Por Marco Weissheimer.
Fotos: Guilherme Santos.
Sul21
O dia nacional de denúncia da mídia golpista, convocado pelas organizações que integram a Frente Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Levante Popular da Juventude e outras entidades foi marcado, em Porto Alegre, por um ato público e um júri popular realizados ao lado do prédio do Grupo RBS, na esquina da Avenida Ipiranga com a Érico Veríssimo, e na frente do Teatro Renascença. O ato iniciou no final da tarde desta quinta-feira, com uma oficina de cartazes que foram sendo produzidos na frente do teatro e exibidos pelos manifestantes na sinaleira da esquina da Ipiranga com a Érico. “RBS Mente”, “O povo não esquece, abaixo a RBS”, “Globo golpista”, e “ZHelotes” foram algumas das palavras de ordem pintadas nos cartazes.
No início da noite, foi realizado um júri popular da mídia golpista, nas escadarias do Teatro Renascença. O jornalista Caio Venâncio lembrou o processo de outorga de concessões de canais de rádio e televisão em troca de apoio político e editorial que marcou o surgimento e expansão do Grupo RBS no Rio Grande do Sul. Além disso, denunciou a prática da propriedade cruzada de meios de comunicação que deu origem no Brasil a grandes corporações que controlam, ao mesmo tempo, um grande número de veículos de rádio, televisão, jornais e portais de internet.
O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pela ditadura por apoiar o governo constitucional de João Goulart. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publicou um editorial intitulado “A preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. A última frase editorial fala por si: “Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”.
. “RBS Mente”, “O povo não esquece, abaixo a RBS”, “Globo golpista”, e “ZHelotes” foram algumas das palavras de ordem pintadas nos cartazes. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Os interesses nacionais, no caso, se confundiam com os interesses privados dos donos da empresa. A expansão do grupo se consolidou em 1970, quando foi criada a sigla RBS, de Rede Brasil Sul, inspirada nas três letras das gigantes estrangeiras de comunicação CBS, NBC e ABC. A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios.
Lucas Klein, do programa Correria e da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação (Enecos), afirmou que não haverá verdadeira democracia no Brasil com a presença de oligopólios de mídia controlando o sistema de produção e circulação de informações e opiniões no país. Lucas defendeu a intensificação da mobilização na sociedade em torno do projeto da Lei de Mídia Democrática, proposto pelo FNDC e por um conjunto de outras entidades da área da comunicação.
Diógenes de Oliveira lembrou a luta que trava contra a RBS desde 2001, quando denunciou a empresa por práticas de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal durante depoimento prestado na CPI da Segurança Pública, durante o governo Olívio Dutra. Naquela época, segundo Diógenes, o grupo devia cerca de 212 milhões de reais, valor que, hoje, já estaria na casa dos 670 milhões de reais.
Em março deste ano, a Operação Zelotes denunciou um esquema de fraudes tributárias envolvendo grandes empresas brasileiras e multinacionais. As investigações foram conduzidas por uma força-tarefa formada pela Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda. O Grupo RBS, a Gerdau, os bancos Bradesco, Santander, Safra, Pontual e Bank Boston, as montadoras Ford e Mitsubishi e um grupo de outras grandes empresas estão sendo investigadas pela suspeita de pagamento de propina a integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais para anular multas tributárias milionárias. Segundo as investigações, pelo menos 74 processos tributários podem ter sido fraudados, provocando um prejuízo de aproximadamente R$ 21,6 bilhões aos cofres públicos. Os casos que estão sob investigação teriam ocorrido entre os anos de 2005 e 2015.
No início da noite, foi realizado um júri popular da mídia golpista, nas escadarias do Teatro Renascença. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Celso Schröder, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, assinalou que os atores do golpe em curso em 2016 contra o governo da presidenta Dilma Rousseff, são muito parecidos com os do golpe de 1964, inclusive em seus braços midiáticos. “A diferença é que, hoje, os canhões e tanques foram substituídos por dois anos de editoriais e matérias que sempre começavam com as palavras ‘Apesar da crise…’”. Além disso, acrescentou, a grande mídia brasileira tornou-se um foco de propagação de ideias racistas e homofóbicas, entre outras coisas. “A mídia está no centro do golpe em andamento. Mas nós temos força, com muita mobilização social, de evitar que esse golpe se sustente, derrubando Temer e quem mais for necessário”, afirmou Schröder.
O principal objetivo das manifestações realizadas em diversas cidades do país nesta quinta foi denunciar como o monopólio privado nas comunicações, representado principalmente pelas Organizações Globo, fere a democracia, a liberdade de expressão e o direito à comunicação. As entidades que organizaram a jornada divulgaram um manifesto onde apresentam suas razões para afirmar que o monopólio de comunicação é sinônimo de golpe. Segue a íntegra do texto:
Monopólio é golpe porque:
1- Não reflete nossa diversidade
No Brasil, apenas seis famílias controlam mais de 80% do setor de mídia. Isso faz com que diferentes visões de sociedade não se reflitam na programação das emissoras, prevalecendo um discurso único, o que viola o direito à comunicação e a liberdade de expressão do conjunto da população brasileira. Não é à toa que países com democracias consolidadas, como EUA, França, Inglaterra e Alemanha possuem mecanismos de regulação para impedir a formação de monopólios na comunicação e garantir pluralidade de vozes na mídia. O domínio da esfera pública midiática por uma única empresa, como no caso da Rede Globo, é destrutivo para qualquer ambiente democrático.
2- Desrespeita o interesse público
A mídia no Brasil é tratada como atividade privada com finalidade comercial, em que o interesse público fica em segundo lugar. Outro aspecto é a apropriação de emissoras de rádio e televisão por políticos com mandato eleitoral, uma prática que, além de ser inconstitucional, causa graves danos à nossa democracia, pois permite a perversa combinação entre poder político e controle da informação. Diferente de outros países, o sistema de emissoras públicas e comunitárias do Brasil sofre pela falta de investimentos, perseguição e sucateamento, inviabilizando a garantia de diversidade de conteúdo e de fontes de informação.
3- Deforma a opinião pública
A televisão e o rádio ainda são os meios de comunicação mais acessíveis ao conjunto da população brasileira e, por serem controlados por um verdadeiro monopólio, acabam contribuindo para a formação de uma opinião pública enviesada e parcial, o que influencia de maneira significativa os rumos do país, com impactos para todos, como ocorre agora no processo de impeachment.