Por Gustavo Santi.
Bom dia pra quem é do dia!” me acordava o Ale, pelo WhatsApp “Amigo, passe um café preto que estou indo pra sua casa agora”.
É difícil esquecer a alegria contagiante do Ale. Ele era uma pessoa muito querida por todos que o conheciam. Humilde, brincalhão e com um coração gigantesco. Era daqueles que não dava a mínima para objetos de valor, marcas de roupas caras e coisas efêmeras. Sabia que o mais valioso no mundo era o contato com as pessoas, a companhia dos amigos e da família.
Alexandre Santiago, de 32 anos, foi brutalmente assassinado entre a noite de sexta-feira (4) e a manhã de sábado (5) em Florianópolis. O corpo foi encontrado nas imediações dos clubes de Remo, na cabeceira da Ponte Colombo Salles, sem roupas e com as pernas e mãos amarradas. Também havia muitos sinais de violência. A Polícia suspeita de crime de homofobia.
Alexandre residia no Bairro Ingleses, no Norte da Ilha, e trabalhava para uma companhia de aviação. Os peritos do IML que recolheram o corpo encontraram diversas perfurações feitas com faca ou canivete, além do crânio quebrado, provavelmente a pauladas.
A configuração do assassinato do meu amigo passa longe de um latrocínio (assalto seguido de assassinato). Nem uma briga – coisa que o Ale jamais se envolveria – o levaria e ser assassinado com tal brutalidade. E descartamos envolvimento com tráfico de drogas, principalmente com moradores de rua – que nem por cobrança, o fariam sofrer tanto como fizeram.
Acontece que ele, mesmo não sendo afeminado e sem “dar pinta”, era assumidamente gay e fora do Armário para os seus conhecidos. O problema é que conviver com a sexualidade aberta no Brasil é correr risco de vida, sim.
Passei dois dias inteiros pensando sobre a morte dele. Desde o primeiro minuto que acordei até a hora de dormir. Então decidi escrever este post. Para chamar atenção para este caso e para os demais que acontecem pelo Brasil.
Eu eu era ingênuo, achava que Florianópolis era a melhor cidade do Brasil, por não ter violência em comparação com outras metrópoles violentas. Até pensara em me mudar pra lá. Mas depois desta notícia, a minha vontade de voltar para o Brasil se transformou em medo.
Passei anos pra lidar com um ataque que sofri na escadaria entre as ruas Frei Caneca e Avanhandava em São Paulo em meados de 2012. Era um sábado à noite, voltando pela Frei Caneca (rua considerada gay no centro da cidade), vestindo uma calça preta skinny e uma camiseta preta colada no corpo, quando um garoto me deu uma chave de braço no meu pescoço e pediu para eu “ficar quieto”.
Ele poderia ter pego o meu celular, se ele quisesse. Mas ele só queria me imobilizar.
Quando olhei para o lado esquerdo, havia um grupo de 5 caras na grama, do lado de fora da escada, entre uns 18 e 22 anos. Que então começaram a correr na minha direção.
Eu sabia que eles iriam acabar comigo, já que um outro garoto, também gay, foi brutalmente espancado e jogado escadaria abaixo dias atrás no mesmo local. A minha primeira reação, após perceber que o cara que me segurava estava desarmado, foi dar um cotovelada na barriga dele e me puxar para frente, com todas as minhas forças, escadaria abaixo para conseguir escapar.
Não havia ninguém no momento do ataque, nem na rua de cima, nem na rua de baixo. Dei um grito alto para chamar a atenção e mesmo assim levei murros na cabeça, no pescoço, chute nas costas e rasguei o meu braço durante a fuga.
A minha sorte foi que ao chegar na rua Avanhandava, onde eu morava na época, uma viatura da polícia militar apareceu bem no momento em que os garotos corriam atrás de mim. Foi um milésimo de segundo para gritar socorro pra polícia, apontar para os garotos e decidir fugir, do que conviver com o medo de ter o rosto gravado para uma futura vingança.
Ao chegar em casa, 3 amigos foram me visitar para me dar apoio. Eu tentava dizer que estava tudo bem, me mostrando forte com a situação. Mas na realidade, nos anos seguintes ao ataque, convivia com medo de andar sozinho na rua e preferia sempre subir com alguém, pegar ônibus ou andar de Taxi num caminho que poderia ser feito 20 minutos à pé do centro para a avenida Paulista.
O problema estava quando tentei fazer o Boletim de Ocorrência, no 4 DP da Consolação, o Delegado me perguntou se fui assaltado e disse que era uma briga de rua, debochando totalmente do caso. E que se eu quisesse abrir um B.O., eu deveria, primeiro, ir ao hospital fazer exame de Corpo de Delito.
A sensação de insegurança só piora após ir a delegacia pedir ajuda. Mostra que a Polícia Militar de São Paulo, machista e sem empatia, está completamente despreparada para lidar com estes casos.
Ou seja: ao invés de registrar, ao menos, informações sobre o local do ataque, a polícia faz um descaso em um momento traumatizante, onde você está sozinho, impossibilitando o registro da ocorrência e sem a mínima vontade de combater casos como esse, que podem ser fatais, como o do Alexandre.
A morte do meu amigo neste último final de semana me fez refletir muito. A sensação de insegurança voltou com tudo, como uma paranoia sobre tudo e todos que sabem sobre a minha condição sexual. Me fez repensar sobre o que quero para pessoas como nós, para jovens e crianças que estão vindo (para sofrerem mai bullying nas escolas) e para o futuro do Brasil e do mundo – porque aqui em São Francisco, capital gay do mundo, também existem crimes de homofobia, infelizmente.
É precisa colocar um BASTA. Chega! Pedir as autoridades que olhem com cuidado cada caso. Que não tratem as pessoas como um indigente – como fizeram nessa matéria falando que o Alexandre era morador de rua – e que levem a sério este tema para as escolas, cortando o problema do ódio, na raiz: o preconceito.
Lemos relatos de pessoas que sofrem com estes ataques todos os dias. Mas nunca temos empatia o suficiente para sentir a dor que todos sentem. Até que a morte bate na nossa porta e leva pessoas que amamos, que fazem parte da nossa história, destruindo sonhos e uma vida cheia de esperanças.
Só peço que a mídia, como a RBS que fez essa matéria horrenda pressione as autoridades para que consiga mais informações sobre o caso do Alexandre e que a Polícia Civil erga as mangas e trabalhe duro em uma investigação minuciosa e profissional, em prol não só da vida do Alexandre mas de diversos gays, lésbicas, travestis e transexuais que vivem sobre o medo de ser apagado a qualquer momento desta terra.
Nada, nada irá fazer passar a dor que estamos sentindo agora com a ausência do Ale. O que queremos, no mínimo, é JUSTIÇA e RESPEITO.
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Fonte: Gustavo Santi.