Nakba palestina, catástrofe mundial

nakbaPor Hasan Félix.*

Há eventos ao longo da história que, pela natureza da sua crueldade justificamos dizendo que ocorreu no passado, tempos aqueles em que a dita consciência do homem não tinha evoluído o suficiente.

Para citar como exemplo, a escravidão. Os primeiros escravos africanos chegaram à América em 1502; a partir de então, cerca de sessenta milhões de africanos foram sequestrados de suas terras e trazidos por comerciantes europeus, sendo que  apenas doze milhões chegaram com vida. Inegavelmente foi uma catástrofe a barbárie do holocausto cometido ao povo africano.

Poderiamos pensar que um ato tão violento e horrível como este não seria esquecido nunca. No entanto, a lição não foi aprendida pois por mais de sessenta e oito anos, o povo palestino sofre uma verdadeira catástrofe executado por forças sionistas. A palavra catástrofe em árabe é “Nakba”, e podemos  traduzir como  calamidade, catástrofe e desastre.

Esta catástrofe palestina e a expulção de suas terras, não foi, como se tem divulgado durante anos a propaganda israelense e como alegam a maioria dos meios de comunicação social: “uma consequencia desafortunada ocasionada pela guerra”. Ao contrario, corresponde a uma estratégia planificada pela política sionista desde principios do século XIX. A expulsão de 80% de população palestina através da violência israelense no ano de 1948, só foi possível devido ao plano político militar baseado em matanças e destruição  massiva dos povos, aldeias e bairros palestinos. O Plano era denominado Plano Dalet,  que visava a expulsão de toda a população palestina para a criação do Estado de Israel sobre o solo pátrio palestino.

A limpeza étnica da Palestina tem seu início ainda antes da criação do Estado de Israel, no movimento sionista impulsionado por Theodor Herzl; e é estimulada pela célebre Declaração Balfour de 1917, que previa a criação de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina. A derrota do Império Otomano (de que a Palestina fazia parte), no fim da Primeira Guerra Mundial e a passagem do território para mandato britânico em 1922, vieram facilitar as ambições do sionismo internacional. A progressiva imigração judaica para a Palestina ocupou estrategicamente o espaço para implantar o seu Estado.

A colonização foi acelerada pela ação de grupos armados o Haganah, o Irgun e o Lehi (ou Stern Gang), que não só atacaram os palestinos como os próprios ingleses. O Lehi assassinou em 1944 o ministro de Estado para o Médio Oriente Lord Moyne e o Irgun fez explodir em 1946 o Hotel King David, em Jerusalém, onde estava instalado o quartel-general britânico, provocando cerca de 100 mortos. Já em 1948, a 17 de Setembro, o Lehi assassinou em Jerusalém o Conde Bernadotte, presidente da Cruz Vermelha Sueca, que actuava como mediador das Nações Unidas para resolver problemas originados pela partilha do território.

Os ataques contra os palestinos eram o resultado de uma operação de limpeza étnica agendada, conforme atestam os próprios documentos dos arquivos israelenses. Um dos ataques mais cruéis foi o que  destruiu a aldeia de Deir Yassin, em 9 de Abril de 1948, levado a cabo pelo Irgun. Para além dos mortos,  as casas e aldéias foram arrasadas, mais de 100 palestinos foram friamente abatidos no local, e cerca de 200 o número de feridos. Este massacre foi o sinal para o começo do extermínio e expulsão dos palestinos. Outros ataques aconteceram antes e depois da criação do Estado de Israel, levados a cabo primeiro pelos grupos paramilitares judaicos e mais tarde pelo exército israelense.

A Nakba constitui um marco na invasão da Palestina, um passo indispensável para os terríveis assassinatos e roubos das fontes econômicas palestinas. Sem ela não teriam ocorrido outros acontecimentos posteriores como o Setembro Negro (Jordânia, 1970), o Dia da Terra (Palestina, 1976), o massacre de Sabra e Chatila (Líbano, 1982), ou a primeira e a segunda Intifada (1987 e 2000). Esta realidade foi  possível devido a complacência da comunidade internacional e ao apoio incondicional dos Estados Unidos da América, determinado pela pressão do lobby pró-israelense sobre a política externa norte-americana. Desta forma, o Estado de Israel continua agindo impunemente.

Deve ser entendido que o Estado de Israel é a consolidação de múltiplos aspectos de ideologias racistas e pode-se  fazer uma relação com o  Estado do Apartheid na África do Sul. O ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter (1977-1981), que no seu  governo era pró-sionista, em  2006, publicou o livro “Palestine Peace Not Apartheid”, que estabelece este debate, comparando a segregação entre os dois países, tornando-se alvo de críticas lobby israelense. A opinião de Carter contém em si uma grande importância, pois ela nasce de  dentro política americana, um inquestionável conhecimento experimental dos objetivos sionistas vivenciado por ele.

Outro escritor, Sasha Plakow-Suranksy, em seu livro “A aliança tácita: o relacionamento secreto de Israel com o apartheid na África do Sul”,  também denuncia a  ligação entre o Estado de Israel e o regime de Apartheid, bem como a aquisição de armas nucleares entre os dois governos. Destaca ainda as semelhanças entre a construção de assentamentos, novas políticas relativas à cidadania e à criação de condições propícias à superlotação. Mas o mais importante é o seu comentário sobre as futuras consequências do aumento desproporcional na população palestina em Israel. Se a população palestina continua a crescer no ritmo atual serão maioria em Israel e os judeus uma minoria. Como na África do Sul, a minoria governa e/ou controla a maioria.

Estas preocupações também estão  presentes na opinião do ex-Presidente Sul Africano De Klerk, que em uma entrevista na  televisão israelense, falou que “dizer que há apartheid em Israel é injusta”; mas ele acrescentou que, “se um Estado Palestino não é estabelecido,  Israel pode ter que lidar com as consequências de ser um estado para ambos os povos, e expressar praticamente o caminho que o levaria a Israel Apartheid”. Assim, não é difícil ver que o sionismo está em uma encruzilhada e vai enfrentar as consequências da política racista e colonial.

Assim, enquanto que Israel estava desenvolvendo uma operação de limpeza étnica na Palestina, o Apartheid estava sendo praticada na África do Sul por muitos anos, e em 1948 tomou forma jurídica com leis promulgadas para o efeito, o que curiosamente coincide com o reconhecimento ilegítimo do Estado de Israel na ONU.  Não podemos esquecer que Israel era um dos principais aliados do regime do apartheid.

Nas eleições de  1948 na África do Sul, foi vencedor o partido nacionalista radical com uma coalizão com o Partido Afrikaans, liderada pelo pastor Daniel François Malan protestante. Já, em 1950, aprovou uma lei que reservava certos distritos nas cidades onde os proprietários só poderia ser branco, forçando os não-brancos migrar para outros lugares. As leis estabeleciam áreas segregadas, tais como praias, ônibus, hospitais, escolas e até mesmo bancos em parques públicos. Negros e outras pessoas de cor eram submetidas a a verificação dos  documentos de identidade e eram proibidos de transitar em algumas cidades ou até mesmo permanecer sem permissão.

Uma vez que eles tinham apresentado problemas legais com o Supremo Tribunal para a implementação do apartheid, o governo aumentou o número de juízes no tribunal com tendências e leis nacionalistas finalmente promulgada. As regras estabelecidas nessas leis foram:

1 Os negros não podiam ocupar cargos no governo e não podiam votar exceto em algumas eleições isoladas para instituições segregadas.

2 Os negros não poderiam estabelecer ou exercer práticas comerciais profissionais em áreas especificamente designados para os brancos.

3 O transporte público foi completamente segregado. Os negros não foram autorizados a entrar zonas designadas para a população branca, a menos que eles tinham um passe. Os brancos também teve de realizar um passe para entrar nas áreas destinadas aos negros.

Para retirar os negros de suas terras, a discriminação foi baseada legalmente em que estes não eram cidadãos sul-africanos mas oriundos de outros lugares. A população negra foi removido de seus lares, as suas casas foram demolidas e pertences abandonados; foram considerados como população transeuntes ou temporária. Durante as décadas de 1960-1980, o governo forçou a população negra reassentar naqueles estados que tinham sido designados para eles. Um total de 3 milhões de habitantes e foram forçados a se mudar para esta área. O caso mais divulgado foi o de Joanesburgo, onde 60.000 habitantes negros foram realocados em uma área chamada Soweto.

Semelhança com o que aconteceu e acontece na Palestina hoje. Os sionistas usam os mesmo argumentos utilizados pelos defensores do apartheid. Na Nakba Palestina foram expulsos cerca de 800 mil palestinos e ocorreu a destruição de  mais de 400 aldeias e cidades! Como todas as operações de limpeza étnica, a Nakba foi um crime contra a humanidade, de acordo com a definição do Tribunal Penal Internacional da Haia. E a repressão sobre o povo palestino continua até hoje. As imagens que vemos diariamente nos enchem de indignação, dor e tristeza, infelizmente temos vivido decadas de casas arrasadas, colheitas destruídas, famílias desmembradas, populações a viver em tendas, hospitais bombardeados, escolas em ruínas, cortes de água e de eletricidade, longas horas de espera nos checkpoints, mais o desemprego, a fome e a doença aumentando.

Esta disposição do governo israelense a cooperar com regimes opressivos e discriminatórios, revela que o racismo é a natureza e a essência do sionismo. Os governos israelenses falam que  amam a democracia e que promovem a paz mundial, mas sua  política bélica contém armas de destruição em massa, cujo objetivo não é a defesa, mas a intimidação.

O que pensar de um governo que age assim? Não só a Palestina é alvo, mas o mundo está ameaçado pelo sionismo. As guerras do sionismo acontecem em diversos territórios, são pesadas batalhas ideológicas desenvolvidas: Mísseis de ideias carregados com ogivas de rascismo são lançados todos os dias contra os nossos irmãos, pais e filhos por meio da televisão, livros e púlpitos das igrejas, convidando-nos a amar e apoiar a Israel imperialista em sua guerra de colonização, com a justificativa de que este é o desejo de Deus.

A Nakba é uma  catástrofe que nos mostra quanto indolentes somos frente  ao sofrimento dos nossos irmãos. Devemos refletir sobre as dificuldades de nos amarmos como irmãos e das possibilidades da convivência pacífica na humanidade.

A reflexão sobre a Nakba deve nos despertar para medidas que impessam um futuro com outras catástrofes similares e, em especial, que não mais permita um presente  recheado pelo silêncio cúmplice.

A resistência palestina nos ensina a enfrentar os inimigos invasores e a lutar pela justiça e pelos direitos inalienáveis de um povo. Assim, em 2015 iniciou a terceira intifada e, apesar da brutal repressão israelense, das inúmeras prisões e mártires, o sonho da Palestina Livre continua presente!

A Palestina Livre é construida diariamente pelo povo palestino e pela solidariedade internacional!

[email protected]

Florianópolis, maio 2016

Foto: http://queerqueerspawn.tumblr.com/post/119049764234/the-key-a-belief-when-palestinians-were-forced

 

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