Temendo criminalização de manifestações, ONGs criticam falta de debate sobre PL nº 2016/2015, que recebeu diversas emendas e deve ser votado nesta terça
Por Patrícia Dichtchekenian.
Um projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo e tramita na Câmara dos Deputados em caráter de urgência deve ser votado nesta terça-feira (11/08) em Brasília. Polêmica e com pouco debate público acerca do tema, a proposta conta com ao menos seis emendas que enquadram, entre outras coisas, atuações de movimentos sociais na definição deste tipo de crime, ameaçando direitos ao protesto.
Projeto de Lei 2016/2015 tramita em caráter de urgência e deve ser votado no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira
Consultado por Opera Mundi, o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio, explicou que os parlamentares se comprometeram a encaminhar emendas até a tarde de segunda (10/08) para que o debate do texto — o PL 2016/2015 — seja encerrado e, ainda hoje, votado.
“O Brasil é signatário de todos os tratados internacionais sobre terrorismo e trata discussões internacionais a respeito deste tema. O Brasil tem relevância mundial e cumpre todos esses compromissos levando em conta o panorama internacional”, argumenta Sampaio.
Assinado no fim de junho pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e José Eduardo Cardozo (Justiça), o projeto de lei antiterrorismo do relator e deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA) vem em meio ao intervalo entre a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos que acontecerão no Rio de Janeiro em 2016.
Desde a sua criação, a proposta sofreu algumas alterações, principalmente na última sessão plenária, na semana passada. Uma das sugestões de emenda foi apresentada pelo deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que busca incluir no PL 2016/2015 movimentos sociais na tipificação de um crime de terrorismo. Outra mudança foi o aumento da pena para reclusão de 20 a 30 anos de prisão, cumprimento máximo.
Segundo a mais recente versão do texto, o terrorismo consiste em atos que têm o objetivo de “intimidar Estado, organização internacional ou pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou representações internacionais ou coagi-los a ação ou omissão”, bem como “provocar terror, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e incolumidade pública”.
Embora o PL 2016/2015 acrescente que o dispositivo “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais e religiosos”, grupos de direitos humanos temem que haja uma brecha interpretativa para criminalizar esses movimentos.
Direitos humanos em jogo
De acordo com Vivian Calderoni, advogada da ONG Conectas, as prisões de manifestantes em junho de 2013 provam que há uma cultura de criminalização de movimentos sociais e do direito ao protesto. “Nosso medo não vem de uma paranoia, mas de um aprendizado com a experiência dos protestos passados”, afirma.
Segundo a advogada de direitos humanos, é contraditório definir terrorismo como uma forma de intimidação do Estado se as manifestações têm, por excelência, a finalidade de intimidar o Estado em suas reivindicações sociais, por exemplo.
Além de indicar a possibilidade de brechas na interpretação da lei, Calderoni ainda critica o caráter de urgência do projeto. “Essa pressa em legislar temas tão sensíveis é inadmissível. Trata-se de algo tão complexo, de difícil definição tal como é o terrorismo para muitos países, e o poder Executivo vem com um texto de sua autoria, que assola toda a tramitação”, diz.
Na mesma linha, a Rede Justiça Criminal, coalizão que reúne diversos grupos de direitos humanos, afirma ser “internacionalmente reconhecida a dificuldade de tipificação da conduta terrorista, sem que se recaia na criminalização do protesto e no inócuo aumento de penas e relativização do processo penal democrático”.
Em nota divulgada em 23 de julho, a coalizão recorda que a própria experiência brasileira recente incluiu casos de má utilização de tipos penais, instrumentalizados na criminalização de movimentos, intimidação de lideranças políticas e violação a direitos humanos, bem como a restrição à liberdade de expressão.
Para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), experiências internacionais com projetos de lei antiterrorismo mostram que esse tipo de legislação acaba por atingir e reprimir movimentos sociais. “Por mais que aparentemente a meta seja combater organizações terroristas, os tipos que descrevem o que deveria ser terrorismo neste projeto de lei são abertos e imprecisos”, comenta.
Segundo o deputado, uma proposta imprecisa deixa a interpretação aberta para que um juiz, um membro do MP (Ministério Público) ou um delegado possam definir o que é terrorismo a partir de suas próprias convicções, algo problemático para direitos humanos já que acaba por mirar determinados grupos sociais. “Se esse projeto for aprovado, será mais um retrocesso do Estado Democrático de Direito e a exceção se tornará regra. Nada garante que os movimentos sociais não serão afetados”, lamenta.
“No Brasil, não existe o que se convencionou chamar de terrorismo”, acrescenta Damous, que também foi presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. “Aqui, não temos Al Qaeda ou um exército islâmico”, afirma.
Outro lado
De acordo com Sampaio, do Ministério da Justiça, “o compromisso com direitos humanos é uma marca do governo”. “Há um dispositivo claro que protege os direitos sociais. Para nós, isso é um tema caro. O objetivo do texto é trabalhar algumas lacunas existentes na legislação brasileira para que o país consiga obter uma prevenção [sobre terrorismo] e que em nenhum momento conflita com nosso processo democrático”, explica.
“Os atos de terrorismo estão definidos de forma clara. Eles têm uma razão, uma motivação, que não tem relação com movimentos sociais”, diz Sampaio. Questionado sobre a emenda proposta pelo deputado José Carlos Aleluia, o secretário de Assuntos Legislativos esclareceu que “todo tipo de emenda que criminaliza movimentos sociais não têm apoio [do Executivo]”.
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Fonte: Opera Mundi