Por Luís Eduardo Gomes.
Desde o dia 23 de maio, a Prefeitura de Porto Alegre bloqueou totalmente a Av. Dique em razão das obras de ampliação da Av. Severo Dullius. O objetivo é que, concluído o projeto, a nova via seja capaz de desafogar o trânsito da Zona Norte e no acesso à Capital. No entanto, enquanto isso não acontece – a expectativa é que os trabalhos só sejam concluídos no final de 2016 -, os moradores da Vila Dique, localizada à esquerda da Severo Dullius e do aeroporto, estão isolados, necessitando pegar dois ônibus e dar uma grande volta para chegar à escola, ao posto de saúde, aos hospitais, mercados e outras estruturas básicas que ficavam a poucos minutos de ônibus e até a pé.
Até o início das obras de ampliação da Av. Severo Dulius, a Av. Dique era a única ligação da Vila Dique com a Av. Sertório. Pelo menos quatro linhas de ônibus poderiam ser utilizadas pelos moradores para se deslocar. No entanto, com o bloqueio da avenida, que será extinta por cruzar um terreno da Infraero, os trajetos dos coletivos foram modificados.
Segundo Magda Duarte, 55 anos, o trajeto que antes levava cerca de cinco minutos agora dura pelo menos uma hora e necessita de dois ônibus. “A pé é muito mais rápido, chegamos sempre antes que o ônibus. Toda a vida. Porque ele faz um voltão para chegar na Sertório”, afirma.
Para a realização das obras, o trânsito foi modificado na BR-116, nas avenidas Sertório, dos Estados, Farrapos e Ceará, e ruas Dona Margarida, Edu Chaves e 18 de novembro. Foram afetadas as linhas 705 – Indústrias, 705.1 – Indústrias/Severo Dullius, B02 – Leopoldina/Aeroporto e a B09 – Aeroporto/Iguatemi. Também foi criada a linha A05 – Terminal Trensurb/Indústrias, com viagens das 5h45 às 20h.
Por enquanto, os moradores ainda podem acessar a Sertório a pé. Para isso, precisam contornar um monte de terra e passar por uma parte da obra. No entanto, a Infraero já está em processo de finalização do muro que cerca o seu terreno. Segundo Magnos Basílio, um dos engenheiros da obra, a Av. Dique deve ser fechada permanentemente já nos próximos dias pela Infraero.
Estudar como?
Larissa Moreira, 14 anos, 9º ano, estuda em uma escola no bairro do IAPI. Com o bloqueio da Dique, ela precisa sair de casa às 6h30 para conseguir chegar antes das 8h20, quando começam suas aulas. “Eu pegava um B09 e descia na Sertório. Antes levava uns 30 minutos. Agora [tendo que pegar dois ônibus], levo quase duas horas”, diz.
O B9 agora passa apenas próximo ao terminal Aeroporto do Trensurb. Para chegar lá, precisam pegar um ônibus novo, o Alimentadora – A05. Larissa acrescenta, porém, que outro grande problema é o tempo de espera entre cada coletivo.
Do outro lado da Sertório, há três escolas estaduais de Ensino Médio que recebem os moradores da vila: Professor Ernesto Tocchetto, Aurélio Reis e Sarmento Leite. “As crianças usavam um ônibus e em dois minutos estavam lá”, diz Scheila Motta da Silva, 45 anos, presidente da Associação de Moradores da Dique (Amodique).
Magda reclama que isso dificultará, muito, a ida de seu filho, de 12 anos, à Aurélio Reis, localizada a apenas cerca de 2 km da Vila Dique em linha reta. Com o bloqueio da avenida, ela afirma que o garoto precisa sair de casa às 6h para conseguir chegar à escola no início da aula.
Como a parada mais próxima agora está localizada no início da Av. das Indústrias, a cerca de 100m da entrada da vila – antes ficava junto à entrada da comunidade -, Magda explica que tem medo de deixar seu filho sair de casa ainda de madrugada. “Seis da manhã ele já tá saindo. Tá escuro e às vezes eu tenho medo. Às vezes eu não deixo. Eu digo para ele espiar para ver se tem gente na parada. Se não tiver, eu não deixo”.
Nesta terça, o menino ficou em casa. “Daqui uns dias eu não vou mais mandar o meu guri para o colégio. O conselho tutelar que venha pegar no meu pé”, diz Magda.
Contornar as obras da Severo Dullius ainda é uma alternativa para os estudantes, mas apenas por mais alguns dias. “Vai ser pior ainda. Quem puder vai continuar estudando”, diz Scheila Motta.
Os moradores chegaram a pedir para a Infraero que um caminho fosse mantido para acesso a Sertório, mas não tiveram sucesso. “Pedimos que nos cedessem um espaço até terminar a Severo Dullius. Só que a Infraero nem cogitou a possibilidade, mesmo indo a pé”, afirma a líder comunitária. “Eu acho que não há lei que ampare jovens que precisam pegar dois ônibus para ir para escola, ter que levantar 5h da manhã. Os horários dos ônibus também foram reduzidos. Isso também prejudica bastante a comunidade. O ônibus que vai para o Centro leva 1h30. Os ônibus da linha que leva as crianças para a escola e algumas pessoas que trabalham na Assis Brasil, o último horário é às 22h. E tem gente que estuda de noite e volta a pé, de bicicleta, enfrentando o barro”, afirma.
Saúde ficou mais longe
Outra dificuldade causada pela obra é a questão do acesso ao posto de saúde. A comunidade está há cinco anos sem um posto próprio – desde que grande parte dos moradores foi reassentada na Vila Nova Dique, no Porto Novo. O mais próximo está localizado no bairro Jardim Floresta, que antes estava a uma distância de cerca de 5 minutos de ônibus. “Agora não tem como chegar. Temos que pegar dois ônibus para ir, o Alimentadora e outro perto do Trensurb. Hospital, a mesma coisa”, afirma Scheila, referindo-se ao Hospital Conceição, que também ficou separado da Dique pelas obras na Severo Dullius.
“Ontem, eu levei duas horas, certinho, para ir no dentista [localizado no posto de saúde na Nova Dique]. Saí meio-dia e chegamos lá 14h. Voltamos era 18h”, afirma a estudante Larissa.
Magda ainda relata que há moradores da Dique que dependem de ambulâncias para serem levados ao Hospital Conceição para realizarem sessões de hemodiálise, além da dificuldade de acesso em casos de emergência. “Ambulância, com essa tranqueira, quando chegar aqui está morto. Antes vinha normal”, diz Magda, acrescentando que os moradores não receberam nenhum aviso da Prefeitura antes do início das obras. “O que me dá raiva é que eles não avisam. É como se a gente não existisse”.
Trabalho prejudicado
Scheila Motta diz, no entanto, que o principal transtorno causado pelas obras recai sobre os recicladores e catadores que trabalham de carroça e não podem transitar pela BR-116. Como não há outro acesso para a Sertório, eles ficam praticamente impedidos de acessar a região, de onde retiravam boa parte de sua matéria-prima.
“A comunidade da Vila Dique é basicamente formada por recicladores e catadores e isso já está prejudicando. Já estão começando a passar fome. Tá começando a escassear o alimento, porque eles juntam o material, reciclam e vendem para trazer o alimento para suas casas, para sua família”, diz Scheila, que também trabalha na reciclagem.
Mas os transtornos se estendem para quem trabalha em outras áreas. Arlindo Correia, 55 anos, tem um armazém na entrada de Vila Dique e também faz bicos de pedreiro, como pequenas reformas e colocação de azulejos. Desde o início da obra, ele diz que não tem conseguido mais fazer seus bicos devido à dificuldade de locomoção. “Não estou pegando nada agora”, diz.
Ele também afirma que fornecedores de seu armazém estão reclamando que se tornou um transtorno muito grande ir até a comunidade para fazer a entrega de produtos. Para piorar, com as dificuldades geradas pela obra para os moradores que trabalham com a reciclagem, ele diz que seu faturamento já caiu cerca de 20%. “A gente é uma comunidade que vive da reciclagem e não deixaram nenhuma passagem”, afirma. “Antes, toda semana saíam em torno de oito caminhões com materiais reciclados. Agora não saem nem dois”.
Eugênio Borges, 46 anos, que trabalha recolhendo e levando materiais para a reciclagem, confirma que o volume de trabalho já caiu bastante desde o início das obras. “Diminuiu quase 50% do serviço. O caminhão às vezes vinha duas vezes por dia nas terças, quintas e sábado. Agora está vindo só um na quinta e outro no sábado para recolher o lixo”, afirma.
José Vilson, 31 anos, 15 morando na Dique, tem a sorte de ter uma moto, com a qual se locomove diariamente até a Zona Sul, onde trabalha como serralheiro. Mesmo assim, ele não escapa de um revés. Sua mulher trabalha como camareira no bairro Sarandi, cujo acesso também era feito via Av. Dique. Agora, ou ela precisa pegar dois ônibus para fazer um trajeto que antes era curto ou ele tem que levá-la no trabalho antes de ir para a Zona Sul.
Arlindo ainda afirma que todos os dias os moradores têm precisado negociar com os responsáveis pela obra da Severo Dullius para conseguir contorná-la e ir ao mercado, por exemplo. Geralmente, só conseguem ir depois das 18h, quando o turno dos operários se encerra, mas já é noite. “Como eles querem que a gente viva? Eles querem massacrar a comunidade”, diz.
Nesta quarta-feira (8), ocorrerá uma reunião dos moradores da vila com representantes da Defensoria Pública para discutir a situação do comunidade. Caso não sejam apresentadas soluções, os moradores já conversam sobre a possibilidade de realizar um protesto com bloqueio da Freeway. Eles também estariam planejando protestos para a frente da Prefeitura e do Palácio Piratini.
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) confirma que a Av. Dique deixará de existir por causa das obras de ampliação da Severo Dullius e do aeroporto Salgado Filho. Também informa que não há alternativa possível para facilitar a ligação dos moradores da Dique com a Sertório, uma vez que a única rota alternativa possível para ligar os dois pontos é a Av. Ceará, localizada há cerca de 5 km do início da comunidade.
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