Por Daniel Piassa Giovanaz.*
O maior sambaqui do mundo, montanha de conchas com vestígios pré-históricos, corre o risco de ser destruído pela ação humana. A negligência do poder público com a preservação do terreno, localizado no sítio arqueológico Ponta da Garopaba do Sul (SC), foi denunciada pela primeira vez em 2011, quando o MPF (Ministério Público Federal) exigiu que fossem removidas casas construídas no terreno de 101 mil metros quadrados.
O processo se arrasta há quase cinco anos sem nenhuma desapropriação ou mudança nas políticas de proteção ambiental do município de Jaguaruna.
O sambaqui é uma espécie de montanha calcária formada por conchas e areia que esconde ossadas de seres humanos e animais, ferramentas e restos de alimentos deixados por habitantes pré-históricos. Em Jaguaruna, foram encontradas peças pré-históricas produzidas entre 4.000 e 6.000 anos atrás.
“Entre os remanescentes, ele é o mais alto, com 26 metros, e tem uma importância muito grande pelos artefatos, não só pelo tamanho”, ressalta Alexandro Demathé, arqueólogo da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina). “Há alguns anos, ele tinha mais de 30 metros de altura, mas a estrutura se desgasta com a erosão, o vento e as ocupações irregulares. Algumas pessoas usam o sambaqui como pista de motocicleta, e isso danifica muito o patrimônio, porque expõe artefatos e esqueletos que estavam enterrados, conservados”.
Briga judicial
As primeiras casas começaram a ser construídas sobre o terreno do sítio arqueológico em 1973, quando a Prefeitura Municipal autorizou a criação do loteamento Costa Azul entre os balneários de Garopaba do Sul e do Camacho. A partir de 2001, a faixa de 200 metros a partir da linha limítrofe do sambaqui passou a ser considerada uma APP (Área de Preservação Permanente). Nove anos depois, a Câmara de Vereadores mudou a lei municipal e reduziu a faixa de preservação para 50 metros.
O retrocesso nas políticas de conservação do sítio arqueológico motivou o MPF a fazer uma ação pública contra o município em setembro de 2011. A ação exigia que a Prefeitura produzisse um relatório com o nome e o endereço de todos os moradores que vivem a 200 metros do sambaqui, para posterior desapropriação, e solicitava ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a instalação de cercas e placas de sinalização nos limites da área de proteção.
Segundo o MPF, a única placa informativa que havia no local “estava caída, servindo como passarela”. Como as cercas estão deterioradas, o local é utilizado para caminhadas e passeios de moto, evidenciados pelo lixo e pelas pegadas e marcas de pneus deixadas no solo.
O processo está na Justiça Federal de Tubarão, município a 20 km de Jaguaruna. Os moradores de pelo menos 40 casas sem escritura, construídas entre 50 e 200 metros do limite do sambaqui, assinaram em dezembro de 2013 um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) em que se comprometem a deixar o local após o término do processo. Sem o relatório da prefeitura, ainda não é conhecido o número total de construções na área.
Prefeitura faz estudo sobre área com vestígios arqueológicos
Assim que foi notificado, o Instituto do Meio Ambiente de Jaguaruna, autarquia da Prefeitura responsável por fiscalizar e supervisionar as ações de preservação, contratou uma empresa para fazer o relatório sobre a região. “O estudo que vai nos dizer se há vestígios arqueológicos a 200 metros do sambaqui deve ser concluído no final deste ano, mas, pelo que eles nos passaram até agora, informalmente, os vestígios só chegam até 50 metros”, relata o diretor do órgão, Edson Rodrigues de Souza.
Em 13 de outubro de 2015, o procurador Daniel Ricken insistiu para que a prefeitura apresentasse o relatório das casas localizadas a até 200 metros do entorno do sambaqui, sob pena de multa diária de R$ 500 por dia de descumprimento, mas não houve resposta. A multa passa a valer a partir de 8 de junho.
Segundo a arqueóloga Luciane Scherer, a desinformação e a conivência do poder público prejudicam a preservação do patrimônio histórico.
O que acontece é que muitos Estados e municípios são coniventes com a destruição, como no caso desse sambaqui. E depois que está feito, não tem como voltar atrás.”
Luciana Scherer, pesquisadora da UFSC
“A arqueologia ainda é vista como empecilho para o progresso. O Iphan faz sua parte, mas não tem como fiscalizar todos os sítios e garantir que o patrimônio não vai ser destruído”.
—
* Colaboração para o UOL, em Florianópolis.
Fonte: Uol.