir para propor o arquivamento da investigação contra o deputado.
A investigação, porém, não voltou mais para Santos, aonde foi presidida pelo delegado Cássio Nogueira, conforme narrou DCM e o Blog Marcelo Auler. Foi quem convidou Temer a depor como testemunha e não obteve resposta. Diante disso, propôs o pedido de autorização ao Supremo para ampliar a investigação.
Quando retornou de Brasília, o caso não voltou mais para a Justiça Federal em Santos. Aportou na 2ª Vara Federal Criminal da capital, tombado com o n° 0002518-52.2006.403.6104. Em 19 de janeiro último, ele foi remetido à Procuradoria da República da capital, mas há três semanas nossas buscas por ele foram infrutíferas. A Polícia Federal diz que não está com ela e na Procuradoria ainda não o encontraram.
Na verdade, não se sabe bem porque deste inquérito ainda em andamento. Afinal, foi aberto, em 2004, para investigar corrupção, fraude em licitações e lavagem de dinheiro, supostamente ocorridos na gestão de Marcelo de Azeredo (entre junho de 1995 e maio de 1998). Portanto, são crimes com cerca de 20 anos que podem muito bem estar prescritos.
Ou seja, a impunidade tende a prevalecer não apenas no caso de Temer, se o seu envolvimento fosse provado, mas também dos demais envolvidos. Tudo por conta da lerdeza da polícia Federal, Procuradoria da República e do Judiciário. O que só ocorre – ou deixa de ocorrer – quando há outros interesses em jogo.
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Fonte: Marcelo Auler.