Por Ana Carolina Vaz e Juliana Fernandez.
Fotos: Gabriel Neves.
“Lá na Mariquinha é o fluxo”?—?conta o funkeiro manezinho que prefere não ser identificado. A frase responde a pergunta sobre onde costuma ter baile funk em Florianópolis. “Mas lá só sobe quem conhece. Tem um doidão lá que é o patrão do negócio. Eu nem vou muito, mas sei que é uma loucura. É arma pra cima e o coro come, não tem essa”.
O Morro da Mariquinha é uma comunidade na região central da cidade, localizada no maciço do Morro da Cruz. A comunidade é um dos locais onde frequentemente acontecem os chamados “baile de favela” na capital catarinense. Não que todos saibam?—?ou devessem saber. “Na Mariquinha não tem, nunca recebemos denúncia”, diz a delegada de Polícia Civil, Michele Alves Corrêa, que comanda a Gerência de Fiscalização de Jogos e Diversões em Florianópolis. “É mais no norte da ilha, ali na Vila União, também conhecida como Favela do Siri, indo pro Costão do Santinho. No Morro da Penitenciária e na Serrinha também têm bastante”.
A legislação não proíbe a realização de bailes funk e, desde 2013, a Comissão de Cultura reconhece o ritmo como “manifestação cultural popular digna do cuidado e proteção do Poder Público” por meio do Projeto de Lei 4124/2008. O texto é do deputado Chico Alencar (Psol-RJ) e assegura aos artistas do gênero o respeito aos seus direitos, e ao movimento funk, a livre realização de suas atividades e de manifestações como festas, bailes e reuniões.
As regras são as mesmas para qualquer outro tipo de festa. “A polícia não é contra o funk. Qualquer evento pode acontecer, seja funk, rock ou jazz, desde que a licença seja obtida”, explica a delegada. Os documentos exigidos para ter a permissão são um contrato assinado com uma empresa de segurança cadastrada na Polícia Federal, um comprovante que garanta a presença de uma ambulância médica no local e, no caso de montagem de palco, o alvará de liberação do Corpo de Bombeiros. “O pessoal às vezes ainda acha caro. A licença da Policia Civil é 18 ou 19 reais, independente do evento ser para 500 ou 5 mil pessoas”. Além da licença da Polícia Civil, o organizador precisa de um alvará da Prefeitura de Florianópolis.
A Favela do Siri acha caro?—?pelo menos o “dono do baile” de lá acha. “Precisa ter um monte de bagulho. Ela (delegada) fala que é pra ir lá só pegar alvará, mas quando chega lá tem um monte de coisa. Nunca tentei e nem quero tentar. Não tem como. Eu nunca vou ter um local que combine com as características que ela quer, entende?”, reclama o organizador que também prefere não ser identificado. Morador há quatro anos na comunidade, diz ser o único que promove baile funk no local: “Aqui no Siri só eu que faço. Tenho um acordo com a comunidade, com o corre e com o tráfico. Eu tive a ideia, então só eu posso fazer. Existe uma gravação desse acordo e o pessoal respeita”. Ele conta que largou o tráfico de drogas há dois anos para trabalhar com funk e hoje lucra cerca de três mil reais por cada baile que realiza no Siri. “Tiro uns cinco mil por semana, quase 30 mil por mês. Só que tenho que pagar várias coisas, promoter, divulgação, som… Pra mim, de lucro mesmo, fica uns três mil reais limpo”.
O “Baile do Siri” aparece na relação dos dez últimos bailes interditados pela Polícia Civil em Florianópolis no primeiro semestre de 2016. A festa que seria realizada no dia 22 de abril foi interditada horas antes de começar. “Nós recebemos muitas denúncias e estamos ligados em vários grupos que costumam organizar festas pelas redes sociais. Mas a maioria é denúncia. A própria comunidade denuncia. E nós sempre procuramos agir antecipadamente, e não chegar quando o evento já está ocorrendo, com muitas pessoas no local”, afirma a delegada. Ela diz que a abordagem é feita de forma pacífica e que, geralmente, consegue entrar em acordo com o responsável para que transfira a data do evento de forma legal.
O dono do Baile do Siri conta que, nesse mesmo dia, transferiu a festa para o Morro da Penitenciária e não teve prejuízo. “A delegada me proibiu de fazer aqui. Eu liguei pro mano lá do Morro e fiz lá na Penita. Já tinha dado cinco mil reais adiantado pro MC G15, não ia sair no prejuízo. Tive só três horas de divulgação e bombou. Foi um dos melhores bailes que eu já fiz”, revela o organizador. Ele diz que os bailes em Florianópolis são sempre realizados em comum acordo com todas as comunidades e que “o pessoal sempre se ajuda”: “Vários coronel, sargento, capitão da PM me ligando, dizendo que não ia ter o baile porque eu não tinha alvará. Nem dei bola. Posso fazer em qualquer outro morro aí, aqui é tudo fechamento. Os gurizão só falam: vem, o morro é teu. Daí fiz lá”.
As casas noturnas do norte da ilha vêm sendo uma das alternativas encontradas por quem prefere arcar com os custos e formalizar as exigências da Polícia Civil. “Agora muitos estão ocorrendo em baladas fechadas ou estabelecimentos que já têm toda a documentação e, inclusive, tem acústica”, diz a delegada. Mesmo assim, ela garante que, independente do local, o número de ocorrências é maior para festas relacionadas ao funk. “O norte da ilha é a região que mais incomoda com isso. Recebo muitas denúncias. E pela minha experiência de já ter trabalhado por lá algum tempo, posso afirmar que quando o evento é de funk, o número de ocorrências é maior do que, por exemplo, um sambão ou dia de sertanejo ou jazz. Não sei atribuir o motivo disso e também não sei se é questão de organização”.
No ano passado, uma ação da Gerência de Fiscalização de Jogos e Diversões interditou uma festa que aconteceria em um estabelecimento da Avenida das Rendeiras, na Lagoa da Conceição. O evento havia sido divulgado como baile funk e, segundo a delegada, o proprietário da casa não tinha os documentos atualizados. “Aliás, lá houve uma tentativa de homicídio com os seguranças realizando disparos com arma de fogo, bem no dia de funk. Inclusive esse inquérito policial já foi concluído e encaminhado ao judiciário”. Ela afirma que não existe nenhum tipo de preconceito musical por parte da polícia e que o procedimento é o mesmo em qualquer tipo de evento. “Nós não temos nada contra o funk. Tanto é que já foram feitos bailes em locais que estavam tudo certinho e a gente autorizou. Estamos fazendo nosso papel de orientar. Se não for pelo bem, vai ter que ser pelo mal. E eles estão sentindo na pele agora com as interdições”.
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Fonte: Zero Jornal.