Por Leonardo Soares.
Nunca antes a política se encontrou tão desgastada. Nunca o ato político foi tão mal visto, tão insistentemente associado a aspectos negativos da vida social. Chegou-se ao ponto em que candidatos a cargos políticos (seja de vereador de uma cidadezinha do sertão piauiense até o de presidente dos Estados Unidos) escolham como uma das plataformas de sua campanha política, falar mal e demonizar a política e os políticos. E muitas das vezes sendo bem sucedidos junto ao público eleitor.
De onde teria vindo tanta repulsa?
Uma breve consulta a diversos dicionários exemplifica bem esse mal-estar. É mais do que comum vermos nesses registros a palavra POLÍTICA figurar junto a companhias constrangedoras, para dizer o mínimo. Com exceção daquelas definições mais insossas, a palavra é associada a vários termos pejorativos.
A política é vista com desconfiança pelo cidadão; a política não é mais pensada e reconhecida como uma experiência da vida social cujo exercício cotidiano se volta para a satisfação das necessidades da população e da sua felicidade, o maior bem comum que possa existir.
Muito pelo contrário.
A política é vista pela ótica do ardil. O paradigma platônico (e por que não dizer, aristotélico também), da política como meio de satisfação da felicidade e da efetivação do reencontro do cidadão com a República (ou Cidade), virou letra morta. O tempo cuidou de transformar esse ideal de virtude do cidadão ateniense, em vestígio caricato de um tempo perdido, cuja existência é tão questionada como a nunca achada ilha de Atlântida.
Esse paradigma foi sendo implodido ao longo séculos, já sendo desidratado desde a assertiva de Santo Agostinho (“O poder corrompe”). Mas não deixa de ser curioso observarmos que mesmo na Idade Média o termo Política ainda se encontrasse revestido de certa áurea; em torno dele gravitavam uma série de conceitos e qualificativos, todos denotando aspectos positivos e mesmo elevados da vida social. É como se a palavra Política e todo um conjunto de expressões designando virtude fizessem parte de um mesmo sistema, como se a relação entre ambas fosse marcada pela complementariedade.
O “Vocabulario historico-cronológico do português medieval” nos fornece importantes indícios. Ao procurarmos pelo verbete Política, os trechos no qual a palavra está inserida revelam um convívio inusitado:
- a qual virtude imperfeita he chamada politica, moral (…).
- E menos compridoyro he aqueste benefficio em a política governança do mundo.
- As forças, roubos e furtos e enganos que antre as outras naçõoes som estranhadas, ponidas e enjeitadas, antre estes som ávidas por costumes vertuosos, políticos e honestos.
Mesmo na primeira expressão, na verdade, uma indagação, a idéia de que uma “virtude imperfeita” possa ser classificada como “política” não pode ser mais importante do que o próprio fato (inusitado aos olhos de hoje) de que a política possa ser compreendida como uma virtude.
Como todos e todas sabemos, à política e aos políticos estão associados termos e expressões nada elogiosas atualmente.
Uma rápida passada nos dicionários nos revelam alguns lances curiosos. No Priberam Dicionário (http://www.priberam.pt), a maior parte das acepções destacam o conteúdo das relações institucionais entre entes estatais. O elemento societário e individual passava despercebido.
- Ciência do governo das nações.
- Arte de regular as relações de um Estado com os outros Estados.
- Sistema particular de um governo.
- Tratado de política.
- [Figurado] Modo de haver-
se, em assuntos particulares, a fim de obter o que se deseja.
- Esperteza, finura, maquiavelismo.
- Cerimônia, cortesia, civilidade, urbanidade.
Aparecem ali, curtos e diretos, os significados mais usuais: da política como condução das coisas do Estado. A pouquíssima abrangência quando pensamos o que seria o significado da política para os atenienses do tempo de Aristóteles, salta aos olhos. Muitos aspectos passam a faltar nas definições atuais, e na medida em que faltam uma série de questões deixam de ser pensadas. Podemos continuar procurando. Mas é notório também que a definição de número “6” é uma das mais emblemáticas do pensamento geral sobre a política: quase que a expressão de um conjunto de ardis e ciladas a serviço de interesses escusos, próprias de agentes inescrupulosos.
O trecho abaixo foi extraído do Dicionário Caldas Aulete online (http://www.aulete.com.br/):
(po.lí.ti.ca)
sf.
- Arte e ciência da organização e administração de um Estado, uma sociedade, uma instituição etc.
- O conjunto de fatos, processos, conceitos, instituições etc. que envolvem e regem a sociedade, o Estado e suas instituições, e o relacionamento entre eles.
- O gerenciamento de uma dessas instituições ou do conjunto delas.
- O conjunto de conceitos e a prática que orientam uma determinada forma, pré-escolhida, desse gerenciamento.
- Fig.Habilidade para negociar e harmonizar interesses diferentes.
- Habilidade de conduzir ou influenciar o governo pela organização partidária, opinião pública, conquista do eleitorado etc.
- Atuação na disputa de cargos de governo ou nas relações partidárias.
- Conjunto de princípios e opiniões de uma pessoa que constituem uma posição ideológica.
- Fig. Esperteza, astúcia para obter alguma coisa.
Vejam que um verbete ligeiramente mais amplo que o anterior logra apresentar alguns aspectos importantes da política em suas relações. O termo política já figura cercada por palavras/conceitos como gerenciamento, cargos e eleitorado. Palavras que dão bem a medida do crescente tecnificação não só da palavra, mas das próprias experiências nela antes consagradas. Termos/ideias que evocam um gradativo distanciamento, apartamento entre os ditames da administração (gerenciamento) do Estado e os genuínos interesses do corpo da sociedade.
E isso se confirma quando verificamos o significado da palavra político, no Dicionário Priberam, aquela mais diretamente a ela relacionada:
po·lí·ti·co
adjetivo
- Relativo à política ou aos negócios públicos.
- Delicado, urbano, cortês.
- [Figurado] Finório, astuto.
- [Informal] Indisposto com alguém.
substantivo masculino
- Aquele que se entrega à política.
- Estadista.
A política passa a ser tarefa de categoria de especialistas, a dos políticos. E isso é uma concepção muito forte no chamado mundo ocidental.[i][i] Estamos falando de um mal-estar geral. Nada mais estranho à concepção da política como reconciliação, entre o ente civil e republicano do paradigma aristotélico. Onde a finalidade é a satisfação das necessidades vitais e culturais do conjunto dos cidadãos, para o qual deveria estar voltada a administração da República, e não as demandas da política de dominação de um Estado distante sobre a sociedade.
O contínuo afastamento cria um outro problema. Pois a demanda ao Estado (pelos bens que só esse é capaz de gerar) por parte da mesma sociedade também segue a sua marcha, ele se amplifica e se complexifica ao mesmo tempo.
Mas pode-se objetar que se tratam ainda de dicionários do século XX. Sim, e isso é correto. E o que se revela é um quadro profundamente desolador. O simples recuo no tempo não parece tornar as coisas melhores.
No Dicionário Brasileiro Globo Ilustrado, de 1979, é o que lemos sobre POLÍTICA:
Ciencia do governo dos povos; arte de governar um Estado e regular as relações com outros; princípios políticos; tratado de política; maneira hábil de agir em assuntos particulares a fim de obter o que se deseja; civilidade; cortesia; astúcia; artifício.
Nada de muito diferente do que passaríamos a ver nas últimas décadas. Porém o mais impressionante é observarmos o conteúdo das palavras relacionadas ao termo política ou político. É mais de uma dezena de palavras de alto teor pejorativo:
POLITICAGEM: Cortesia; astúcia; artifício.
POLITICALHA: O mesmo que POLITICAGEM.
POLITICALHÃO
POLITICALHEIRO
POLITICALHO
POLITICANTE
POLITICÃO: Grande político; político de fama (Empregado também em mau sentido)
POLITICASTRO
POLITICÓIDE
POLITICOTE: Político sem valor ou sem importância.
POLITIQUEIRO
POLITIQUETE: Mesmo de Politicote.
POLITIQUICE
POLITIQUINHO
POLITIQUISMO
Após tamanho destaque, diante de tal contexto semântico, até o significado de palavras como politização e politicar ficam seriamente comprometidas.
No Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, publicado primeiramente em 1943, depois de ver a palavra Político ser associada a “maquiavelismo”, encontramos como sinônimo de Politicagem: “A súcia dos políticos desavergonhados”.
Recuando radicalmente no tempo, nos deparamos com o Diccionario da Lingua Portugueza de Antonio Moraes, de 1789. Além de “arte de governar”, ele assim define o “Fazer política”:
Subordinar certos actos às conveniências do seu partido ou encaminhal-os no interesse da idea, que se deseja triumphante. Politica mesquinha, facciosa; a que tem por movel baixas paixões e interesses de corrilho, em opposição à dos nobres e levantados caracteres, que só se inspiram no bem da causa pública; Político de barrejo; a dos especuladores, que fazem da política um mercantilismo, um negócio de ganhar.
Sabemos também que as palavras não reinam incontestes no plano divino, como se apenas se alimentassem da abstração pura, sem nenhum contato com a realidade.
Kosellek nos ensina que o sentido de um conceito encontra sustentação num determinado contexto histórico, o qual é atravessado por uma gama variada de processos sociais.
Somos tentados, então, a estabelecermos certas relações. O que nos obriga a precisar melhor esse tal contexto, a que deixemos mais claro sobre que processo é esse de que estamos falando.
Os verbetes dos dicionários demonstram, mais do que um problema de ordem moral, que as ambiguidades inscritas no conceito geral de política expressam uma verdadeira fratura, a quebra dolorosa dos liames entre o Estado e a Sociedade. Estamos diante da constatação de uma crescente separação e distanciamento entre esses dois entes.
Emerge assim a questão: como então pode a Sociedade chegar a esse Estado? Como ela pode reaver o direito ao exercício da política? Como ela pode obter as condições de viabilizar politicamente os meios de satisfação de seus interesses e objetivos?
Tal fenômeno é muito bem esboçado, em suas linhas gerais, por Max Weber em seu “A Política como Vocação”. Não por acaso ele centre a sua reflexão sobre política partindo da realidade do Estado. Mas não uma realidade qualquer.
Aliás, a centralidade do Estado em si não passa despercebido. Para que se entenda esse aspecto é preciso refletir o próprio processo que conduziu a isso. E é extremamente emblemático que Weber compare essa trajetória ao que conduziu ao processo de expropriação de meios de produção que conduziu à consolidação do Capitalismo.
Em toda parte, o desenvolvimento do Estado moderno é iniciado através da ação do príncipe. Ele abre o caminho para a expropriação dos portadores autônomos e “privados” do poder executivo que estão ao seu lado, daqueles que possuem meios de administração próprios, meios de guerra e organização financeira, assim como os bens politicamente usáveis de todos os tipos. A totalidade do processo é um paralelo completo ao desenvolvimento da empresa capitalista através da expropriação gradativa dos produtores independentes. Por fim, o Estado moderno controla os meios totais de organização política, que na realidade se agrupam sob um chefe único. Nenhuma autoridade isolada possui, pessoalmente, o dinheiro que paga, ou os edifícios, armazéns, ferramentas e máquinas de Estado – a “separação” entre o quadro administrativo, os funcionários administrativos e os trabalhadores, em relação aos meios materiais de organização administrativa, é completa. Aqui começa a maior parte da evolução moderna e vemos com nossos próprios olhos a tentativa de estabelecer a expropriação desse expropriador dos meios políticos e, portanto, do poder político.(p. 58)
Processos semelhantes, em quase tudo. Um de ordem econômica, outro de ordem econômica. E que em diversos momentos se cruzaram, fortalecendo um ao outro. E que tiveram como fundamento o uso, a organização e implementação da violência.
Assim como a expropriação dos pequenos produtores independentes, a formação do Estado se valeu extensivamente do uso da violência para promover a exproprição de pequenos “Estados”, príncipes, senhores feudais.
O uso político da violência foi a grande parteira do Estado Moderno. Ela o foi para que este pudesse se organizar em novas bases. Nesse sentido a centralidade não é o seu aspecto fundante, ele é resultado de um longo e exaustivo complexo de lutas, guerras e manobras – todas carregadas de violência – para que o Estado pudesse se constituir. E ele se consitui na medida em que ele fosse capaz de exercer o seu atributo específico na visão de Weber: o monopólio exclusivo e legítimo da violência.
A legitimidade para tanto é fundamental. E é por esse caminho que se desdobra o restante da análise de Weber.[ii] Mas para o que é o nosso objetivo neste texto, é fundamental que frisemos esse aspecto: o Estado buscou – e consegui, de certa maneira – conquistar o monopólio da violência – e assim agindo e ao alcançar tal objetivo, ele foi se constituindo; porém não apenas isso: ao atuar nesses termos, ele não apenas se tornou violento ou tomou para si o exercício do monopólio da violência como objetivo permanente: o Estado Moderno acabou alterando indelevelmente a própria natureza da política. Nesse trecho abaixo, Weber delineia melhor essa consequência:
É claro que a força não é, certamente, o meio normal, nem o único, do Estado – ninguém o afirma – mas um meio específico ao Estado. Hoje, as relações entre o Estado e a violência são especialmente íntimas. No passado, as instituições mais variadas – a partir do clã – conhecem o uso da força física como perfeitamente normal. Hoje, porém, temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território. Note-se que “território” é uma das características do Estado. Especificamente, no momento presente, o direito de usar a força física é atribuído a outras instituições ou pessoas apenas na medida em que o Estado o permite. O Estado é considerado como a única fonte do “direito” de usar a violência. Daí “política”, para nós, significar a participação no poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado.(p. 55-6)
Não apenas a política do Estado para com outros entes e agentes, mas também a política pensada para a gestão e administração desse Estado não pode passar por cima desse fato fundamental: não se trata de qualquer Estado. O domínio sobre esse aparato ganha com isso uma série de peculiaridades. E o seu exercício mais ainda.
O poder sobre o Estado agora, para ser exercido e reconhecido, deve ter sempre em mente que se trata de uma organização voltada para o uso da força e da violência. A política desse Estado assim como a política no interior desse Estado (inclusive a política voltada para a sua conquista ou controle) passa a ter como finalidade primordial exercer o domínio – a partir e pelo Estado – das formas de distribuição, geração e circulação dos meios de poder e exercício legítimo da violência.
E o custo disso sabemos todos nós: esse Estado, essa verdadeira máquina montada para o uso da violência legítima, só pode se constituir – no bojo de todo o processo do qual falamos até aqui – ao mesmo tempo em que se alienou, afastou-se radicalmente da sociedade civil.
Não é por caso que – e esse é o desdobramento que mais nos interessa, na verdade –para esse Estado, boa parte da organização e mobilização dessa violência tenha como alvo precisamente essa mesma Sociedade.
E esse afastamento entre os dois também é parte integrante da reflexão de Weber. Uma cisão que se revela permanente, mas não absoluta, irreconciliável. As relações ainda vigoram, mas extremamente restritas, limitadas, permanentemente policiadas. Mas assim como temos a consagração da ideia do monopólio legítimo da violência, passamos a ter que conviver com outra cristalização desse processo: o exercício quase monopolístico da política no interior do Estado por parte dos políticos profissionais.
Na verdade, a ideia da política como profissão, ou o fato que a sociedade tenha que recorrer, necessariamente, a representantes eleitos para “chegar” ao Estado não é mais do que um resultado natural desse Estado que foi se apartando e foi apartado da Sociedade.
E ao assim proceder foi possível que esse Estado estabelecesse para si objetivos que lhe são inerentes, que pouco ou nada dizem respeito à substância vital da sociedade.
A prioridade para esse tipo de Estado passa a ser as demandas e objetivos de poder de um aparato construído tendo por base o controle e dominação da Sociedade; que a domina e a controla sob a condição de poder exercer sobre ela a violência necessária e legítima.
Em pleno século XVII John Locke demonstrava grande lucidez quanto a esse fenômeno (Hobbes também, mas de outra forma). Em seu “Segundo tratado sobre o governo”, ao tentar definir o que seria o “estado de natureza” (que é o mesmo que o estado de igualdade), ele acaba fazendo uma contraposição ao “estado de guerra”, fundado na desigualdade, e que por isso mesmo, contribui para a emergência do Estado Moderno.
No [estado de natureza] é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguem tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, nascidas promiscuamente a todas as mesmas vantagens da natureza e o uso das mesmas faculdades, terão também de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição.
Desigualdade essa vista por Locke (com profundo pesar) que é indissociável desse movimento de contínuo distanciamento frente à Sociedade. (É possível pensarmos até que ponto se tal distanciamento não é ele mesmo o mecanismo por excelência de instauração da relação de crescente desigualdade entre Estado e Sociedade.)
O que vimos, portanto, naqueles verbetes de dicionários não foram mais do que a constação, de um lado, dessa sepação fundante entre Estado (Moderno) e Sociedade, e, de outro, uma espécie de avalição dessa separação.
Tal avaliação encontra o seu meio de expressão nos termos que visam de certa maneira desqualificar a política e “os políticos”. A esperteza, a malandragem, a astúcia, o ardil, esse amplo conjunto de estigmas e acusações é ele mesmo uma leitura, ou, uma constatação desse verdadeiro “assalto” não apenas do Estado, mas da própria Política por parte dos profissionais, essa categoria que se diferencia do homem e mulher comum. Um Estado (e Política) que para se modernizar tem que se rebaixar, em qualidade e em termos de princípios. Que faz da corrupção (inclusive de si mesmo) não algo acidental ao seu funcionamento, mas algo intrínseco. (“É preciso sujar as mãos para governar!” – eis o ditado do bom governante.)
Weber assim descreve como o cinismo passou a ser a profissão de fé dos agentes investidos na luta pelo poder junto ao Estado:
Quando se afirma que uma questão é “política”, quando um ministro do Gabinete ou uma autoridade é considerado como “político”, ou quando uma decisão é tida como “politicamente” determinada, o que se está querendo dizer, sempre, é que os interesses na distribuição, manutenção ou transferência do poder são decisivos para a resposta às questões e para se determinar a decisão ou a esfera de atividade da autoridade. Quem participa ativamente da política luta pelo poder, quer como um meio de servir a outros objetivos, ideais ou egoístas, quer como o “poder pelo poder”, ou seja, a fim de desfrutar a sensação de prestígio atribuída pelo poder.(p. 56)
Talvez Jean Jacques Rousseau tenha sido um dos primeiros, lá do século XVIII a buscar iluminar melhor a reflexão sobre esse problema. A crescente incongruência entre agentes investidos do poder do Estado (cada dia mais poderoso e mais rico, e distante do homem e mulher comum) e cidadãos era certamente o pano de fundo de observações como essa que segue. a dos especuladores, que fazem da política um mercantilismo, um negocio de ganhar. A política “dos especuladores, que fazem da política um mercantilismo, um negocio de ganhar”, alertada por Antonio Moraes da Silva também no século XVIII (como visto acima), quando incrustrada no Estado, só incrementava a sua capacidade de oprimir e tornar a Sociedade cada vez mais desigual. Rousseau prontamente advertia:
Desde que o serviço público deixa de constituir a atividade principal dos cidadãos e eles preferem servir com sua pessoa, o Estado já se encontra próximo da ruína. Se lhes for preciso combater, pagarão tropas e ficarão em casa. À força de preguiça e de dinheiro, terão, por fim, soldados para escravizar a pátria e representantes para vendê-la.
É a confusão do comércio e das artes, é o ávido interesse do ganho, é a frouxidão e o amor à comodidade que trocam os serviços pessoais pelo dinheiro. Cede-se uma parte do lucro, para aumentá-lo à vontade. Daí ouro, e logo tereis ferros. A palavra finança é uma palavra de escravos, não é conhecida na pólis. (Do Contrato Social, p. 112).
O alto grau de desqualificação que encontramos nesses verbetes não é somente uma tentativa de se desqualificar a política. O que se desqualifica é uma determinada política. A política sancionada por um determinado Estado. O que se visa, ao fim e ao cabo, é, também, uma determinada configuração da relação desse Estado com a Sociedade.
De certa maneira, o que se revela aqui é uma condenação da desidratação da política aristotélica, a política de inspiração ateniense, de comunhão, de reunião, que era da sociedade, pois que estava junto dela. De certa maneira, para exercer o controle sobre a Sociedade, foi necessário a esse Estado despojá-la dos meios de fazer política autonomamente, de maneira legítima. Essa passou a ter que ser atribuída por essa autoridade de nome Estado. Houve aqui um outro processo claro de expropriação. A expropriação dos meios de fazer política das mãos da Sociedade.
A desqualificação tem como alvo aquele processo. Não seria absurdo pensar até que ponto esses termos pejorativos são uma reação a esse verdadeiro processo de expropriação da política própria da Sociedade por parte do Estado.
[i] Tal significado também aparece em dicionários de outras línguas.
1 arte di governare uno Stato; insieme dei fini cui tende uno Stato e dei mezzi impiegati per raggiungerli
2 il snodo di governare
3 tutto ciò che riguarda la vita pubblica
4 in senso figurato abile e astuto comportamento per raggiungere un determinato fine
No Inglês:
political
adjective po·lit·i·cal \p?-?li-ti-k?l\
Simple Definition of political
: of or relating to politics or government
: interested in or active in politics
: involving, concerned with, or accused of acts against a government
No Francês:
- Ensemble des options prises collectivement ou individuellement par les gouvernants d’un État dans quelque domaine que s’exerce leur autorité (domaine législatif, économique ou social, relations extérieures) : La politique économique de la France.
- Méthode particulière de gouvernement, manière de gouverner : Politique libérale, autoritaire.
- Moyens mis en œuvre dans certains domaines par le gouvernement : Politique de l’emploi, des prix.
- Manière concertée d’agir, de conduire une affaire : La politique commerciale de la maison.
- Manière prudente, fine, avisée d’agir : Ménager quelqu’un par pure politique.
No Espanhol:
POLITICO
adj. De la doctrina o actividad política o relativo a ellas: hizo un discurso político.
Se dice de la persona que interviene en la política de un Estado, comunidad, región, etc. También s.: la mayoría de la gente no cree a los políticos.
Hábil para tratar a la gente o dirigir un asunto: hay que ser muy político para llevar a cabo este proyecto sin ofender a ninguno de los afectados.
Aplicado a un nombre de parentesco por consanguinidad, denota el correspondiente por afinidad: padre político (suegro); hermano político (cuñado); hijo político (yerno); hija política (nuera).
- Arte, doctrina u opinión referente al gobierno de los Estados, comunidades, regiones, etc.: me interesa la política porque me gusta estar informado de cómo se dirige el país.
Actividad de las personas que gobiernan o aspiran a regir los asuntos públicos: se ha metido en política.
Técnica y métodos con que se conduce un asunto: el jefe ha adoptado una política de mano dura.
Habilidad para tratar con la gente o dirigir un asunto: habrá que conducir este asunto con mucha política.
Orientación, directriz: la política de una empresa.
[ii] Afirma Max Weber: “Como as instituições políticas que o precederam historicamente, o Estado é uma relação de homens dominando homens, relação mantida por meio da violência legítima (isto é, considerada como legítima). Para que o Estado exista, os dominados devem obedecer à autoridade alegada pelos detentores do poder. Quando e por que os homens obedecem? Sobre que justificação íntima e sobre que meios exteriores repousa esse domínio?
Para começar, em princípio, há três justificações interiores, e portanto legitimações, básicas do domínio.
Primeira, a autoridade do ‘ontem eterno’, isto é, dos mores santificados pelo reconhecimento inimaginavelmente antigo e da orientação habitual para o conformismo. É o domínio ‘tradicional’ exercido pelo patriarca e pelo príncipe patrimonial de outrora.
Há a autoridade do dom da graça (carisma) extraordinário e pessoal, a dedicação absolutamente pessoal e a confiança pessoal na revelação, heroísmo ou outras qualidades da liderança individual. É o domínio ‘carismático’, exercido pelo profeta ou, no campo da política, pelo senhor de guerra eleito, pelo governante plebiscitário, o grande demagogo ou o líder do partido político.
Finalmente, há o domínio em virtude da “legalidade”, em virtude da fé na validade do estatuto legal e da ‘competência’ funcional, baseada em regras racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se obediência no cumprimento das obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo moderno ‘servidor do Estado’ e por todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se assemelham.”
Leonardo Soares é historiador.