Especialistas do IFF/Fiocruz esclarecem algumas dúvidas sobre o vírus zika e a microcefalia

Por Aline Câmera e Nara Boechat.*

Em entrrevista, os especialistas do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Ana Elisa Baião, Márcio Nehab, Tânia Saad e Leonardo Menezes respondem as algumas dúvidas sobre o assunto.

O que pode gerar uma microcefalia?

Tânia Saad: A microcefalia é uma situação bastante antiga dentro da medicina. Justamente porque ela não tem uma única causa. Os vírus, de uma forma geral, podem causar microcefalia. O que a gente mais conhece é o vírus da rubéola, um dos mais antigos e que a gente já tem campanhas para evitá-lo, como a vacinação. Mas o citomegalovírus, que parece uma gripe para a mãe, também pode ser causa de microcefalia. O herpes vírus, a toxoplasmose, alguns estágios da sífilis, menos frequentemente, mas além desses quadros que são infecciosos, você também pode ter alterações do metabolismo do bebê, causando isso; você pode ter alterações do fluxo da placenta, da quantidade de sangue com nutrientes que passa da mãe para esse bebê. Por exemplo, problemas de pressão alta, que muitas vezes acontecem durante o pré-natal, podem acabar gerando um crescimento intrauterino restrito, além da própria situação genética, muitas vezes é uma família que tem tendência a ter um crânio menor ou maior.

Como funciona a ação do vírus nos casos de microcefalia?

Tânia Saad: O vírus passa pela placenta e vai então acometer o tecido cerebral de uma forma que vai desacelerar o crescimento dos neurônios e células que existem. E é essa alteração do crescimento cerebral que vai acabar causando uma alteração na taxa de crescimento do osso. Por isso que leva tanto tempo, nada que vai aparecer em duas, três semanas e possa calcificar o cérebro. Quando há calcificações é indício de que essa infecção aconteceu muito cedo na gestação. A calcificação pode impedir que o cérebro continue a se desenvolver bem.

O vírus pode ser transmitido em uma relação sexual?

Márcio Nehab: A via de transmissão mais conhecida é através do mosquito, o Aedes Aegypti. Ainda é necessário muito estudo para se chegar à conclusão de que pode acontecer a transmissão sexual, pois pouco se conhece sobre o vírus zika. No momento, temos que nos preocupar mais com o vetor conhecido, que é o mosquito, como a via de transmissão do vírus.

Se a mãe tiver o vírus zika durante o período de amamentação, ela pode transmiti-lo para o bebê?

Ana Elisa: Há relatos de pesquisa que mostraram o isolamento do vírus no leite materno, mas não existe comprovação de transmissão por essa via. Não há ainda comprovação suficiente para uma medida tão drástica que é a suspensão do aleitamento materno, que tem uma série de outras vantagens. Portanto, as mães não devem parar de amamentar. A gente sabe que tem outras infecções congênitas que podem ser transmitidas durante a gravidez e que não são transmitidas no aleitamento, embora exista o vírus no leite também. Então, à luz dos conhecimentos científicos atuais, não temos evidências para alterar condutas assistenciais e técnicas no que concerne ao aleitamento materno e aos Bancos de Leite Humano.

Qual o período mais arriscado para a gestante entrar em contato com o vírus transmitido pelo mosquito?

Ana Elisa: Ainda há muito mais perguntas do que respostas sobre o vírus zika. Até o momento, sabemos que o primeiro trimestre é sempre o mais delicado, e isso em qualquer situação, independentemente do zika. É neste período que há mais chances de o vírus, seja ele qual for, ultrapassar a barreira placentária. O que indicamos hoje é que as mulheres devem redobrar os cuidados por todo o período de gravidez.

Como as gestantes podem se prevenir da picada do mosquito? O repelente é o mecanismo mais seguro?

Ana Elisa: O repelente é, de fato, um mecanismo muito importante e eficaz de prevenção. A maior parte das marcas comerciais deles é de uma substância que as grávidas podem utilizar. É indicado usar o repelente em áreas mais expostas. Atenção a mãos, pescoço, rosto e todas as áreas que vão ficar mais expostas inevitavelmente nesse período do verão. Mas existem outras medidas para se prevenir do Aedes Aegypti, como evitar a exposição nos horários de pico do mosquito -amanhecer e anoitecer – e, na medida do possível, usar as barreiras mecânicas, como roupas de manga comprida e calça comprida.

A ultrassonografia é precisa no diagnóstico da microcefalia?

Ana Elisa: A ultrassonografia é precisa no diagnóstico de microcefalia. A ultrassonografia é capaz de identificar outras características, outras malformações cerebrais que poderiam determinar a microcefalia também e que não estariam relacionadas com o zika.

Existem casos em que só podem descobrir depois que nascem?

Tânia Saad: Sim. Se o contato com o vírus acontecer depois do segundo trimestre da gravidez pode não haver tempo suficiente para aparecer na ultrassonografia. Então, muitas vezes, depois da 30ª, 32ª semana é que objetivamente pode começar a ver indícios da microcefalia, quando a mulher, por exemplo, é infectada com dois meses, dois meses e meio de gestação o que seria aproximadamente 10 a 12 semanas.

O que deve ser feito quando um bebê nasce com microcefalia?

Ana Elisa: A criança com microcefalia será investigada em relação às infecções que podem estar relacionadas. Ela será submetida a exames de imagem para coletar mais informações. Um acompanhamento específico, com uma equipe multiprofissional irá apontar o tipo de deficiência que esta criança irá apresentar e quais as medidas que vão ser tomadas para tratar essas deficiências para que a criança possa ter um bom desenvolvimento dentro do possível.

Qual o acometimento de crianças com microcefalia?

Marcio Nehab: A criança que tem microcefalia pode ter o acometimento cerebral ou pode ter outras malformações do sistema nervoso central, levando a graus variáveis de sequelas. A microcefalia pode parecer nova para a população em geral, mas esse diagnóstico de qualquer tipo de deficiência é uma questão que o IFF está acostumado a lidar há muitos anos. A gente tem uma equipe multiprofissional que lida com crianças com diversas patologias, não só a do sistema nervoso central.

Toda mãe que teve zika terá um bebê com microcefalia?

Ana Elisa: Pouco se conhece sobre o vírus zika e outros fatores poderiam estar influenciando a passagem deste vírus pela barreira placentária. Podem ter outros fatores que estejam propiciando a microcefalia. Contudo, podemos afirmar que nenhuma infecção que ocorra durante a gravidez tem uma taxa de 100% de transmissão para o feto. E quando tem infecção no feto, elas não se manifestam da mesma forma. Por ser um assunto novo, não tem como a gente afirmar qual é essa taxa de transmissão e qual a chance do feto desenvolver a doença.

Como é feito o diagnóstico de microcefalia?

Tânia Saad: O diagnóstico da microcefalia não é só a avaliação do perímetro encefálico. Para considerar o tamanho da cabeça do bebê, é preciso observar o momento em que este bebê nasceu. Se ele é prematuro, terá uma cabecinha menor, mas também terá um corpinho menor. É preciso considerar a relação entre a curva do perímetro encefálico, a curva do peso e a curva da estatura da criança; observar se existe a proporção entre o rostinho do bebê e o crânio, ou seja. Ver se não está sobrando pele sobre o crânio, que são elementos que vão ajudar nesse diagnóstico. Além disso, é preciso realizar o exame neurológico e muitas vezes no primeiro exame já é possível observar algumas alterações do desenvolvimento desse bebê. Ele é mais durinho do que deveria ser, às vezes é um pouco mais alheio. Estas são situações que ajudam também a fechar esse diagnóstico. Não só o tamanho da cabecinha.

A microcefalia tem algum tratamento?

Tânia Saad: A microcefalia tem tratamento, mas não é um tratamento específico, depende do acometimento e grau que a criança vai apresentar. Uma vez que ela tenha sido diagnosticada, será necessário cuidar das suas necessidades: fisioterapia, se ela estiver mais rígida, se estiver evoluindo com atraso no desenvolvimento; fonoaudiologia, se tiver dificuldade para engolir; terapia ocupacional para ensinar o bebê para que que servem os movimentos que a fisioterapia vai ajudar a desenvolver; fisioterapia respiratória para que ele possa respirar melhor; neuropediatria porque ele pode desenvolver crises convulsivas; a própria pediatria, gastrenterologia, nutricionista para ajudar essa criança a ter uma boa curva de peso, para que ela possa suportar bem todas as intervenções de interdisciplinaridade que vai precisar. Dependendo do acometimento, vai precisar de mais ou menos suporte.

O que a criança que nasce com microcefalia tem de deficiência?

Márcio Nehab: É impossível dizer qual acometimento cerebral ela vai ter.  Ela pode ter retardo mental, paralisia cerebral, epilepsia, atraso no desenvolvimento global. Existem diversas manifestações clínicas do acometimento cerebral, levando a diferenças em relação ao prognóstico dessas crianças. Algumas crianças podem desenvolver um grau de microcefalia pequeno e que não tem nenhum acometimento cerebral. Isso pode acontecer. Existem tem gradações de microcefalia, inclusive, a Sociedade Americana de Neurologia classifica em microcefalia e microcefalia severa.

Qual o conselho para as mulheres que desejam engravidar no momento?

Leonardo Menezes: Esse é um risco que deve ser dividido. Mas como infectologista, acredito que o mais prudente é postergar a gravidez, caso haja a possibilidade, até para a gente entender melhor o que está acontecendo. Não há ainda subsídios clínicos de entendimento sobre essa doença para poder dizer por quanto tempo isso vai acontecer. A gente precisa ter tempo para entender o que está acontecendo para ter uma resposta mais fidedigna em relação ao zika.

Uma criança já nascida pode ter microcefalia se a mãe pegar zika?

Leonardo Menezes: Não. A microcefalia não é uma doença transmissível, ela está associada a uma deficiência no crescimento do cérebro, dado pela doença intraútera, ou seja, uma infecção que ocorre dentro da barriga da mãe.

O zika pode causar problemas para crianças que já nasceram?

Leonardo Menezes: A zika, assim como outras doenças, quando se pega fora da barriga da mãe não traz tantos problemas. O problema é quando a infecção ocorre ainda na formação do bebê, no primeiro trimestre da gravidez. Habitualmente, o indivíduo que já nasceu não tem um impacto clínico ou sequelas.

O zika tem o mesmo efeito em crianças e adultos?

Leonardo Menezes: Os sintomas da zika em crianças são semelhantes aos dos adultos: manchas com vermelhidão na pele, principalmente nas extremidades, que podem coçar; febre baixa; dor nas pequenas articulações; dor de cabeça; enjoo e conjuntivite leve, sem pus.

É verdade que a vacina contra a rubéola vencida é a causa do surto de microcefalia?

Leonardo Menezes: Este boato não tem fundamento. E, do ponto de vista técnico, acredito que nem o Ministério da Saúde nem as autoridades competentes dariam vacina vencida para qualquer cidadão do país.

A prevalência de infecção por vírus zika em grávidas que tiveram filhos com microcefalia é significantemente maior do que as grávidas que tiveram filhos sem microcefalia?

Leonardo Menezes: O que há atualmente é um rumor, com alguma evidência do ponto de vista de aumento da incidência da Zika, associada ao aumento de casos de microcefalia. A estatística é fundamental para começar a mostrar alguma relação entre zika e microcefalia, mas ainda não há um estudo pronto, até pela questão do tempo. Podemos ter infecção por zika em mulheres e isso não quer dizer necessariamente que uma infecção causa a microcefalia que estamos observando.

Uma mãe que já teve zika em algum momento da vida é capaz de ter um bebê com microcefalia?

Leonardo Menezes: Não há um risco maior da criança nascer com microcefalia se a mãe já tiver contraído zika no passado. Por exemplo, se uma mulher que teve a doença há um ano e engravidar hoje não terá problema maior. As infecções congênitas que levam a alterações fetais geralmente acontecem quando o paciente tem a infecção no momento da gravidez.

Uma pessoa que esteja com zika deve evitar algum tipo de medicamento como acontece no caso da dengue?

Leonardo Menezes: A dengue tem um problema maior com medicamentos porque a doença costuma cursar com a baixa de plaquetas, e estas são fundamentais na coagulação do sangue. E quando o paciente toma um anti-inflamatório, como o AAS, Ibuprofeno, o remédio inibe a adesão de plaquetas. No caso da zika, a diminuição de plaquetas não é um fenômeno muito encontrado, mas, por precaução, deve-se evitar medicamentos como anti-inflamatório e tomar o paracetamol ou dipirona.

O antialérgico pode ser indicado para zika?

Leonardo Menezes: Os antialérgicos podem ser dados como medicamentos paliativos, mas não há indicação formal para esse tipo de medicamento nessa patologia.

As receitas caseiras podem ser usadas para o tratamento da zika?

Leonardo Menezes: Não. As receitas que não têm validade do ponto de vista científico. Como membros da academia da ciência, a gente não pode recomendar uma intervenção deste tipo. Assim como no caso de repelentes caseiros e outras sugestões que falam em uma situação como esta que estamos vivendo.

Há vacina contra o vírus zika?

Leonardo Menezes: Não. Ainda não há conhecimento suficiente sobre a doença para se criar uma vacina.

*IFF/Fiocruz

Da Agência Fiocruz de Notícias

Fonte: EcoDebate

 

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