Por Tatiana Carlotti.
Entre os dias 31 de março e 2 de abril, na cidade de Valência (Espanha), será realizado o Fórum Mundial Sobre Acesso à Terra e aos Recursos Naturais, o FMAT 2016. Com apoio da FAO (ONU) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Fórum é promovido por organizações camponesas, governamentais e da sociedade civil de vários países.
O FMAT 2016 acontecerá dez anos após a 2ª. Conferência Internacional sobre a Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (Porto Alegre, 2006) e o Fórum Mundial sobre a Reforma Agrária (Valência, 2004). Um dos objetivos é traçar um diagnóstico sobre a desigualdade do acesso à terra e aos recursos naturais, avaliando os avanços e retrocessos ao longo da década e propondo caminhos para o futuro.
Como explicam os organizadores do FMAT, é “imperativo” e “essencial” que seja realizada uma avaliação sobre as consequências, a curto e longo prazo, da desigualdade de acesso aos recursos produtivos hoje no planeta. Eles alertam: “as tendências [hoje] parecem inalteradas ou piores” em relação às registradas há uma década.
No site do evento, os signatários do FMAT denunciam a mercantilização dos recursos naturais e questionam: “a decisão de promover as empresas agrícolas, com base na produção de um pequeno número de commodities, na forte utilização de insumos sintéticos e de combustíveis fósseis, e na utilização de trabalho assalariado irá resultar em aumento significativo da produção e da riqueza?”
“Criará emprego e renda para centenas de milhões de ativos, hoje excluídos, e para outros tantos ou mais esperando para entrar no mercado de trabalho?”, complementam.
Avanço nas discussões
As discussões que permearam o I Fórum Mundial da Reforma Agrária (FMRA) e a 2ª Conferência Internacional Sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Agrário (CIRADR) serão atualizadas durante o FMAT 2016. Os dois eventos, aliás, contaram com vasta cobertura da Carta Maior: confiram o especial FMRA e o especial CIRADR .
Em 2004, enquanto a FAO alertava para o crescimento da fome em escala global, o Fórum Mundial da Reforma Agrária (FMRA), em Valência (Espanha), reafirmava o acesso à terra como direito de toda a humanidade, redefinindo os marcos de uma nova agenda para a reforma agrária. O FMRA também defendia que questões relativas à alimentação e à agricultura fossem retiradas das discussões travadas no âmbito da OMC e dos acordos comerciais bi e multilaterais.
Já, em 2006, a 2ª Conferência Internacional Sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Agrário, em Porto Alegre, apontava a insegurança alimentar, a fome a pobreza rural como resultados diretos da falta de acesso aos recursos produtivos. E defendia, em sua resolução, uma agenda da reforma agrária em nível global, atualizando o compromisso com o desenvolvimento rural e o combate à fome no planeta.
Piora da desigualdade
Dez anos depois desses eventos, os organizadores do FMAT 2016 divulgam o texto Antecedentes e Balanço Amargo, denunciando que as mudanças observadas no campo, em âmbito global, nos últimos dez anos, “estão longe das recomendações que foram feitas pelo FMRA e pela CIRADR”. Eles alertam: “a situação tem mesmo vindo a piorar”.
O balanço aponta como principal causa do retrocesso “os processos de aquisição e de arrendamento de terras, realizados em larga escala e por um pequeno número de agentes econômicos”.
Voltadas à exportação, essas aquisições de terras têm como base “a produção de monocultura, dependendo fortemente do uso massivo de energia fóssil, insumos de origem industrial e sementes transgênicas, representando risco de poluição dos solos e das águas, além da diminuição da biodiversidade”, explica o documento.
Em coletiva de imprensa, João Pedro Stédile, liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), denunciou como esse processo vem acontecendo no Brasil. Dando nomes aos bois: “Cargill, Bunge, ADM, Dreyfus e Shell”, ele contou como as empresas estrangeiras vêm burlando a legislação brasileira para adquirir vastas extensões de terras no país.
Aquisição de terras pelo capital estrangeiro
Segundo a lei brasileira, explicou Stédile, a compra de terras por estrangeiros “não deveria ser mais de 1.500 hectares por fazenda”. Essas aquisições também não podem ultrapassar o limite de 25% da área total de um município. No entanto, as multinacionais acabam se tornando acionistas majoritários de usinas e outros empreendimentos nacionais, comprando grandes extensões de terras, mas sem alterar o registro dessas propriedades no Incra.
A partir dessa manobra, oficialmente, a terra permanece em nome do proprietário brasileiro no cadastro do Incra, quando o acionista principal é a multinacional. “No cadastro da usina, ela tem 50 mil hectares e é dona de metade do município”, denuncia. Um exemplo? “A Bunge tem milhares de hectares, mas não aparece como proprietária de terra. É dona de, no mínimo, umas 30 usinas em São Paulo”.
A liderança do MST também chamou a atenção sobre um projeto de lei em curso no Congresso Nacional. Trata-se de mais uma manobra do agronegócio para mudar a legislação sobre aquisição de terras por estrangeiros no país. Encaminhado pela bancada ruralista, o projeto visa alterar a lei vigente, permitindo ao capital estrangeiro a compra de qualquer quantidade de terras no Brasil.
“Todos os movimentos do campo são frontalmente contrários a qualquer alteração da Lei. Já chega a malandragem que eles fazem”, afirmou Stédile.
Fonte: Carta Maior