Burocracia impede que eles trabalhem recebendo pagamento enquanto seus pedidos de asilo não são analisados; refugiados já fazem movimentos pró-salário
Por Janaina Cesar.
Quando, em maio deste ano, o ministro do Interior italiano Angelino Alfano declarou que os municípios deveriam aplicar a lei que autorizava refugiados a fazer trabalho voluntário em troca de ter onde morar, não poderia imaginar tamanha adesão da classe política e de setores da Igreja Católica.
Em plena crise econômica, com municípios endividados ou sem verba para executar trabalhos de manutenção da cidade, como limpeza de praças, cemitérios e ruas, os prefeitos logo viram na normativa de Alfano a possibilidade de usar em massa a mão de obra refugiada. Cidades como Veneza, Bolonha, Modena, Padova, Parma, Udine, Treviso, Firenze e Bassano del Grappa passaram a fazer uso do expediente.
A justificativa é a da inserção social – para integrar os decidiram ficar no país, a Itália dá a essas pessoas a possibilidade de fazer algo “útil” pela nação que os está acolhendo.
Por outro lado, a burocracia e as leis de imigração impedem que os refugiados trabalhem recebendo pagamento enquanto seus pedidos de asilo não são analisados pelos centros de acolhimento. Ao chegarem ao país, recebem um visto de três meses, tempo em que, teoricamente, o governo italiano teria para dar uma resposta ao pedido de asilo. O problema é que os três meses são uma ilusão: alguns refugiados estão esperando há um ano que seus pedidos sejam analisados. Dessa forma, só conseguem uma ocupação com o título de “voluntário”.
“Foram eles mesmos que pediram”
O trabalho, segundo Enrico Parolin, presidente da Associação Casa a Colori, de Bassano del Grappa, é sempre feito de forma voluntária. “Foram eles mesmos que pediram para ajudar pois queriam fazer algo nas horas vagas”, diz. Os 33 que estão sob tutela da associação também fazem curso de italiano, de padeiro ou algum outro profissionalizante.
“Vimos que existia essa vontade da parte deles de fazer algo, de ajudar, então propusemos à prefeitura uma colaboração”, afirma Parolin. “Eles têm seguro de trabalho, mas não recebem nada porque é voluntariado”, justifica. Ele diz que o trabalho tende a diminuir. “O inverno está chegando e essas pessoas não estão acostumadas com o frio que faz aqui.”
Porém, ao pedido da reportagem para falar com os refugiados para ouvir a posição deles em relação à iniciativa, Parolin rejeitou qualquer tentativa de aproximação. “Não posso expô-los, a nossa política é de tutela-los. Eles não falam muito bem italiano e não confiam em quem não conhecem”, diz.
Para Erica Bertoncello, assessora de políticas sociais da cidade, “essa é uma verdadeira oportunidade de integração, não vemos como exploração de mão de obra. É um acordo que ajuda ambas as partes, eles que fazem algo durante o dia e assim mostram para a sociedade que não estão lá só desfrutando da nossa hospitalidade, mas estão retribuindo de algum modo o que fazemos por eles”, diz.
Obrigação
O problema do trabalho voluntário entre refugiados é que alguns políticos começam a vê-lo como uma “obrigação” dos refugiados, como declarou Emílio Del Bono, prefeito da cidade de Brescia. “Os refugiados que chegam aqui devem trabalhar gratuitamente pela coletividade, em troca de hospitalidade”, afirmou.
A lei que troca trabalho voluntário por um teto faz parecer que a Itália esta fazendo um favor ao refugiado, mas a própria Constituição italiana diz que qualquer pessoa perseguida em seu país tem direito ao asilo humanitário. Mas a situação é um tanto paradoxal. Muitas das associações ou entes que tem sob sua tutela os refugiados e seus pedidos de asilo fazem parte da comissão que deve analisar os mesmos.
“Fica difícil dizer não a quem está com as cartas de tua vida nas mãos”, diz Giorgio Grappi, do comitê dos imigrantes de Bolonha. Grappi diz que, para eles, “a vida de quem chega [na Itália] vale mais que uma normativa. Somente após a mudança nas leis europeias é que se poderá falar de projetos de integração através do voluntariado e trabalhos socialmente úteis.”
Manifestações contrárias já começam a acontecer. Em Pisa, após cinco meses limpando jardins e praças públicas, alguns refugiados começaram a pedir uma retribuição. Em Palmanova, 14 refugiados voluntários se organizaram para ir até a prefeitura falar com o prefeito, pois não queriam trabalhar gratuitamente.
Já Alberto Alberani, gerente da LegaCoop (Liga Nacional de Cooperativas) da região da Emília Romagna, se diz preocupado. “A grande maioria dos municípios que aderiu à iniciativa de trabalho socialmente útil executado por refugiados está com as contas no vermelho e hoje tem dificuldade de manter esse tipo de trabalho na cidade. A atenção recai justamente porque, com o tempo, existe a possibilidade que esses voluntários substituam os trabalhadores reais das cooperativas sociais.”
Foto de capa: Il Mattino.
Fonte: Opera Mundi