Por Elissandro dos Santos Santana, Denys Henrique R. Câmara e Rosana dos Santos Santana.
O episódio de Orlando, nos EUA, com o assassinato de 49 seres humanos na boate Pulse, por questões homofóbicas e outros elementos motivadores que, todavia, estão sendo investigados pelas autoridades estadunidenses, não é um fato isolado, dado que o ódio dizima LGBTS em várias partes do Planeta.
As matrizes fomentadoras do ódio e da intolerância são múltiplas e se alimentam em fontes diversas, que vão desde o fundamentalismo, ao radicalismo, à apatia, elementos presentes em práticas e discursos pertencentes a crenças conservadoras e sectárias que disseminam a rechaça à diferença, à diversidade e à pluralidade no campo das ideias e das constituições dos seres que habitam o Planeta. As forças antiprogressistas, hodiernamente, tomam corpo e ocupam espaços na política em diversos países do mundo, silenciando e vetando discursos de respeito à pluralidade da existência humano-ambiental.
Diante de forças conservadoras demolidoras da pluralidade, os setores mais progressistas das sociedades em todos os países e nações do Planeta precisam unir forças, para que, assim, em uma imensa comunidade planetária, possam apresentar alternativas que desestabilizem a cultura do ódio, da opressão e da aversão ao diferente.
O ódio, além das fontes nas quais se alimenta como já fora mencionado, encontra guarida em arcabouços culturais como o machismo, o racismo, a violência, a homofobia e em outras patologias do pensar e do agir. Tendo em vista essa questão, a alternativa mais viável e concreta para barrar a proliferação de estruturas mentais não ecológicas é uma educação que comporte a diversidade da existência e possibilite o nascimento da mente ecológica para uma Ecologia da Mente. Para uma educação nessa vertente, há que se desinstalar a escola atual, haja vista que ela nada mais é do que aparelho ideológico a serviço do Estado e, estando a serviço do Estado, desempenha, em muitos aspectos, ainda que se veja libertária, um papel conservador, dado que o Estado, em muitas partes do mundo, está refém dos desejos e projetos dos grupos opressores que elegem seus representantes governistas nas casas legislativas e, às vezes, no poder executivo, dependendo do modelo adotado por cada país.
Para entender a necessidade de uma sociedade sem escolas (entenda-se como crítica à inoperância das escolas atuais e não como destruição da instituição), pode-se recorrer ao que apresenta Illich (1985): O paradoxo das escolas é evidente: quanto maiores os gastos, maior sua destrutividade dentro e fora de casa. Este paradoxo deve tornar-se assunto público. Admite-se geralmente, agora, que o ambiente físico será em breve destruído pela poluição bioquímica, a não ser que invertamos as tendências atuais de produção de bens físicos. Dever-se-ia reconhecer também que a vida social e pessoal está ameaçada igualmente pela poluição Saúde, Educação e Bem- Estar, o inevitável subproduto do consumo obrigatório e competitivo de bem-estar.
Somente após a desinstalação das escolas, poder-se-á reinventar a forma de educar e, a partir dessa reinvenção, surgirão processos de educar, em linhas libertadoras e de complexidade, que propiciem aos seres humanos a capacidade da análise complexa, do todo, de forma holística, dando condição de autoanálise em relação às cadeias mentais não ecológicas nas quais muitos se encontram.
Já que se mencionou a Ecologia Mental como arma da escola que precisa ser construída para a libertação do pensar, torna-se oportuno trazer à tona uma discussão aprofundada em torno do conceito de Ecologia. Para início, pode-se externar que a Ecologia é, por natureza, plural, segundo Ribeiro. Nesse sentido, pode-se recorrer ao referido teórico, quando ele pontua o seguinte: A ecologia é plural. É um equívoco e uma visão reducionista considerar a Ecologia no singular. Há muito ela deixou de ser um único ramo das ciências biológicas. Hoje, são dezenas de campos das ciências ecológicas presentes nas ciências naturais, humanas, sociais, políticas, econômicas, na cultura e nas artes, nas filosofias e nas tradições. A Ecologia teve origem na biologia e estudava o relacionamento de bichos e plantas com seu habitat natural.
A partir da amplitude da Ecologia, surgiram a Ecologia Mental, a Ecologia Social, a Ecologia Pessoal, a Ecologia Ambiental, dentre outras. Dado a complexidade do termo Ecologia Ambiental, faz-se imprescindível compreender temas como sustentabilidade, preconceito, intolerância, extremismo religioso e outras questões nesse âmbito, pois tudo isso interfere, diretamente, nas arquiteturas mentais societárias.
Acerca do termo em discussão, Boff (2015), pontua: O estado do mundo está ligado ao estado de nossa mente. Se o mundo está doente é indício de que nossa psique também está doente. Há agressões contra a natureza e vontade de dominação porque dentro do ser humano funcionam visões, arquétipos, emoções que levam a exclusões e a violência. Existe uma ecologia interior, bem como uma ecologia exterior que se condicionam mutuamente.
Partindo-se do pressuposto apresentado acima, por Boff, teólogo-ecólogo bastante respeitado, nacional e internacionalmente, é possível fazer leituras em torno da relação que há entre a homofobia e preconceitos (no sentido lato sensu do termo) e insustentabilidades do pensar que geram violência. Para ampliar a percepção em torno da relação direta entre preconceito e insustentabilidade do pensar, pode-se recorrer a Torán (2014), quando apresenta o seguinte: A sustentabilidade é um conceito muito importante na ecologia que tem que ver com a prosperidade dos sistemas biológicos. No contexto do ecologismo, se trata de satisfazer nossas necessidades atuais sem sacrificar a capacidade que terão as futuras gerações para satisfazerem as suas. Trata-se de empreender ações de forma responsável e respeitosa com o meio ambiente, porém, não somente hoje, mas, também, pensando no amanhã. (Tradução nossa).
Para compreender em profundidade o que é a Ecologia Mental, faz-se necessário retomar uma discussão que, até certo limite, fora apresentada em parágrafos anteriores, a noção de que o ser humano e todos os seres que residem neste Planeta formam a comunidade de vida e de interações na Terra. Nesse sentido, levando-se em consideração o fato de que somos seres de interação, entre nós, deveria prevalecer a consciência da partilha, do cuidado e do afeto e não o contrário, mas, infelizmente, por conta dos sistemas operantes capitais selvagens, nada cooperativos, o ser humano desvinculou-se da pertença à natureza e, dessa forma, perdeu a noção de que tudo está interligado e que ações isoladas desencadeiam consequências em rede. Nesse âmbito, é oportuno retomar Boff (2012), ao pontuar que o ser humano é aquela porção da Mãe Terra que, num momento avançado de sua evolução, começou a sentir, a pensar, a amar, a cuidar e a venerar. Nasceu, então, o ser mais complexo que conhecemos: o homo sapiens sapiens. Por isso, segundo o mito antigo do cuidado, de húmus (terra fecunda) se derivou homo/homem e de adamah, em hebraico (terra fértil), originou-se Adam – Adão (o filho e a filha da Terra).
Ainda, conforme afirma Boff (2012): Por causa da consciência e da inteligência, somos seres com uma característica especial: somos espirituais, éticos e responsáveis. A nós foi confiada a guarda e o cuidado da Casa Comum. Melhor ainda: a nós cabe alimentar veneração e respeito que devemos à nossa Mãe Comum. Nada devemos fazer que a ofenda e lhe negue a dignidade. Estas atitudes irão garantir diretamente a sustentabilidade da Mãe Terra.
As noções de Boff coadunam, em muitos aspectos, com o que apresenta Betto (2012) no livro “A obra do artista: uma visão holística do Universo”, no capítulo “O ser humano, uma obra-prima”, quando este menciona que, antes do parto, ali estávamos há meses, abrigados no útero materno. Perdura em nós certa nostalgia daquele espaço-tempo de pura fruição e nutrição, quando se formaram os nossos órgãos, a delicada cartilagem que se tornaria o nosso esqueleto, os membros e a cabeça que, além do cérebro, guarda sete janelas de quatro dos cinco sentidos. Terra e semente regadas à ternura. Antes que emergisse a nossa consciência, já éramos na consciência de nossos pais. Não só projeto, mas também ato; não só verbo, mas também carne, em gestos e sussurros que unem corpos e espíritos, e fazem do amor sedutora liturgia, cujos signos arranham delicadamente o silêncio, reviram a morte pelo avesso e irrompem em êxtase, trazendo, na perda de si, o encontro com o outro. Ali brotou o nosso ser.
A partir de Leonardo Boff e, também, de Frei Betto, é possível recorrer às noções do saber cuidar do próprio Leonardo Boff, pensando o cuidado como o elemento central da existência de manutenção da vida em todos os campos e esferas. Ao refletir sobre o cuidado, é possível efetuar intersecções com a arquitetura mental ancorada em ódio à diferença e à diversidade de todas as formas de ser e atuar no mundo do Outro e, ao fazê-lo, pode-se pensar a Ecologia Mental como área capaz de romper com o egoísmo das ações do ser que não pode se ver isolado, mas como parte integrante de uma peça maior, a teia da vida.
A guisa de considerações finais, pode-se apresentar que a Ecologia Mental é um instrumento que possibilita a higiene mental e, diante disso, viabiliza-se a quebra de preconceitos, contrariando aquela famosa citação atribuída a Einstein, a de queé mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
A partir da higiene mental, um dos matizes da Ecologia Mental, o novo ser humano empodera-se e coloca em prática o que pontua Torán (2014): aceita o desafio de ser consciente das diferentes formações mentais (pensamentos, emoções, imagens e sons mentais, e sensações físicas associadas, que normalmente se cruzam e atuam sem serem reconhecidas, e sem que seja capaz de separá-las em seus diversos componentes). Permanece alerta ante os pensamentos e emoções tóxicas que possam danificar às outras pessoas e a si mesmos. Adquire consciência de que o ego se esconde atrás de todos os conteúdos tóxicos que a própria mente é capaz de gerar e trabalha arduamente para ser consciente disso e não se deixar levar pelas armadilhas. Aceita a oportunidade de responder em vez de reacionar. Ante um estímulo, não se permite responder automaticamente, como se fosse um robô. Torna-se cônscio de que reacionar pode gerar vários danos. Torna-se responsável por responder de uma forma mental e emocionalmente ecológica, com a consciência de que as próprias ações beneficiarão a todos e não somente aos próprios interesses. Assegura-se de que as próprias ações não causarão danos nem a si mesmo nem a ninguém, no presente e no futuro. Aceita a tarefa de trabalhar para o crescimento pessoal, eliminar hábitos negativos e adquirir qualidades que possam beneficiar a todos. Por fim, toma a responsabilidade de dirigir a própria vida, dando-lhe sentido, rumo e valores, criando caminhos que permitam chegar aos objetivos.
A Ecologia Mental, por meio da higiene da mente, contribuirá para que o ser humano faça a reforma do pensamento e desconstrua a arquitetura de desrespeito à diferença. Acerca da necessidade da reforma do pensamento, é profícuo apoiar-se no que afirma Morin (2003) quando ele diz que todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma reconstrução, a partir de sinais, signos, símbolos, sob a forma de representações, idéias (sic), teorias, discursos. A organização dos conhecimentos é realizada em função de princípios e regras que não cabe analisar aqui; comporta operações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). O processo é circular, passando da separação à ligação, da ligação à separação, e, além disso, da análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese.
Diante da nova arquitetura mental que se reforma e se renova, arvorada nas necessidades sociais, sustentável nas bases, fatos como o de Orlando ficarão, somente, na memória e, dessa forma, a história despontará como campo de reflexão para orbitar o passado com vistas à construção de futuros de esperança, com a destituição da cultura da homofobia-machismo-racismo-intolerância.
Referências bibliográficas
BETTO, Frei. A obra do Artista: uma visão holística do universo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
____________. A grande transformação: na economia, na política e na ecologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
____________. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres: dignidade e direitos da Mãe Terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
RIBEIRO, Maurício Andrés. As ciências ecológicas. Acesso em 13 de junho de 2016. http://www.ecologizar.com.br/docs/01_as_ciencias_ecologicas.pdf
TORÁN, Félix. Ecologia Mental para Dummies. Barcelona: Grupo Planeta, 2014.
1 Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
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2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
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3 Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia.
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Fonte: EcoDebate.
Imagem: http://meioambiente.culturamix.com/ecologia/conceitos-a-respeito-de-ecologia