Por Juan Luis Berterretche, para Desacato.info
Como era previsível, a nomeação pela presidente Dilma Rousseff de Kátia Abreu, líder no Senado da bancada do agronegócio, como ministra de agricultura, só poderia alentar mais a violência criminal dos ruralistas contra a população indígena do país. Já a presidente petista tinha esse triste mérito de ser a governante que deteve o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas no seu primeiro exercício (2011-2014). O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) denunciou que em 2014 se registraram 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras indígenas já reconhecidas. Como complemento, houve, no mesmo ano, 138 assassinatos de indígenas. Entre as mortes indígenas devemos contar também 135 casos de suicídios de jovens, pela angústia e insegurança nas quais sobrevivem.
Em outubro deste ano, organizações da sociedade civil que defendem os direitos indígenas sobre suas terras ancestrais, denunciaram a responsabilidade do Estado brasileiro com respeito ao genocídio dos povos originários que está acontecendo, durante uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH). Para Eliseu Lopes, líder Guarani Kaiowá (na foto de capa): “Meu povo está sofrendo genocídio no Brasil. A demarcação das nossas terras continua paralisada pelo Estado brasileiro. Terratenentes atacam nossas comunidades com milícias fortemente armadas. Nossa sobrevivência como povo e nosso bom viver está ameaçado”…”Imploramos que os comissionados pressionem o Estado brasileiro a demarcar nossas terras”. Lembremos que só contras os Guaraní Kaiowá se constataram 15 ataques paramilitares nos últimos dois meses.
Lindomar Terna, líder do povo Terena explica que a opção política governamental de incentivar o agronegócio no país, alenta a expansão dos latifundiários sobre nossos territórios tradicionais. “Neste momento também sofrem fortes ataques os Pataxós da Bahia e povos do Maranhão, que vem suas terras queimadas e devastadas por madereiras”…”enquanto isso não vemos iniciativas do governo em investigar e punir essas milícias dos fazendeiros”. Os advogados que acompanharam os indígenas declararam que “a paralisação nos processos de demarcação de terras indígenas é um elemento crucial que alenta os ataques contra a vida e a integridade física e psicológica dos povos indígenas e o Estado brasileiro deve ser responsabilizado”.
Dez anos depois do assassinato da freira Dorothy Stang, na mesma gleba – terrenos públicos- Bacajá, em Anapu, no estado do Pará a perseguição às famílias alcança índices alarmantes, com assassinatos, ameaças, agressões e destruição de bens. Ali entre julho e novembro deste ano houve 7 assassinatos. No sul de Rondônia, em 17 de outubro houve uma matança de cinco pessoas, ainda não esclarecida.
Do genocídio indígena e a agressão a povos rurais, ocupam-se com preferência os latifundiários através de suas quadrilhas ou milícias parapoliciais, cabendo ao Estado o papel de “desentendido” e sem iniciativa para indagar ou penalizar as agressões criminosas aos povos indígenas e demais moradores rurais. É um reparto de tarefas que no fundo significa dizer: “Querem mais terras para o agronegócio? Conquistem-na a tiros que nós olhamos pra outro lado”.
Trata-se de uma variante do Terrorismo de Estado, que “privatiza” as ações terroristas adjudicando-as aos sicários dos latifundiários, à vez que garante a impunidade dos seus crimes.
Como complemento a esta situação o Estado favorece o agronegócio com créditos baratos, desvalorizando a moeda para baratear custos e favorecer as exportações e todo tipo de medidasa que privilegiam o sistema produtivo de “commodities”.
Juntamente, há uma ofensiva dos poderes estatais contra a causa indígena. O sistema judicial em recentes decisões do Supremo Tribunal Federal anulou atos administrativos do poder executivo sobre demarcação de terras indígenas Guyrarokpá –do povo Guarani-Kaiowá) e Limão Verde – dos Terena – no Mato Grosso do Sul e Porquinhos – dos povos Canela – Apãniekra – no Maranhão.
E no legislativo se continua com projetos como a proposta de emenda constitucional (Pec) 215/00 que transfere do executivo para o legislativo –hoje com maioria de deputados ruralistas- a prerrogativa de demarcar terras indígenas, titular territórios quilombolas e criar unidades de conservação ambiental, para pôr nas mãos dos latifundiários estas decisões. A Pec 215 é a Pec do genocídio indígena. Instala a ‘raposa a cuidar das galinhas’.
Além de um projeto de lei 1610/96 que permitirá a exploração mineral em terras indígenas. Momento oportuno para recordar o penúltimo desastre mineiro no continente. Em 13 de setembro passado na província de San Juan, na Argentina, a mineira Veladero da Barrick Gold (canadense) envenenou os rios de uma bacia que inclui as províncias de Mendoza, San Juan, San Luis e La Pampa, com um milhão de litros de água contaminada com cianureto.
Penúltimo, porque o último foi sofrido sem sair do Brasil. Referimo-nos ao crime ambiental provocado em 5 de novembro, pela mineradora Samarco em Minas Gerais, que é considerado a maior catástrofe provocadas por uma corporação na história do país. Já afeta 500 mil pessoas na região pela impossibilidade de captar água do Rio Doce. Samarco é propriedade das transnacionais Vale do Rio Doce e BHP Billiton (anglo-australiana), donas cada uma de 50% das ações. Com a ruptura de duas barragens –Fundão e Santarém- verteram-se 62 milhões de metros cúbicos de água, barro, resíduos de minério de ferro e minerais pesados e duas populações localizadas entre os municípios de Mariana e Ouro Preto foram arrasadas. O distrito de Bento Rodrigues foi o mais afetado. Calcula-se que ainda os moradores da região estão ameaçados por um novo alude de resíduos de minérios da terceira barragem – Germano – com uma rachadura de três metros da largura em seu muro. Em 27/11 já se contavam 9 mortos, dez desaparecidos e quatro corpos ainda não identificados, sem contar os que ainda podem estar soterrados. Em amostras tomadas da água de ferro encontrou-se alumínio, manganês, arsênico e altos níveis de mercúrio. A maré de lodo que contaminou toda a bacia do rio Doce e no seu caminho matou, como mínimo, nove toneladas de peixes, já atravessou o Estado de Espírito Santo e alcançou as águas oceânicas destruindo uma praia de reprodução de tartarugas marinhas e ameaçando a reserva de Abrolhos.
Esse é o inevitável futuro imediato se aprovarem o projeto de lei mencionado. Trata-se do “progresso industrial” que as corporações mineiras querem levar aos territórios indígenas. Minerais para o lucro das empresas e terra, ar e água envenenados para os povos indígenas e as populações em geral do Brasil.
Versão em português, Raul Fitipaldi, de América Latina Palavra Viva, para Desacato.info
Foto: CIMI.