Por Marco Weissheimer.
O projeto do governo José Ivo Sartori (PMDB) de esvaziar e mesmo extinguir várias fundações do Estado, apresentado em 2015, ganhou um novo capítulo com o envio, dia 26 de fevereiro, do Projeto de Lei 44/2016 tratando da “qualificação de entidades como organizações sociais”. Em sua justificativa, o projeto afirma que “o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à gestão, proteção e preservação do meio ambiente, à ação social, ao esporte, à saúde e à cultura, atendidos determinados requisitos como, por exemplo, comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre a natureza social de seus objetivos e a finalidade não lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades, dentre outros”.
O caráter amplo do projeto, caso aprovado, permitirá ao Estado passar para essas organizações sociais atividades que hoje são desempenhadas, por exemplo, pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental ou pela Fundação Zoobotânica. Em agosto de 2015, Sartori encaminhou à Assembleia Legislativa proposta de extinção da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps), Fundação de Esporte e Lazer (Fundergs) e Fundação Zoobotânica. A justificativa foi “otimizar a máquina pública e evitar sobreposição de funções”. A extinção da Fundergs já aprovada pela Assembleia, em dezembro de 2015, e publicada no Diário Oficial do Estado dia 5 de janeiro. Os projetos propondo a extinção da Fepps e da Fundação Zoobotânica não foram votados em 2015 devido à mobilização e pressão de servidores, mas devem voltar à pauta de votações este ano.
Cortes de recursos: o caso da Fundação Liberato
Além das propostas de extinção formal, outra ameaça que paira sobre as fundações é o corte de recursos que já afeta o funcionamento diário e os serviços prestados por essas entidades. O blog do jornalista Martin Behrend, de Novo Hamburgo, relata os sérios problemas vividos pela Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, qu conta hoje com cerca de 3.500 alunos matriculados, provenientes de mais de 50 municípios do Rio Grande do Sul. Behrend publica relato de Andreia Goldstein de Moraes, servidora da Fundação Liberato e delegada sindical, publicado no Facebook e endereçado ao governador José Ivo Sartori:
“Os servidores têm, mediante acordo coletivo, garantido o fornecimento de vale alimentação, auxílio creche e vale transporte. Ocorre que o vale alimentação para o mês de fevereiro não nos foi fornecido. E na folha de fevereiro já nos foi adiantado que não receberemos o valor referente ao auxílio creche, bem como não serão creditados os vales transporte para deslocamento de/para o trabalho. Estes valores são, por determinação legal, uma obrigação do tesouro do Estado, inclusive previstos em orçamento. O Governo do Estado está pressionando a direção da Fundação para que utilize o ingresso de receita, leia-se mensalidades escolares, para provimento destes benefícios. Ocorre que as mensalidades servem única e exclusivamente para o custeio e manutenção das atividades da Fundação Liberato enquanto escola tais como: manutenção dos cursos, água, luz, telefone, limpeza, segurança patrimonial.
Acontece que a arrecadação não comporta o pagamento de tudo isto e mais o vale alimentação, o auxílio creche e o vale transporte dos servidores, o que acarretaria que a Fundação Liberato tivesse que deixar de adimplir suas contas mensais, a fim de cumprir com as obrigações trabalhistas. Ou talvez tenha que aumentar o valor da mensalidade, elitizando a instituição, e perdendo o selo de escola pública (temos que manter um percentual de alunos isentos), inviabilizando nossos alunos de concorrem a uma bolsa do Prouni. Isto faria com que a escola acabasse ficando sucateada por falta de investimentos nos cursos, e correndo o risco de não conseguir funcionar, por que se a luz e água não forem pagas, logo os serviços serão cortados”.
Preocupação na área ambiental
O PL 44/2016 pode atingir também a área ambiental no Estado. O governo Sartori tem planos para fundir a Fundação Estadual de Proteção Ambiental com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente que, no início da atual administração, passou a ser chamada de Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Algumas estruturas das duas instituições já foram unificadas, como ocorreu na estratégica área jurídica. Logo que assumiu, a secretária Ana Maria Pellini decidiu unificar os jurídicos da Secretaria, da Fepam e da Fundação Zoobotânica, criando a figura da Coordenadora Jurídica do Sistema Ambiental do Estado. A escolhida para o posto foi a procuradora Andrea Flores Vieira, pivô de uma polêmica na CPI do Detran, realizada durante o governo Yeda Crusius.
Amiga de Flávio Vaz Netto, ex-presidente do Detran e ex-procurador do Estado, Andrea Flores Vieira foi designada pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) para assisti-lo depois da prisão do mesmo no dia 6 de novembro de 2007. Andrea Vieira auxiliou até maio daquele ano o então relator da CPI, Adilson Troca (PSDB). Quando a amizade dela com Vaz Netto veio a público, houve constrangimento na CPI e ela acabou sendo afastada da comissão e retornando a PGE.
Servidores da área ambiental manifestaram preocupação com a medida, pois consideram que esses órgãos têm atribuições legais específicas e diversas, o que não poderia ser alterado por um ato unilateral da secretária. Mas a mudança ocorreu rapidamente. No mesmo dia em que apresentou Andrea Flores Vieira, Ana Pellini determinou a desocupação do andar onde estava instalado o jurídico da SEMA e a sua transferência para o local onde está o jurídico da Fepam. No mesmo dia, também foi ordenada a transferência do advogado da Fundação Zoobotânica, do Jardim Botânico. O objetivo dessas mudanças foi unificar todos os advogados e assessores jurídicos das três instituições em um só corpo coordenado diretamente por Andrea Vieira e Ana Pellini.
Essa medida veio acompanhada pela proposta de extinção da Fundação Zoobotânica, a adoção do licenciamento auto-declaratório, a proposta de privatização através de concessão das Unidades de Conservação e do Parque Zoológico, entre outras medidas. Agora, no início de 2016, o deputado Frederico Antunes (PP) propôs a criação de uma subcomissão para discutir o “aperfeiçoamento do Código Ambiental do Rio Grande do Sul”. A transferência de atribuições que hoje são da Fepam para organizações sociais, como prevê o PL 44/2016, seria mais um passo na direção do modelo de gestão ambiental idealizado pelo governo Sartori e operado pela secretária Ana Pellini.
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Fonte: Sul21