Por Juan Luis Berterretche, para Desacato.info
O triunfalismo “democrático” frívolo posterior ao deslocamento da ditadura e a inconclusa constituição de 1988 encobriu na consciência política brasileira, até agora, as lacras herdadas do autoritarismo militar, e ainda outras que vinham do domínio imperial e burguês, que o estado brasileiro continua arrastando em prejuízo da sociedade e, sobretudo, em menoscabo dos que têm maior fragilidade para defender seus direitos.
Dessa forma continuaram vigorando:
- Um racismo estrutural e institucional demonstrado com folga por estatística estatais em todo o país, e denunciado pela ONU, oculto sob a falsa ideologia do Brasil paraíso da democracia racial, uma fantasia que dominou no século XX.
- Tortura sistemática habitual nas penitenciárias do Estado e também nas delegacias locais, junto com prisões preventivas punitivas, superpopulação carcerária mal alimentada, sem atenção médica e num clima de violência permanente, condições comprovadas e reveladas pela ONU.
- Genocídio de crianças, jovens e adultos negros nas delegacias, favelas e periferias, demonstrado pelas estatísticas oficiais e por investigadores independentes de Direitos Humanos em via de agravamento a cada ano. De 2003 a 2012 a sociedade brasileira testemunhou, sem pestanejar, o assassinato com armas de foto de 320 mil negros.
- matanzas y ejecuciones sumarias por grupos de exterminio y “milicias” de favelas compuestas por policías o ex agentes represivos estatales en las grandes ciudades En São Paulo y su región metropolitana, en octubre de este año ya van 20 masacres con un total de 102 muertes. Lo que duplica las cifras de muertes por matanzas en 2014;
- Genocídio indígena executado por grupos de parapoliciais armadas por latifundiários, madereiras ou empresas de mineração, com objetivo de usurpar terras fiscais e indígenas, denunciado na OEA pelos povos originários.
Componentes que se combinam e potencializam para conformar um claro sistema seletivo de Terrorismo de Estado, de caráter racial e de classe, onde domina o círculo fechado da impunidade, da tortura e do extermínio letal, assim como as matanças e execuções urbanas e os ataques parapoliciais em zonas rurais. Isso todo, encoberto institucional e judicialmente.
A democratização progressiva da informação que está impondo a internet e a queda crescente da TV, principal meio de manipulação da informação do século XX, além do uso tendencioso da opinião que continua nas redes mal denominadas “sociais”, têm começado a revelar todas estas lacras que colaboravam entre elas para manter a submissão ideológica, social e política da cidadania num pais de imensa riqueza – o sétimo no ranking mundial medido pelo PIB -, e que paralelamente ocupa o 84º lugar em índice de desenvolvimento humano (IDH) em escala mundial. Um deplorável recorde em todos os sentidos, que recém a partir do século XXI começa a ser questionado por uma galáxia de movimentos populares da variados signos.
As próximas Olimpíadas de 2016 que foram usadas como álibi para imensas desocupações de terras no Rio de Janeiro favorecendo a especulação imobiliária, nos anunciam uma extensão e agravamento das ocupações militares de favelas e um recrudescimento do terrorismo de estado. Mas, agora num situação desfavorável para um governo desprestigiado que tem perdido o apoio popular. Esperamos que os movimentos sociais e populares assumam que se não enfrentam este terrorismo estatal já instalado e com intenções de aumentar, passaremos a viver num país de total democracia fictícia, sem direitos nem liberdades e com um apartheid de classe e raça oficializado.
1º de novembro de 2015.
Versão em português: Raul Fitipaldi.
Imagem tomada de: www.diarioliberdade.org