Por Urda Klueger.
(Para o Gabriel)
Era uma vez um jovem semeador que caminhava pelos sulcos dos campos arados a distribuir sementes. Tinha robustos braços cheios de vitalidade e no rosto as cores das rosas cor de rosa, e seu coração abrigava um mundo tão grande que nele cabiam todas as músicas e todas as ternuras. Assim como às vezes se vestia de seda, outras vezes usava as rústicas roupas azuis de trabalhador, e dentro daquele azul escuro e forte o rosa das suas faces e dos seus braços ressaltavam de beleza. E ele distribuía as sementes e umas nasciam e outras não, pois assim é a vida, mas o carinho dele era igual por cada uma, e sonhava que brotassem e florescessem e por sua vez gerassem outras sementes naquele florescer, pois seu ofício de semeador era uma coisa muito grandiosa e dele dependia a continuação da vida.
Muito antes da hora de terminar a jornada, porém, o semeador teve seu afã interrompido e se foi, abduzido pela cauda de um cometa, e já não pode continuar naquele ofício para o qual era tão perfeitamente talhado. Ficou lá longe, dentre estrelinhas, espiando o que acontecia com as sementes germinadas, querendo achegar um pouco de terra às suas raízes frágeis, dar-lhes o conforto de um pouco de água, mas já não tinha como atravessar uma barreira que agora havia e só lhe restava ficar assim espiando e torcendo para que a semeadura desse certo.
O tempo passou e as sementinhas germinaram, criaram raízes, cresceram. Na primavera estavam tão prontas para a vida que floresceram lindamente e por sua vez geraram outras sementes que o universo se encarregou de de novo transformar em vida, e lá do seu cometa, espiando por dentre as estrelinhas, o semeador olhava e via que sua obra continuava, mesmo não estando ele junto.
Ontem, era de noite e o semeador repousava seu cansaço na lindeza que era aquela curva da cauda do cometa que o acolhera, os braços cruzados por detrás da cabeça, o corpo reclinado entre os milhões de pedrinhas fosforescentes, um pequeno bocejo quase a mergulhá-lo no sono quando… sim, que era aquilo, quem estava ali? Ele nunca esperara tal felicidade, nunca pensara que a vida poderia tomar tais rumos, nunca pensara que pudesse acontecer – mas ali, ali pertinho dele, atravessava o pretume estrelado do veludo da noite, dentro de um veloz pássaro de prata, nada mais nada menos que uma semente das sementes que ele semeara um dia!
Desde que existia aquela semente que ele lhe prestava a maior atenção, e então não havia como se enganar – era, sim, uma sementinha consequência da sua obra, agora talvez já indo, por sua vez, desabrochar em flor e gerar outras sementes! Na fosforescência do cometa, dentre milhões de estrelinhas, o semeador ficou ali a espiar pela janelinha do avião aquela sementinha que passava dormindo, leve e em paz como sempre sonhara que seriam suas sementes e, coração aos pulos, ele ficou a olhar bem de pertinho enquanto foi possível, pois o ágil pássaro de prata voava de um hemisfério a outro num instante e em breve se distanciava dentre estrelas longínquas.
A ternura ficou grande demais dentro do peito, e então o semeador chorou de tanta beleza!