Iêmen, uma invasão ignorada

Por Tali Feld Gleiser, Madrid, para Desacato.info.

O Portal Desacato esteve na palestra- colóquio ” Iêmen, uma invasão ignorada”, que aconteceu num sábado gelado da primavera madrilenha, na sede  da ONG Muçulmanos Pela Paz. Duas palestrantes  de grande nível expuseram seus conhecimentos sobre o assunto: A cientista política, de origem persa Nazanin Armanian e refugiada em Barcelona, abriu a palestra. A fundadora da ONG Solidários sem Fronteiras, a catalã Eva Erill, fechou uma manhã comovedora.

Eva Erill e Nazanin Armanian
Eva Erill e Nazanin Armanian

O Iêmen é um pequeno país, com uma localização estratégica no sul da península arábica. A Arábia  Saudita não tem acesso direto aos três pontos estratégicos da área:  Estreito de Ormuz, Golfo  de Áden e Bab-al-Mandeb e esse fato constitui um fator determinante na vida do país mais pobre do Oriente Médio, governado por uma élite incompetente rodeada de petromonarquias reacionárias. Trata-se de luta de classes e laços tribais que predominam sobre a afiliação religiosa. O sectarismo tem a ver com a fratura social e política do país, e do jogo de alianças das potências regionais e mundiais, e não a sua causa.

A guerra de agressão contra o Iêmen tem a ver com a sublevação dos hutis, que em 2014 entraram em Sanaá, capital do país, embora os distúrbios recentes começaram em 2011. O Iêmen foi palco de um dos capítulos das (mal) chamadas primaveras árabes, que foram sublevações populares de sucesso até que Ocidente e seus aliados árabes viram que esse tipo de protesto não lhes convinha.

O levantamento de 2014 começou pelo aumento do preço da gasolina. Os hutis, xiitas iemenitas, defendem historicamente uma maior autonomia para o norte do Iêmen. Muitos meios apresentam a guerra como se fosse um conflito regional, mais um entre xiitas e sunitas, e uma luta pela hegemonia entre potências regionais, em especial a Arábia Saudita e o Irã.

Trata-se de um a simplificação enganosa; primeiro, porque ignora que existem governos geograficamente  alheios à região que fazem parte desta guerra;  segundo,
porque mais uma vez utiliza o esquema já esgotado de “xiitas  vs.  sunitas”   –funcional aos interesses  imperiais;  e terceiro,  porque não faz sentido adjudicar a corresponsabilidade ao Irã por  este  conflito bélico iniciado pelo regime saudita contra a população iemenita e a sua resistência (em relação a essa influência do fator religioso e iraniano é bom salientar que o xiismo huzi é da confissão zaidi,  dissidente do xiismo persa).

Os atores principais no atual conflito bélico do Iêmen, além do povo iemenita que sofre a intervenção externa,  são: pelo lado agressor, a coalizão formada pela Arábia Saudita e uma série de países árabes e africanos (Emirados Árabes Unidos  – que está se retirando do conflito-, Kuwait, Bahrein,  Catar, Egito, Jordânia,  Marrocos,  Senegal, Sudão e Paquistão),  sem esquecer do apoio logístico e  armamentístico dos Estados Unidos, Israel e a  Turquía, nem a participação dos  mercenários da Blackwater-Academi (substituidos mais tarde pelos da DynCorp por causa das suas quantiosas baixas), e a dos  terroristas  de Al Qaeda e o Daesh (também conhecido como Estado Islâmico).

Interesses dos agressores

O enfraquecido regime saudita, minado por disputas internas na família governante, quer garantir a sua hegemonia  regional virando o guardião da área e  com o domínio político-militar sobre o destino do Iêmen, cuja ‘segurança’ é inseparável da ‘segurança’ dos xeques sauditas. Isto também busca evitar o auge do xiismo no Iêmen, que poderia incentivar os outos xiitas na região (particularmente no Bahrein e na própria Arábia Saudita).  Ter domínio sobre o Iêmen significa controlar o Mar Vermelho e ter uma saída direta para o petróleo saudita (a Arábia é o primeiro exportador de petróleo -não primeiro produtor- e não controla a saída do combustível.)

Outro objetivo previsto era dar um  golpe à aproximação entre EUA e o Irã, na reta final das negociações nucleares, objetivo com o qual Israel se identificava. Ao mesmo tempo, o governo    saudita puniria o Iêmen por se recusar a permitir  a construção de um gasoduto desde a Arábia Saudita até o porto de Áden.

Os iemenitas, por sua situação de pobreza e a dificuldade para imigrar à Europa ou outros continentes, migram fundamentalmente para a Arábia Saudita, fato que esse país também quis impedir com a invasão.

É bom lembrar que Barack Obama leva vários anos atacando o Iêmen, matando supostos terroristas e dezenas de civis através de drones, como foi denunciado pela ONG  Human  Rights Watch, uma ONG sempre próxima dos EUA. O ascenso dos xiitas alteraria o equilíbrio  da religião de forma negativa para os estadunidenses devido a que o hutis poderiam estabelecer um governo aliado do Irã e a Rússia. E mais ainda, quando os hutis se declararam contrários aos Estados Unidos e Israel.

 

 

Emergência humanitária

Eva Erill, da ONG espanhola Solidários Sem Fronteiras, se (nos) emocionou ao falar da situação do país.

21 dos 26 milhões de iemenitas precisam hoje em dia de ajuda para comer, ter acesso à água ou medicamentos. O país está praticamente colapsado porque além da invasão saudita e aliados, o Iêmen está completamente bloqueado.

2,5 milhões de iemenitas são deslocados internos. Mais de 7.000 morreram e quase 40.000 ficaram feridos, produto dos bombardeios.

Por que o Iêmen?

As crianças

A cada dia morrem o são mutiladas 10 crianças. Mais de 3000 escolas têm sido bombardeadas e 10.000 crianças morreram por doenças derivadas da falta de alimentos e água.

crianças

fome

Solidários sem Fronteiras

A ONG ainda não fez um ano. Com a invasão do Iêmen por parte da Arábia Saudita, Eva Erill começou a receber mensagens pelo celular de seus conhecidos no Iêmen, que estavam no desespero. Eva decidiu que era hora de fazer alguma coisa e decidiu fundar Solidário sem Fronteiras, junto com uma pessoa conhecida no país árabe.

SOLIDARIOS SEM FRONTEIRAS

Missão

Hoje eles continua sendo poucos, mas o trabalho é gigantesco. A sua filosofia não é fazer caridade, mas dar oportunidades. Eles não dão esmola, lutam por um mundo mais justo.

  • a luta contra as desigualdades e a pobreza
  • a proteção das crianças e as mulheres de forma prioritária
  • o  incentivo da solidariedade e a justiça social

Projetos

  •  Ajuda alimentar para famílias e pessoas que “moram” no campo de refugiados de Amram.
  • Água potável.
  • Reconstrução de casas na Ilha de Socotra (Iêmen), que sofreu dois furacões em novembro passado, além de sofrer o bloqueio e as consequências da invasão saudita e aliados árabes e ocidentais.

Transparência

Solidários sem Fronteiras realiza seus projetos através de donativos e a transparência tem sido uma preocupação desde o começo. De cada ação há prestação de contas, além das fotos correspondentes.

Além dos donativos, as pessoas podem comprar alguns dos seus produtos solidários.

Qualquer pessoa que tenha um cartão de crédito ou débito pode ajudar nesta causa que a mídia não mostra e que, pelo acontecido até agora, continuará escondida. Por isso, o Portal Desacato cumpre com a sua obrigação de dar visibilidade àqueles que não tem as suas vozes escutadas, seja onde for.

Para quem quiser saber mais sobre Solidários sem Fronteiras, o site da ONG é http://solidariosinfronteras.org/

Facebook: https://www.facebook.com/solidariosinfronteras/?fref=ts

Twitter: @SolidariosSF

Referências

Iêmen, uma invasão ignorada

Os 25 objetivos dos EUA e a Arábia no Iêmen

La Vanguardia

 

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