Há exatos 30 anos, milhares de famílias do interior do estado de Santa Catarina buscavam sair de suas condições subumanas em que se encontravam, e viram na luta pela terra a possibilidade de uma nova vida.
Eram em torno de 2 mil famílias, que organizadas num movimento ainda em fase de estruturação que nascera um ano antes, ocuparam duas fazendas no município de Aberlado Luz. Surgia assim o MST no estado de Santa Catarina.
Passado 30 anos de luta, a persistência dos trabalhadores rurais culminou no assentamento de 4.702 famílias distribuídas em 51 municípios, praticamente em todas as regiões do Estado, contemplando um total de 138 assentamentos.
Uma das primeiras preocupações daqueles anos iniciais era com a educação nas áreas ocupadas. O resultado disso se reflete nas 50 escolas localizadas nos assentamentos, seis projetos de alfabetização e escolarização pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), dois cursos de ensino médio técnico em agroecologia, e mais cinco cursos de pós-graduação.
No que diz respeito à preservação e revitalização do meio ambiente, dados da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) demonstram que existem 11.033,7 hectares de mato nativo nos assentamentos, num total de 50.454 hectares.
Mais da metade das famílias assentadas no estado tem como renda a produção de leite, chegando a um total de 31.648.335 de litros por ano. Em relação à produção de mel, 64.972,50 kg são produzidos anualmente nos assentamentos, sem falar de grãos, hortaliças e carne, além das 10 cooperativas que os Sem Terra construíram ao longo destes 30 anos.
Presente desde a primeira ocupação no estado, o Sem Terra Vilson Santin explica sobre os desafios e conquistas destas três décadas de MST no estado de Santa Catarina. Confira:
Como iniciou o MST em Santa Catarina?
Neste mês de maio fazem 30 anos das primeiras ocupações, 30 anos de lutas e conquistas, batalhas, sofrimento e estrema dificuldades. Mas superamos tudo, desde os pistoleiros à repressão do estado, onde perdemos grandes companheiros como Olívio Albane, no confronto em Palma Sóla, em 1989.
Lembro-me quando fizemos nosso primeiro encontro estadual em 1984, na cidade de Chapecó. Naquele tempo chamávamos de regional oeste, em sua grande parte organizado pelo bispo Don José Gomes e sua equipe. Através deles que iniciamos nossa militância.
Nesse período vivíamos um momento de reacenso da luta de massas, devido ao período de luta contra a ditadura militar. Em janeiro de 1985 fomos para o primeiro congresso do MST, em Curitiba, e nesse congresso tiramos a tática das ocupações de terra com o lema “Terra pra quem nela trabalha”.
O marco nesse período foi que ao voltar do congresso, partimos direto para organizar as famílias Sem Terra, principalmente no Oeste do Estado. E no dia 25 de maio organizamos duas grandes ocupações, entorno de 2 mil famílias.
Ao conquistarmos as áreas, o Incra colocou as famílias em diversas regiões, no intuito de nos separar, mas isso possibilitou que nos fortalecêssemos em todo o estado.
Como o Movimento se tornou referência a nível nacional na área da produção?
Na época, quando organizávamos as famílias, já tínhamos a preocupação com a produção. Já nos perguntávamos o queríamos com a terra, a forma que iríamos produzir, o respeito ao meio ambiente e assim por diante.
A nossa marca Terra Viva, nossas cooperativas, como a Cooperoeste, as escolas, tudo isso já foi concebido nesse momento. Com cerca de um ano de acampamento as famílias foram para as terras. Uma parte das delas ficaram nas maças em Abelardo Luz, e a outra foi para Sede Ribeiro, em Faxinal dos Guedes, área cedida pelo governo do estado, e o restante do pessoal de São Miguel foram para a Bandeirante.
Nesses acampamentos já fizemos grandes lavouras, e quando os grupos de famílias foram para suas áreas, todos já iam com um dinheiro em caixa para iniciar a produção e organizar a comunidade.
O que você destaca destes 30 anos de organização?
A principal virtude nossa é o resgate da dignidade humana, o resgate de milhares e milhares de famílias que estavam completamente abandonadas pelo sistema, e hoje, muitos são médicos formados, advogados, jornalistas, contadores, veterinários, agrônomos, professores e tantos outros.
Nunca negamos participar de uma luta organizada por outros setores da classe trabalhadora. Sempre estivemos presente quando convidado. Graças a esse conjunto dos trabalhadores do Brasil e do mundo que estamos completando 30 anos, e o grande desafio é projetar mais 30.
Quais os principais desafios para o MST em Santa Catarina?
Temos três desafios importantes pela frente. Primeiro produzir alimentos de qualidade, principalmente para as pessoas mais carentes. Segundo é a preservação do meio ambiente, e o terceiro é o cuidado com as pessoas. O ser humano é o centro de tudo, é ele que tem a capacidade de mudar, transformar, por isso que acreditamos nele.
Nesses 30 anos qual foi o momento mais marcante pra você?
É difícil responder essa pergunta objetivamente, porque são muitos os momentos marcantes, cada ocupação é única, é a adrenalina que sobe, uma emoção nova que toma conta da gente.
Mas o momento mais marcante para mim foi a ocupação do dia 25 de maio, em Abelardo Luz, talvez porque foi a primeira. Lembro que eu sentei com o falecido Egídio Brunetto e ficamos olhando aquela multidão de gente, de um lado ao outro da estrada, e onde enxergávamos depois da ponte, os caminhões de gente. Ai falei pro Egídio Brunetto, “olha só o que nós fizemos, olha ali ó, tá louco, e agora o que vamos fazer?”
Não tem como dizer que esse momento não foi marcante, porque foi a primeira. É isso, a luta segue, quem sabe viveremos por mais uns 30 anos, mas o que nós não fizermos os mais jovens irão fazer.
Fonte: MST.