Por Baher Kamal.
Em outra violação das leis internacionais e de seus próprios valores humanos, 28 países europeus acabam de acordar com a Turquia a abertura de um novo “bazar” de refugiados, desta vez utilizando o velho sistema de troca: iraquianos e afegãos em troca de sírios e algum dinheiro.
Os governantes dos 28 Estados membros da UE (União Europeia) se reuniram no dia 07/09, em Bruxelas, com o primeiro-ministro da Turquia, Ahmet Davutolu, para negociar um novo acordo para os refugiados.
Segundo o rascunho desse documento, a UE enviará de volta à Turquia todos os refugiados iraquianos e afegãos que tenham chegado ou possam chegar ao seu território vindos de campos de refugiados desse país, em troca de levar algumas centenas de milhares de sírios que se encontram ali.
Esse intercâmbio de seres humanos inclui o pagamento a Ancara de 3 bilhões de euros (R$ 12 bilhões) em três anos — que se somam a outros 3 bilhões de euros oferecidos à Turquia em novembro —, e a promessa de facilitar a entrada de cidadãos turcos no bloco, enfeitada com a retórica habitual de considerar uma possível entrada da Turquia no bloco europeu.
Ao que parece, satisfeito com o novo acordo, Davutolu se comprometeu a abordar o drama do tráfico de pessoas. “Com essas novas propostas, nosso objetivo é resgatar os refugiados, dissuadir os que abusam e exploram sua situação, e encontrar uma nova era nas relações entre Turquia e União Europeia”, afirmou. Não soa mal aos ouvidos, tanto europeus quanto turcos, a não ser pela flagrante ausência do fator de direitos humanos.
Sem ter para onde ir
Atualmente, os refugiados que fogem dos conflitos armados no Afeganistão e no Iraque (dois países que foram invadidos por coalizões militares encabeçadas pelos Estados Unidos e países europeus) representam menos de um terço de todos os que se dirigem à Europa fugindo das guerras em curso no chamado Grande Oriente Médio.
A IPS conversou com um ex-funcionário da Agência Espanhola de Cooperação Internacional, vinculada ao Ministério de Assuntos Exteriores. Com a condição de não ser identificado, ele afirmou que “a Europa trai seus próprios valores fundamentais por tratar o drama humano dos refugiados com um estilo tão mercantilista”.
“Nós, os europeus, vamos a todas as partes criticando e denunciando a falta de democracia e direitos humanos em tantos outros países. Agora, estes mesmos países podem perfeitamente nos culpar por nossa flagrante hipocrisia… tudo isso é uma vergonha”, disse a fonte.
A decisão da União Europeia de abrir esse novo “bazar” de refugiados culmina uma série de medidas contraditórias que seus 28 países membros tomaram desde o último verão boreal.
Aparentemente pressionado pela comoção da imagem do cadáver de Aylan, o menino sírio de três anos que as ondas lançaram na costa da Turquia, em seu primeiro momento, o bloco europeu optou por implantar uma espécie de leilão humanitário pelo qual os Estados membros acolheriam cerca de um milhão de refugiados. A Alemanha ficou com o maior lote.
Também ficou acordado o pagamento, a cada Estado membro, de 6 mil euros (R$ 24 mil) para cada refugiado acolhido. Apesar disso, os 28 países da União Europeia aceitaram menos de 500 refugiados em seus territórios durante os últimos seis meses. No entanto, ao fluxo de 4,5 milhões de sírios, que em sua maioria sobrevive em um estado de agonia em precários campos improvisados no Líbano, Jordânia e Turquia, somou-se quase 250 mil iraquianos e afegãos que fogem de longos anos de derramamento de sangue em seus países, herança da invasão militar.
A Turquia abriga atualmente aproximadamente três milhões de refugiados, dos quais cerca de 360 mil sírios solicitaram asilo nos países da União Europeia no ano passado. Nesse contexto, quase um milhão de refugiados navegaram durante os últimos nove meses da Turquia até a Grécia a bordo de frágeis embarcações e à mercê de traficantes de seres humanos, com a esperança de seguir para outros Estados europeus.
Estima-se que até dois mil refugiados chegam às costas gregas todos os dias, a maioria procedente da Síria, bem como do Iraque e Afeganistão. Não há necessidade de comentar as trágicas cenas de cadáveres dos refugiados boiando nas águas do Mar Mediterrâneo, nem as imagens dos bebês que se agarram às suas mães, das crianças que choram de medo do desconhecido, para não falar dos órfãos abandonados nas margens, depois que seus pais se afogam na tentativa de cruzar as águas turbulentas.
Todo o mundo vê essas tragédias todos os dias em seus televisores. O que aconteceu com os inúmeros tratados internacionais sobre direitos humanos, direitos de asilo, dos refugiados, dos migrantes e das crianças que os europeus promovem e defendem? Trata-se apenas de propostas para seus discursos políticos?
* Da IPS, de Madrid (Espanha)
—
Fonte: Diálogos do Sul.