Por Max Altman.
Com efeito, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil de desistir de participar da missão da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) às eleições parlamentares cria uma situação grave.
É preciso avaliar corretamente todos os episódios que levaram a esta decisão.
O CNE ( Conselho Nacional Eleitoral) da Venezuela aceitou, assim que foi designada a data das eleições para 6 de dezembro, a supervisão eleitoral da Unasul. Havia recusado o monitoramento por parte da OEA (Organização dos Estados Americanos) por duas razões básicas:
A legislação eleitoral venezuelana estabelece normas para a observação internacional, mas rejeita o monitoramento internacional, pois isto implica em violação da soberania nacional. O monitoramento cabe aos partidos políticos e seus técnicos e isto vem sendo observado criteriosamente por meio de uma programação de atividades previstas em lei. Nenhum país do mundo, nem Brasil, nem Estados Unidos, Inglaterra ou França aceita que estrangeiros invadam seu sistema eleitoral.
A OEA tem uma longa tradição de viés ideológico. Em 2004, por ocasião do referendo revogatório do mandato de Hugo Chávez, o então secretário-geral da OEA, Cesar Gaviria, colocou-se inteiramente ao lado da oposição que alardeava fraude generalizada comprovada. Até hoje, passados 11 anos, a oposição não apresentou um fiapo de prova sequer. Foi preciso que o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, do Centro Carter, avalizasse o resultado, afirmando na ocasião que o sistema de votação venezuelano era dos melhores, senão o melhor do mundo.
Colocar sob suspeição os seguidos processos eleitorais é uma prática permanente da oposição venezuelana. Em todos os múltiplos pleitos desde 2004 alega-se fraude, com exceção do referendo das emendas constitucionais de 2007, que venceu por estreitíssima margem, derrota imediatamente reconhecida por Chávez.
A oposição chegou, inclusive, a desistir de participar das eleições parlamentares de 2005, agitando a bandeira de que elas seriam e já estavam fraudadas. A tática é atacar, desqualificar e desconhecer permanentemente o Poder Eleitoral. E tudo com o respaldo da grande mídia local e internacional.
Assisti pessoalmente a diversos pleitos na Venezuela como observador internacional. E havia observadores internacionais de todo o espectro ideológico. Participamos todos das demonstrações dos diversos aspectos da votação patrocinadas pelo CNE, cujos técnicos respondiam às dúvidas formuladas. Nas ruas, na televisão, nas rádios pudemos observar que a campanha era acirrada, de lado a lado. Os meios de comunicação, em sua maioria, tendiam desabridamente em favor da oposição. Tudo isto nos levava a constatar que as eleições eram e foram justas e livres.
Delegação brasileira
Em um dado momento e em meio às discussões no seio da Unasul a propósito da observação internacional do pleito venezuelano, o TSE brasileiro indicou Nelson Jobim para comandar a delegação da Unasul. Essa indicação recebeu simplesmente o acordo da presidenta Dilma Rousseff, sem que o Palácio do Planalto tivesse participado de qualquer negociação prévia.
O colunista da Folha de S. Paulo, Clóvis Rossi, pretende que, assim que Dilma volte da viagem à Escandinávia, tome uma das duas atitudes:
“Ou referenda a indicação de Jobim e exige que sua missão comece imediatamente, para poder avaliar a equidade na contenda eleitoral… ou se a Unasul/autoridades venezuelanas não aceitarem, denuncia o pleito como viciado”.
Notem que já não fala em fraude no sistema de votação, que por sinal é seguro, transparente, auditável antes, durante e após as eleições, e sim em “equidade”.
A MUD (Mesa da Unidade Democrática), de oposição ferrenha ao governo Maduro, recebeu com entusiasmo a decisão do nosso TSE. Diz um trecho de sua declaração: “O povo da Venezuela agradece o gesto solidário e de honestidade democrática do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil. Após esse gesto extraordinário, as eleições do próximo 6 de dezembro se realizarão em um novo clima internacional, com todos os olhos do hemisfério escrutando o que aqui ocorra”.
A nota do TSE, abaixo transcrita, traz uma afirmação preocupante que grifamos: “Nelson Jobim foi preterido na escolha final para a chefia da missão por suposto veto das autoridades venezuelanas.” Se a nota se referiu às autoridades do Poder Eleitoral, pode ter havido a recusa dado que a observação pretendia ser objetiva, imparcial e abrangente. É possível, nesse caso, que o “abrangente” significasse monitoramento, o que é rejeitado pela legislação local. Se o nosso TSE quis dar a entender que o veto partiu do governo Maduro, o tema assume clara gravidade política.
Até o momento, 11h00 do dia 21 de outubro, não temos conhecimento de qualquer manifestação a respeito nem do CNE, nem do governo venezuelano.
Abaixo transcrevemos na íntegra a nota do TSE e a mais recente atividade de auditoria prévia do sistema eleitoral venezuelano, para avaliação dos leitores.
Nota à Imprensa: eleições venezuelanas
O Tribunal Superior Eleitoral buscou ao longo dos últimos meses contribuir para que a missão da União das Nações Sul-americanas (UNASUL) às eleições parlamentares venezuelanas em dezembro próximo pudesse exercer um trabalho de observação objetivo, imparcial e abrangente.
O TSE empenhou-se, em particular, em assegurar que a missão da UNASUL estivesse sob o comando de uma personalidade pública com amplo conhecimento da lide eleitoral e de reconhecida isenção. Propôs ao Poder Executivo o nome do ex-presidente do TSE Nelson Jobim. A sugestão foi aprovada pela Presidência da República e submetida pelo Itamaraty à presidência pro tempore da UNASUL.
Embora o candidato brasileiro tenha angariado amplo apoio entre os Estados-Membros, foi preterido na escolha final para a chefia da missão por suposto veto das autoridades venezuelanas. (g/n) O TSE também procurou contribuir para que a missão fosse regida por acordo (entre a UNASUL e o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela) que a permitisse observar as diferentes fases do processo eleitoral e verificar se as condições institucionais vigentes no país asseguram equidade na disputa eleitoral.
A demora do órgão eleitoral venezuelano em pronunciar-se sobre a versão revista do acordo fez com que a missão não pudesse acompanhar a auditoria do sistema eletrônico de votação e tampouco iniciar a avaliação da observância da equidade na contenda eleitoral, o que, a menos de dois meses das eleições, inviabiliza uma observação adequada.
Em razão dos fatores acima referidos, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que não participará da missão da UNASUL às eleições parlamentares venezuelanas.
Fonte: Opera Mundi.