Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.
A contradição é uma marca do nosso tempo, onde o paradoxo é a palavra que mais define a realidade hodierna. Os tempos líquidos, como alusão a Zigmunt Baumann, tornam também líquidas as palavras e os significados, que a depender de onde se mira tomam caracterizações distintas, complexas e distorcidas. É nesse contexto que se encontram as clássicas noções de ordem e desordem, que foram eloquentemente construídas a partir da dialética moderna.
Em tempos de neoliberalismo, de veneração do deus capital, as noções de ordem e desordem passam a ter novas conotações e perspectivas. A ordem, nesse paradigma, seria aquilo que garantiria a manutenção o “bom” funcionamento do sistema, que ao funcionar produz riqueza e pobreza (talvez mais pobreza que riqueza), subjulgando todos os seus servos aos seus ditames. O “bom” funcionamento do sistema tem implicações em diversos campos da vida cotidiana, seja no âmbito da política, da economia, da cultura e até mesmo da ideologia. A questão que surge é se esse dito “bom” funcionamento não seria uma distorção daquilo que pode ser socialmente considerado bom, operando como uma ideologia construída pelos detentores de poder político e econômico.
A desordem tornou-se ordem
A desordem do neoliberalismo tornou-se ordem. A mercantilização da vida tornou-se comum, banal. A pobreza e a desigualdade social são hoje vistas com naturalidade, normalidade, necessidade. A dignidade da pessoa humana é constantemente negada por (pasmem!) pessoas ditas “humanas”. O fascismo societal se coloca como paradigma de convivência social, onde a figura do “outro”, do “diferente” é sistematicamente negada e, em certos casos, aniquilada. Os valores da sociedade do espetáculo se colocam como valores imperantes de uma sociedade marcada pela “esteticização” das relações sociais/de poder.
A desordem foi promovida a ordem. Mas enquanto desordem, esta também possui sua ordem. Uma ordem desordenada sob o ponto de vista ético/racional, mas ordenada enquanto produto de um espaço/tempo histórico e cultural. Nesse sentido, é perfeitamente possível haver ordem na desordem, por mais irracional que ela seja, por mais anti-humana que ela seja.
A construção de “ordens” irracionais – como a “ordem” neoliberal, que opera a partir de uma lógica ilógica – necessita de um sólido arcabouço ideológico que lhe dê legitimidade.
Um grande exemplo que pode-se retirar do momento político em que vivemos hoje em dia é a polêmica discussão sobre a redução da maioridade penal. Nesse campo, tenta-se convencer ideologicamente (e irracionalmente) que a solução para o problema da criminalidade é prender adolescentes entre 16/18 anos. Tenta-se aí – com grande sucesso, haja vista que grande parte da população é favorável a causa – legitimar a desordem por uma dita noção de ordem. Assim, a ordem quer se impor como desordem ordenada.
Por uma “nova” ordem, que seja democrática
Nesse contexto, marcado por profundos paradoxos, pensar em uma sua superação exige pensar na superação dos próprios paradoxos. Criar novos sentidos e novas significações que nos permitam avançar na construção de uma nova lógica civilizacional, que leve em consideração a democracia como elemento fundamental. Assim, construir uma “ordem” que não seja repressiva, opressiva, excluidora, mas que preze por justiça social e pela construção de uma sociedade mais igualitária.
Thiago Burckhart é estudante de Direito.