Doutorandos enfrentam problemas na renovação da bolsa do Ciência Sem Fronteiras

Por Rute Pina. 

A demora para renovação do benefício do Ciência Sem Fronteira (CsF) está preocupando bolsistas de doutorado pleno nos Estados Unidos. O prazo máximo de resposta da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsável pelo programa dentro do Ministério da Educação, termina no domingo que vem, 31 de julho. No entanto, os estudantes consideram atípico o tempo de espera, que nunca ultrapassou duas semanas em anos anteriores. Por isso, eles receiam enfrentar, inclusive, problemas financeiros no país. 

“Ano passado fiz minha primeira renovação, que foi super simples. Tanto para mim quanto para os outros bolsistas”, conta Júlia*, intercambista que está nos Estados Unidos pelo CsF desde 2014. Ela aguarda resposta há 86 dias — todos os documentos requeridos pelo órgão foram encaminhados no dia 27 de abril. Só nos EUA, 39 doutorandos têm pedidos de renovação em análise de mérito.

O período dos contratos dos estudantes de doutorado pleno com o Governo Federal é de 48 meses. A cada 12 meses, eles têm que emitir relatórios comprovando o trabalho de estudante no país e apresentando, entre outros documentos, uma carta do orientador e o histórico das notas das disciplinas cursadas. Ainda é possível entrar com recurso caso o pedido seja indeferido pela Capes.

A Capes afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não há nenhuma modificação no processo de análise dos pedidos de renovação” e que o processo está ocorrendo “dentro do prazo previsto”.

“Os pagamentos desse trimestre já foram realizados até o mês de outubro. No caso de indeferimento, o bolsista pode solicitar a reconsideração da análise de mérito”, informou a Coordenação. O órgão garantiu que os bolsistas que aguardam renovação de bolsa não serão prejudicados.

Problemas

Mesmo dentro do prazo, o que os brasileiros se queixam que a demora tem afetado os repasses financeiros, que ocorrem trimestralmente, e causado transtornos. Beatriz*, que aguarda a 78 dias a resposta da Capes, conta que, se sua situação tivesse sido regularizada, ela teria recebido o pagamento para os próximos meses na semana passada, no dia 12 de julho.

Os intercambistas recebem US$ 1.300 (R$ 4.225) para despesas trimestrais, como moradia e alimentação, o que corresponde a aproximadamente R$ 1.400 por mês. À parte, eles recebem subsídios para pagar as taxas universitárias e os auxílios saúde e transporte.

À espera da verba para poder efetuar pagamentos imprescindíveis como o aluguel, ela disse que buscou alternativas emergenciais, como dar aulas de reforço na universade – o edital do CsF não permite que os intercambistas tenham atividades remuneradas, exceto dentro da universidade.

“Não queria me dedicar a outra coisa senão à minha pesquisa nesta reta final. Mas me ofereceram essa vaga. Eu disse que aguardaria a minha situação com a Capes. Agora não sei bem como vai ser”, disse. Para ela, os problemas afetam também a credibilidade dos cientistas brasileiros com as universidades do exterior.

A percepção dos estudantes é de que aumentaram os casos de indeferimento de bolsas – inclusive de projetos idênticos, aprovados por dois anos, que foram negados neste ano com a justificativa de que o projeto tinha baixo potencial de inovação. Depois de alguns recursos, a bolsa foi aprovada. “Ninguém está conseguindo focar na pesquisa com essa insegurança, a gente não sabe o que vai acontecer”, disse a pós-graduanda.

“A gente começou a especular se era um problema relacionado aos cortes de orçamento da Capes, que foram de 75%”, adicionou Júlia. Desde 2014, o programa não abre editais. “Começamos a nos questionar se não seria uma espécie de filtro, para ver quem iria ou não recorrer, por causa do corte de verbas. Mas isso não é justo com os estudantes”, questionou ela.

O CsF alcançou a meta de concessão de 101 mil bolsas de estudos entre 2011 e 2014. Deste total, 65.205 foram pela Capes. Pela falta de recursos, a oferta de novas bolsas do programa foi congelada no ano passado e novos editais não foram abertos.

Desde meados de junho os estudantes alertam a situação quando cerca de 50 alunos escreveram uma carta endereçada à Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) pedindo o apoio da entidade na cobrança “por agilidade e coerência no processo de renovação das bolsas de doutorado pleno no exterior”.

Na época, a Capes afirmou que apenas 22 dos 715 intercambistas não obtiveram a recomendação de renovação da bolsa pelos consultores, mas prometeu que a situação seria normalizada.

Portaria

Outra preocupação demonstrada pelos estudantes é com a Portaria 87 da Capes, que regulamenta a possibilidade de cancelamento de bolsas após sua concessão. De acordo com a nova norma, além da justificativa da questão orçamentária, o cancelamento poderia ocorrer caso haja “dados parciais, incorretos ou inverídicos” na documentação entregue pelo bolsista.

“Ou seja, a qualquer momento eles podem decidir cortar nossas bolsas porque não têm mais dinheiro para manter a gente, e ainda podem pedir nosso dinheiro de volta. Como é que vou pagar US$ 242 mil com juros e correções para Capes se eles resolverem cancelar minha bolsa?”, perguntou-se a estudante Júlia.

Ela diz ainda que normas de comportamento dos bolsistas nas redes sociais foram alteradas, motivo pelo qual ambas as estudantes não quiseram se identificar na reportagem. Segundo o item, bolsas podem ser suspensas por conta de condutas consideradas “desabonadoras” na internet.

“Isso está totalmente aberto à interpretação. É uma portaria muito controversa, o que nos deixou muito preocupados. E a gente não tem opção: ou aceita a renovação da bolsa sob essas condições ou a perdemos”, continuou a estudante.

Segundo a Capes, o novo regulamento tem como objetivo unificar e sistematizar “normas que estavam previstas em outros instrumentos normativos da instituição das diversas modalidades de bolsa de estudo. Trata-se de um processo contínuo de revisão e de aperfeiçoamento dos procedimentos para a concessão de bolsas que visa melhor divulgar e dar transparência às regras e requisitos, além de garantir a qualidade da formação no exterior e a boa aplicação dos recursos públicos”.

Em outra nota, a agência afirmou que seriam revistos procedimentos que poderiam ter “causado estranheza aos bolsistas” e que estava em contato com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG).

* Nomes alterados para preservar identidade

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