O triunfo da xenofobia

Por Gianni Carta. Eis um fato inédito na história da Quinta República: as manchetes de diários de ideologias diametralmente opostas, o ultraconservador Le Figaro e o comunistaL’Humanité, eram as mesmas: “Le Choc”. Isso na segunda-feira 7, quando a xenófobalegenda de extrema-direita de Marine Le Pen, a Frente Nacional, foi aquela a angariar mais votos no primeiro turno das eleições regionais realizadas no dia anterior. 

Essa coincidência na escolha da manchete de publicações tão diversas pode ser a chave para compreendermos o desespero de uma fatia do eleitorado francês diante da marcha inexorável da agremiação extremista. Estaríamos a viver o princípio de uma revolução lepenista, que poderia culminar nas eleições gerais de 2017?

De qualquer forma, a queda de braço não deverá acontecer somente entre duas agremiações, uma de direita gaullista e uma de centro-esquerda. A Frente Nacionaladentrou o tablado político: esta foi sua primeira vitória em uma eleição nacional.

Com 29% dos votos, a FN venceu em 6 das 13 regiões. Os Républicains, nova denominação da agremiação direitista de Nicolas Sarkozy, ficou em segundo lugar, com 26,3%. Os socialistas e a esquerda radical angariaram 23,21% e 10% respectivamente. No segundo turno do domingo 13, o maior partido extremista da Europa não ganhará as seis regiões, segundo as últimas previsões.

Em jogo estão, por exemplo, duas das principais regiões conquistadas pela extrema-direita, a do Nord-Pas-de-Calais-Picardie, onde Marine Le Pen levou 40,5% dos votos, e da Provence-Alpes-Côte d’Azur, vencida pela sobrinha Marion Maréchal-Le Pen, de 25 anos. 

Conforme a pesquisa, a TNS Sofres One-Point, realizada para o Le Figaro, o prefeito republicano de Nice, Christian Estrosi, eliminará Marion com 54% contra 46% dos votos.

Situação similar no Nord-Pas-de-Calais-Picardie, onde Xavier Bertrand, outro sarkozysta, ficará com 53% dos sufrágios, contra 47%. Os porcentuais são redondos porque o Partido Socialista retirou seus candidatos do páreo: ocuparam o terceiro lugar e dariam maiores chances para as Le Pen serem eleitas. 

No entanto, nada é matemático. De saída, pesquisas podem falhar. Certo é que um em dois franceses preferiu não votar no primeiro turno. E, se os eleitores socialistas ouvirem seus líderes e forem às urnas no domingo 13 nas regiões citadas ao norte e ao sul, existe a possibilidade de as Le Pen serem derrotadas.

O mesmo ocorreu em 2002, com o patriarca Jean-Marie Le Pen, agora convenientemente afastado em uma tentativa de mudar a imagem da legenda. À época, Jean-Marie venceu o então premier socialista Lionel Jospin e foi ao segundo turno da Presidencial.

Seu rival era o direitista Jacques Chirac. Mesmo assim, a esquerda, abstencionista ou não, votou em massa em Chirac no segundo turno e, assim, impediu a vitória da extrema-direita.  

De todo modo, o contexto hoje é outro. Nunca uma eleição foi realizada na França em Estado de Emergência. E três semanas após uma carnificina que deixou 130 mortos e centenas de feridos por jihadistas do Estado Islâmico, quase todos nascidos na França.

François Hollande, é verdade, voltou a ser um presidente neossocialista popular. Disse o filósofo Robert Redeker a CartaCapital: “Ele se portou à altura dos acontecimentos”. Da mesma forma, em janeiro, quando 17 pessoas foram mortas por jihadistas em Paris, Hollande também havia se “portado à altura”.

E, logo depois, sua popularidade despencou. O motivo? Sim, desta feita ele foi aplaudido por significativa fatia da população por ter declarado guerra contra o Estado Islâmico. Uma guerra, diga-se, parecida com outras perdidas como as do Afeganistão, do Iraque, da Síria e da Líbia. 

Mais eficaz em termos de segurança é o discurso de Marine Le Pen. Ao tomar a liderança do pai, quatro anos atrás, atenuou, ou pelo menos escamoteou, o extremismo do partido. Encerrou a narrativa antissemita. Aceitou que, de fato, o pai errava ao negar a existência do Holocausto.

Sua retórica voltou-se então contra muçulmanos e imigrantes. Sua fala é claramente racista, embora os terroristas no dia 13 de novembro não discriminassem entre muçulmanos, judeus e católicos.

Também no quesito economia, Marine Le Pen promete ajudar os menos favorecidos, em sua maioria trabalhadores outrora esquerdistas, inclusive na região Nord-Pas-de-Calais-Picardie. O que explicaria uma possível vitória de Marine no domingo, a despeito da pesquisa para o Le Figaro.

Uma dúvida: quem se absteve no primeiro turno das regionais é necessariamente de esquerda ou de direita? O nível de desemprego nacional é 10,5%, e superior entre menores de 25 anos. Não surpreende, portanto, o elevado número de jovens a votar em Marine.

Populista, ela diz pretender defender o povo das elites parisienses, de Hollande, de Sarkozy. O editorialista do Libération, Grégoire Biseau, caçoa do programa de Marine para, por exemplo, o Nord-Pas-de-Calais-Picardie. O que ela propõe? “Nada de escandaloso”.

Por exemplo: apoio às pequenas e médias empresas, valorização do aprendizado, maior segurança nos transportes e nas escolas… Tudo isso nos faz crer que a FN é uma legenda como as outras, conclui Biseau.

Contudo, Marine propõe um referendo “sobre o apoio aos migrantes”. No plano econômico, ela baixará as taxas regionais. Como? Não substituirá os aposentados. Ela propõe, ainda, o fim do euro. E da União Europeia. A França voltaria a ser independente.

Escreve Louis Maurin, diretor do Observatório de Desigualdades, “ela ignora todas as classes trabalhadoras… Isso explica a força da FN”. Mais: “Os dirigentes socialistas não compreendem nada da sociedade francesa”.

Uma esquerda pronta a associar “o liberalismo cultural ao econômico não tem nada de social-democrata”. Enquanto isso, a caridade substituiu a distribuição da renda. Por conta dessa “esquerda burguesa”, o trabalhador “virou um conservador”. 

Independentemente do resultado no domingo 13, a maior legenda ultradireitista deu o exemplo. Aplausos vieram do prefeito de Antuérpia e líder da Nova Aliança Flamenga, partido separatista e nacionalista. Marine Le Pen foi saudada por lideranças populistas na Áustria, Suíça e Holanda, entre outros países.

O presidente extremista húngaro, Viktor Orbán, que fechou as fronteiras do seu país para proteger o Ocidente dos muçulmanos, mostrou-se particularmente entusiasmado. Na Polônia, Jaroslaw Kaczynski, do Partido Lei e Justiça, fã de Orbán, também louvou a vitória de Le Pen no primeiro turno.

Igualmente vitoriosos foram o Estado Islâmico e Vladimir Putin, que contribuiu para o financiamento da campanha de Le Pen.

Foto: Reprodução/Carta Capital

Fonte: Carta Capital

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