Por Daniela Augusta.
Sobre um cimento sujo cercado por grades, com a presença de ratos e escorpiões, garotos se “acomodam” em colchões inutilizáveis e se alimentam com pouca comida – às vezes, até mesmo estragada. Por longos dias, permanecem sem assistência à saúde, água potável, produtos básicos de higiene, vestimentas adequadas, banho quente ou de sol. É o “Corró”, como é popularmente conhecida a cela anexa à cadeia pública de Limeira, município a 146,8 km de São Paulo, para onde são levados os adolescentes locais em conflito com a lei. Frequentemente, o espaço excede sua capacidade indicada, chegando a encarcerar mais de seis pessoas em quatro metros quadrados. Os jovens sob custódia são separados dos adultos detidos apenas por uma parede.
“O espaço é insalubre”, denuncia a defensora pública Amanda Diaz, que desde 2013 acompanha o caso e, consequentemente, testemunhou por diversas vezes tais condições. Os adolescentes também costumam relatar a precariedade a que são submetidos a representantes do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), que visitam regularmente o local e encaminham as denúncias às entidades competentes.
“Não são observados quaisquer princípios que normalmente regem as medidas de natureza socioeducativa”
A Ponte visitou a delegacia, onde fica as celas, mas o delegado Antônio Luís Tuckumantel não compareceu à entrevista previamente agendada. “Houve um imprevisto”, avisou a secretária, que pediu a um segurança que acompanhasse a reportagem para tirar algumas fotos. O mau cheiro da cela pôde ser sentido a quase três metros de distância, limite estabelecido pelo funcionário. No entanto, na ocasião nenhum adolescente foi visto.
Por meio de mensagem eletrônica, o delegado justifica que “não há escassez de produtos de higiene pessoal, [pois] estes são fornecidos pelas famílias”. Ele afirma que a limpeza do espaço é feita regularmente e considera satisfatório o serviço de alimentação, salientando que a empresa fornecedora venceu processo licitatório.
De acordo com Amanda Diaz, até 2013 os adolescentes apreendidos em Limeira eram encaminhados a uma Casa de Custódia, que foi desativada. Os jovens, então, passaram a ser levados à delegacia, onde “não são observados quaisquer princípios que normalmente regem as medidas de natureza socioeducativa”, pontua. Ela conta que em 2015 a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou uma ação civil pública com o objetivo de que “o adolescente apreendido em Limeira não seja custodiado na cadeia pública local, até a disponibilização de vaga para sua internação provisória junto à Fundação Casa”.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atividades pedagógicas devem ser iniciadas mesmo quando a apreensão é provisória, que deve ser feita em unidade de atendimento socioeducativo que cumpra critérios específicos para o acolhimento de adolescentes. Em comarcas que não possuem os serviços adequados, o tempo de reclusão não deve ultrapassar cinco dias. Essas disposições são totalmente ignoradas em Limeira, declara a defensora. O município do interior paulista possui duas unidades da Fundação Casa – Limeira e Morro Azul –, que, porém, não têm vagas imediatas disponíveis, explica Alcides Oliveira, oficial de promotoria do Ministério Público Estadual.
Questionada pela reportagem, a Fundação Casa, por meio de sua assessoria de imprensa, assegura que a instituição “não tem relação alguma” com as violações ocorridas na delegacia de Limeira. A Vara da Infância do município, por sua vez, informa que, como o caso atualmente tramita em segredo de Justiça, não se pronunciará.
—
Fonte: Ponte