Por Patrick Mariano. Denúncias e inquéritos instaurados em desfavor dos Sem Terra fez com que os trabalhadores passassem a entender que luta jurídica era estratégica para a política.
Entre os dias 25 e 29 de novembro, 200 advogados e advogadas se reunirão em Brasília para comemorar os 20 anos da RENAP, a maior e mais antiga organização do campo jurídico popular brasileiro.
A rede foi criada em 1995 pelo Movimento Sem Terra e Comissão Pastoral da Terra para fazer frente a uma ofensiva de delegados, promotores e juízes que orquestradamente enquadravam as ações de reivindicação de terra como crime.
As denúncias e inquéritos instaurados em desfavor de trabalhadores rurais sem terra na Paraíba, tinham a mesma fundamentação daquelas elaboradas no interior do Paraná. A ação política coletiva de pleitear direitos constitucionalmente garantidos era enquadrada como formação de quadrilha e uma série de outros crimes e, mesmo que a autoria desses delitos nunca ficasse concretamente demonstrada, lideranças de trabalhadores eram presas através de decretos desfundamentados.
Esta circunstância fez com que os trabalhadores passassem a entender que luta jurídica era estratégica para a política. Assim, essas organizações estimularam a criação de uma rede nacional de advogados populares para fazer frente ao ataque de setores conservadores do direito que tentavam criminalizar a ação destes movimentos sociais. No início, não mais que 10 em todo o país. Eram advogados de igrejas, pastorais, sindicados e partidos de esquerda que solidariamente contribuíam assessorando juridicamente os trabalhadores.
Outra percepção que esta organização passou a ter foi a de que era preciso qualificar a atuação desses atores jurídicos com a ajuda de grandes juristas, solidários à causa. Assim, surgiram cursos e seminários onde se trocava experiências e estratégias comuns de enfrentamento. A elaboração de peças se dava coletivamente, o que rompia paradigmas de atuação da advocacia, muitas vezes focada na ação individual.
A criação da RENAP logo começou render frutos. Decisões favoráveis aos trabalhadores começaram a surgir. Teses vitoriosas foram criadas e pode se falar hoje que a luta dos trabalhadores rurais sem terra tem uma respeitável jurisprudência favorável consolidada. Algumas são emblemáticas, como as dos ministros Luiz Vicente Cernichiaro e Paulo Medina do STJ e Celso de Mello no STF.
Desta luta contra um pensamento hegemônico no direito, surgiram dois livros fundamentais em que grandes juristas comentam decisões judiciais proferidas no contexto de luta pela terra. O primeiro foi “A questão agrária e a Justiça” pela RT e, depois, “Questão Agrária, Julgados comentados e pareceres” pela editora Método.
Foi da RENAP, também, que surgiu a primeira turma de direito formada exclusivamente por acampados e filhos e filhas de assentados e pequenos agricultores na Universidade Federal de Goiás – Campus Goiás Velho. Outras duas turmas foram abertas, uma na Universidade Federal de Feira de Santana e outra na Universidade Federal do Paraná.
Atualmente são 600 profissionais espalhados por todo o Brasil. A luta dessas advogadas e advogados, embora contra hegemônica, é importante para questionar a visão dominante do direito, ainda positivista e conservadora.
Quando a RENAP completou 5 anos, o ex-senador José Paulo Bisol lançou um desafio. Disse ele que gostaria de ver onde todos estariam nos próximos 5 anos, se não estariam captulados cuidando de suas próprias vidas, deixando a mística da transformação social em segundo plano. Pois a RENAP completou outros cinco, dez e agora chega aos vinte anos mais consolidada do que nunca. Oxalá a RENAP consiga continuar vencendo o desafio do grande senador e resistir por mais 20 anos.
*Patrick Mariano, 35, advogado, doutorando na Universidade de Coimbra/Portugal.
Foto: Reprodução/MST
Fonte: MST