O retrato incompleto de “Que Horas Ela Volta?”

Por Matheus Pichonelli.

Com (muito) atraso, fui assistir Que Horas Ela Volta?, filme de Anna Muylaert candidato a concorrer ao Oscar de melhor produção estrangeira pelo Brasil. Cheguei com a expectativa na lua após acompanhar, há mais de um mês, os entusiasmos e implicâncias despertados pela obra. Divido, não sei se em tempo, com o leitor minhas impressões.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que existe um filme antes e outro depois da chegada de Jéssica, a filha da faxineira que vai a São Paulo prestar vestibular e é (mal) acolhida na casa dos patrões da mãe, que mora e trabalha no local.

Até ali, o filme parece caminhar entre ruídos. Um deles é o incômodo por ouvir o sotaque nordestino de uma atriz nascida no Rio de Janeiro. Outro, com uma certa indefinição do papel da personagem na história: atriz popular, Regina Casé ganha a simpatia do público com um jeito meio atabalhoado, entre servil e reclamona. Com a chegada da filha a São Paulo, sua personagem torna-se apenas servil aos patrões, de quem parece tomar partido toda vez que a filha ameaça embaralhar a ordem daquela casa (volto a esse ponto depois). Por fim, a construção da distância entre mãe e filha soa como um furo do próprio roteiro. Sua reconstrução, vale dizer, é o ponto alto da história.

Mais: o roteiro parece ignorar uma ferramentas de comunicação que, desde o início da década, encurtou e deu rosto a pessoas distantes. Chama-se internet. Pois Val não reconhece a filha quando ela chega ao aeroporto. E a filha descobre surpresa, já a caminho da casa dos patrões, que a mãe morava no trabalho. Em tanto tempo, ela nunca teve curiosidade de saber como, e com quem, a mãe morava? Não parece ser um detalhe a ser ignorado.

Na descoberta, fica exposto um princípio de embate entre uma personagem que incorpora a servidão como um princípio naturalizado e outra que se rebela não apenas com a sua imposição, mas com a passividade da mãe em relação a ela.

piscina

Mãe e filha se desconhecem e o estranhamento entre elas é construído por caminhos aparentemente tão forçados quanto um carioca falando como pernambucano. A escolha parece ser uma oportunidade perdida da diretora de escancarar ainda mais uma assimetria histórica. Os serviçais de sua história são brancos, e o componente racial das relações patrão-empregado passa longe de uma abordagem sobre servidão.