Por Claudia Weinman, para Desacato. Info.
Seria pedir demais um dia para os indígenas, caboclos/as, para falar dos povos que foram expulsos de São Miguel do Oeste/SC antes mesmo que a cidade, que o “Velho Oeste”, fosse construído aos moldes do desenvolvimento capitalista não é mesmo. Assim também têm sido fatigante discutir a importância de se fazer uma semana para trabalhar a Consciência Negra nas escolas. Conflituoso também, é receber a notícia de que as aulas de geografia e história não são tão interessantes para o vestibular. Decisões tomadas em gabinete e que ferem os ‘esquecidos’. Perturbam as pessoas que até hoje, saem das unidades básicas de saúde com as mãos ao vento, faltam medicamentos e fraldas geriátricas, isso quando ninguém despenca em um dos vários buracos que ‘enfeitam’ a cidade.
Mas, qual é a intenção de falar disso agora? Na verdade, não são recentes estes apontamentos, mas repercutem nesta semana pelo fato de que é inumana a maneira como a comunidade Migueloestina teve que receber a “comemoração” dos 62 anos de emancipação político-administrativa de São Miguel do Oeste/SC, celebrada na data de ontem, dia 15 de fevereiro de 2016. Sem dúvida, é uma programação seletiva, pensada a partir da colonização de São Miguel do Oeste e por isso, não tem compromisso com a comunidade, nem mesmo com quem aprendeu a viver neste espaço moldado.
A ‘festa’ direcionada a uma parcela da população, chamou atenção pela parada “Food Truck”, que para quem não conhece, são caminhões que fazem suas paradas em pontos estratégicos das cidades, são normalmente contratados para algum tipo de evento e trazem comida diferenciada e dentro desse diferencial, muitas calorias, gorduras e tudo aquilo que é prejudicial à saúde. Mas, foi nesse espírito que a ‘comemoração’ aconteceu.
Nas redes sociais, pode-se acompanhar algumas críticas fundamentadas. Nelas, as pessoas falam: “O que eu questiono não é a iniciativa privada… é a administração pública… A comemoração de uma data municipal geralmente é estendida a todo o munícipe… logo, quem pode consumir não estará diretamente participando da festa municipal…mas quem não pode comprar ou não quer…como vai se sentir “homenageado” com o feriado”?
Outra questão exteriorizada via rede social, remete a cobrança que se faz aos vendedores ambulantes, onde até outro dia, a assessoria de imprensa da Câmara Municipal de Vereadores encaminhou uma notícia com o seguinte teor: “Vereadores cobram fiscalização sobre vendedores ambulantes. O vereador justificou que pessoas com pequenos comércios sofrem com a “invasão” de vendedores ambulantes de diversos setores, e pediu mais fiscalização sobre a cobrança de tributos”.
Nesse sentido, uma das moradoras de São Miguel do Oeste respondeu: “Os trabalhadores, super explorados que vendem redes na cidade de sol a sol, tem que vender escondidos porque estão “tirando o lucro” dos coitadinhos dos comerciantes e como fica esses caminhões que são de outros municípios?? ??? esses podem” ???
Nesta ‘comemoração’ seletiva, os esquecidos não compareceram a parada “Food Truck”. Mas compareceram a unidade básica de saúde buscando os seus direitos, na Câmara de Vereadores onde conseguiram reverter a decisão sobre a tentativa de redução nas aulas de história e geografia, compareceram também, inúmeras vezes, os professores, exigindo o pagamento de seus salários atrasados. Mas ficaram de fora desta comemoração, e sabem porquê? Nenhum trabalhador/a explorado/a, sem dinheiro, saberia como explicar para seus filhos que eles não têm direito de comer algum daqueles alimentos porque vivemos em uma sociedade dividida em classes. Nenhum menino\a indígena se divertiria nesta ‘celebração’ que conserva uma história inventada. Uma história que nega outras histórias, ‘esquecidas’ propositalmente pelos coronéis, pelos donos da imprensa e outros mais.
O machado que enfeita uma das principais rótulas da cidade nos fere profundamente, primeiro por negar as nossas vidas, de nossos parentes indígenas, caboclos/as, negros/as e depois, por martirizar ainda mais a população explorada, mostrando que quem tem o direito de participar é apenas a parcela que atua de cima para baixo. Esquecem que estes apenas sobrevivem porque nós existimos, a classe camponesa e operária e que não sente-se representada nestes 62 anos de violência, de genocídio, de sangue derramado.