Brasil, os cenários políticos da ruptura institucional

Por Arnobio Rocha.

 “Ímpio caçando (brutos não, mas homens),
Com guerra e hostil engano a todos fere
Que à sua tirania não se curvem”. (Paraíso Perdido, John Milton)

Nos últimos cinco anos, o mundo foi sacudido por várias “revoltas” populares, em todos os continentes, elas são produtos direto da Crise 2.0, para ser exato, uma reação à ela, mas que, contraditoriamente, resultou num reforço ao projeto de sufocar a Democracia, com resultados significativos para a Direita, um retrocesso para os trabalhadores do mundo.

Há um clima de aparente de geleia geral, de descontentamento, quase sem direção e/ou organicidade, pelo menos publicamente, mas que está sendo muito bem manipulada pelas forças mais conservadoras. Mas é preciso perder alguns instantes para reflexão sobre de onde veio e para onde caminha esse processo, na verdade, essa avalanche de retrocesso.

Revoltas No Mundo

A “Primavera Árabe” que sacudiu o Egito e derrubou o regime ditatorial de Hosni Mubarak, que estava a 32 anos no poder, com eleições fraudadas. Em apenas 18 dias, amplas massas populares se uniram em protestos gigantescos no Cairo, na Praça Tahrir. Dia a dia as manifestações cresceram, começando com os estudantes, depois com a adesão dos trabalhadores em greves, a queda foi rápida e decisiva. Como também foi rápida a queda do regime que o sucedeu, da Irmandade Muçulmana, que não ampliou a Democracia, foi abatido por um golpe militar, jogando mais uma vez o Egito nas trevas.

A Espanha lançou o movimento dos “Indignados” na Europa, que ficou por meses sublevados na Plaza del Sol, em Madri e com revoltas nas principais cidades do país. Derrotaram completamente o governo do PSOE, liderado por Zapatero. Entretanto o movimento gestado nas manifestações, o 15M foi incapaz de lançar qualquer alternativa, na época, o que facilitou a ampla vitória do PP, com uma liderança de extrema-direita, Mariano Rajoy.

Apenas em 2014, uma parte dos “Indignados”, do 15M, se constituiu numa plataforma eleitoral, o Podemos, logo de cara, teve uma importantíssima vitória eleitoral. Ainda que pese a manutenção de um governo ainda mais traidor e que tem aplicado os mais duros ajustes contra os trabalhadores espanhóis.

Desde novembro de 2015, há um enorme impasse, com uma eleição geral sem vencedores, caiu o governo de Mariano Rajoy, mas ao mesmo tempo ninguém consegue dirigir uma coalização de governo, caminha-se para uma nova eleição sem resultados previsíveis.

Os ventos das manifestações também atingiram no fim de 2013 a Ucrânia, talvez o melhor laboratório e a mais visível ação das forças conservadoras que detonaram estes processos de revoltas, inclusive aqui no Brasil. A Praça Maiden, em Kiev, foi ocupada em novembro de 2013, por grupos que protestavam contra o governo eleito de Víktor Yanukóvytch. Liderados por grupos neofascistas e anti-Rússia, por três meses seguidos, em meio ao frio extremo, paralisaram a capital, entrando em conflito armado com a parte leste do país, culminando com a derrubada do presidente.

Logo a seguir, a Crimeia, se separou da Ucrânia, uma eleição nacional elegeu um presidente de Direita, o empresário bilionário, Petro Poroshenko. A coalizão de extrema-direita, que usa símbolos nazistas, tomou conta do país, entrando em guerra civil com o lado leste rebelde, que quer integração coma Rússia. O novo governo, ao invés de ampliar a democracia, que em tese era a razão dos protestos de Maiden, fez o oposto, fechou o parlamento e dirige o país com poder ditatorial. Todo este poder foi apoiado e recebeu suporte dos EUA/UE através da OTAN, inclusive, em meio aos protestos, figuras públicas dos EUA, como Mcain, além do diretor da CIA, estiveram em Kiev dando seu “apoio”.

Brasil Pós Jornadas de Junho de 2013

Esta onda de manifestações aportou no Brasil, nas famosas jornadas de junho de 2013, o que se iniciou com um protesto em São Paulo e Rio de Janeiro, contra aumento das passagens de ônibus, mas que se generalizou por todo o país, pois a Crise 2.0, também tinha chegado aqui, os exuberantes números da economia estavam minguando e a paciência contra o governo parece acabada, em particular nas classes médias das grandes cidades.

Os amplos protestos colocaram em xeque a capacidade do governo petista de se manter no poder, todas as “contas” passadas, como “mensalão”, como os acordos pela governabilidade (sem eles não se gere o país, o estado ou um município), a corrupção (ainda que mais combatida), as frustrações com pouco avanço na Democracia e participação popular. Este conjunto de coisas tinha sido postas de lado, até então, pela sensação de bonança econômica, mas quando os ventos da Crise 2.0 se tornam presentes, a impaciência e a revolta ganhou o combustível.

Naquela época, ainda intuí achando que o tal “gigante”, com uma cara conservadora, se materializaria num Joaquim “Batman” Barbosa, pela sua ação midiática e demagógica durante o julgamento do “Mensalão”, mas a figura histriônica não conseguiu reunir os elementos e os apoios necessários, pois o temem pela visão ditatorial, além de um racismo velado, na própria burguesia e classes médias. O candidato da oposição tradicional, Aécio Neves, não juntaria o perfil para ser o herdeiro das revoltas, longe disto.

Neste contexto, sobrou Marina e sua Rede, o Partido “antipartido”, em alguma medida, ela e seu grupo galvanizaram para si o desgaste do governo do PT, pois também não é vista tão distante dos projetos sociais e inclusivos, tão significativos dos últimos 12 anos, mas também não é comprometida com “tudo de errado que está aí”. A sua incapacidade de registrar um partido, o que é uma tarefa relativamente simples no Brasil, acabou inviabilizando sua candidatura. A adesão da Rede ao PSB, para resolver parcialmente o problema, foi revelador na estratégia de “nova política”.

As eleições do Brasil, em 2014, não trouxeram a “paz social” desejada, para que o país saísse das cordas, da estagnação econômica, ao contrário, se acirrou o processo de luta e de tremendo desgaste do governo de Dilma. A incapacidade de formar um governo forte e de unidade nacional, trouxe a chance de seu amplo questionamento. Forças golpistas passaram a agir abertamente, ainda em dezembro de 2014, já estavam nas ruas exigindo o “fim” de um governo não iniciado.

O ano de 2015 foi o ano em que se aprofundou a crise econômica, a paralisia foi comandada pela “República do Paraná”, cujo “presidente” ou “rei”, é o juiz de primeira instância, Sergio Moro. Contando com um poder midiático jamais visto, uma operação, a  “Lava jato”, foi transformada em redenção nacional, mesmo que custe milhões de empregos e recessão econômica, todo o setor de petróleo, cerca de 13% do PIB nacional foi duramente atingindo, provocando uma reação em cadeia, piorando ainda mais o desempenho do governo.

Cenários: Impeachment ou Eleições Gerais

O país é jogado, no início de 2016, na maior aventura política de sua história, um golpe está sendo gestado por Eduardo Cunha, o corrupto presidente da Câmara Federal, líder de uma bancada forte, o baixo clero, que aliado à oposição derrotada nas urnas, PSDB-DEM, busca um impeachment da Presidente Dilma Roussef, mesmo sem base legal. A sincronia entre Lava Jato, Moro, a apuração seletiva, contra o PT e o acharque público de Cunha, vai nos levar ao abismo.

Os cenário mais concreto, nessa quadrada conjuntural são de impeachment ou de Eleições gerais. A poucos dias de um impeachment comandado pelos cunhas da vida, ou de uma hipotética tese de eleições gerais no Brasil, não resta dúvidas, sob minha ótica, os caminhos que elas podem nos levar:

1) Impeachment com um Governo Temer – Fruto de um golpe institucional, tentaria reunir em torno de si, o fisiológico PMDB e os derrotados do PSDB/DEM num governo de crise de credibilidade, sustentado pela Globo, mas com uma imensa dívida com Cunha.

2) Caso haja eleição,  uma provável vitória de Marina, seria entrar diretamente no “Novo Estado”, uma tragédia para os trabalhadores, um grande feito para os grandes bancos internacionais, a parte dominante do Kapital. Quebraria os acordos de Mercosul, BRICS ou de qualquer política alternativa, ainda que dentro da lógica do capitalismo.

A plataforma da candidata Marina, tanto de 2014 e agora volta a defender, é bem clara: BC independente, revisão da CLT, questionamento de políticas públicas, mudança do Pré-sal (que inclusive dará mais dinheiro para Saúde e Educação). Onde esta pauta foi decidida? Era o que se pedia nas ruas em junho de 2013? Nas ruas em 2015 e 2016?

Marina, a melhor colocada em pesquisas recentes, a exemplo de Poroshenko, ou de Rajoy, representa a nova onda conservadora, de reação a qualquer avanço político, com uma base programática extremamente alinhada com os EUA, em particular com o “Novo Estado”, que denomino de Estado Gotham City. O kapital não admite mais intermediários não confiáveis para implantar seu projeto, sua necessidade de realizar o novo ciclo, iniciado imediatamente na explosão da Crise 2.0, pois ao mesmo tempo que um ciclo se fecha, sem a revolução social, outro se inicia, sendo coerente com o que Marx nos legou.

O que depreende-se dessas observações, é que há um centro organizador das revoltas e que deu a dinâmica e mantém os grupos e contatos em todos estes países, com muito apoio material e logístico. Segundo, o resultado prático é um programa conservador, de Direita, que se impõe pela força, sem debates, mascarado no discurso raso contra a corrupção, basta ver quem os comanda.

O Ultraliberalismo acaba servindo de ponte entre aparentes extremistas, de Esquerda e de Direita, a pauta comum tem como base central o questionamento da Democracia e da Política. O aparente desejo de mais participação popular não se provou prática, por exemplo, o que houve no Egito, Espanha e Ucrânia, agora se avizinha no Brasil.

Os signos destas manifestações, desde 2011, é um sopro extremamente conservador, os grupos de esquerda são extremamente minoritários, o que se reflete inclusive nos seus números eleitorais. O PT ficou no meio do caminho, agora parece acordar para realidade, terá tempo de virar esta onda?

Foto: Pedro ladeira

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